Bolsonaro é condenado a 27 anos e três meses de prisão em caso histórico para o Brasil

Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu por 4 votos a 1 pela condenação do ex-presidente, em caso marcante para a democracia do país, que impacta as eleições de 2026 e que envolveu tentativa de interferência de Donald Trump

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Bloomberg — O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou Jair Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão por planejar um golpe de estado após sua derrota nas eleições em 2022, o que o torna o primeiro ex-presidente sentenciado por tal crime.

Quatro dos cinco juízes da Primeira Turma do STF, que ficou responsável pelo caso, votaram a favor da condenação de Bolsonaro sob a acusação de que ele tentou permanecer no poder ao planejar um golpe militar que incluía planos para assassinar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Votaram para condenar o ex-presidente os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Carmen Lúcia e Cristiano Zanin; o ministro Luiz Fux votou pela absolvição.

A votação foi concluída nesta noite de quinta-feira (11).

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O caso é considerado um momento marcante para a democracia em um país que sofreu quatro golpes bem-sucedidos e muitas outras tentativas fracassadas em sua história.

Também é provável que tenha ramificações no país e no exterior, potencialmente remodelando a eleição de 2026; e, ao mesmo tempo, pode desencadear uma reação adicional do presidente Donald Trump, que impôs tarifas de até 50% dos Estados Unidos sobre muitos produtos brasileiros e sanções ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, em um esforço para impedir o julgamento.

Por enquanto, até o começo da noite de quinta, o presidente dos EUA não deu indicações claras sobre medidas adicionais contra o Brasil.

“Eu assisti a esse julgamento. Eu o conheço muito bem - líder estrangeiro [...] eu achei que ele foi um bom presidente do Brasil”, disse Trump enquanto deixava a Casa Branca em uma viagem à cidade de Nova York. “Isso é muito parecido com o que eles tentaram fazer comigo, mas não conseguiram, de forma alguma.”

O caso de Bolsonaro tem origem em uma investigação sobre a tentativa de insurreição de 8 de janeiro de 2023 em Brasília, quando milhares de seus apoiadores invadiram e depredaram prédios federais que abrigam os 3 Poderes - o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do Supremo Tribunal Federal - enquanto pediam aos militares que destituíssem Lula uma semana após sua posse.

O principal promotor do Brasil - Paulo Gonet, Procurador-Geral da República - acusou Bolsonaro e sete aliados, incluindo militares e ministros de seu governo, de planejar um golpe de Estado e quatro outros crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

O que disse a defesa

Seu advogado, Celso Vilardi, argumentou que os promotores não conseguiram vinculá-lo à insurreição ou a qualquer plano contra Lula e acrescentou que o golpe nunca foi realmente realizado.

O ministro Alexandre de Moraes deu o primeiro voto para condenar Bolsonaro na terça-feira (9), dizendo que “não há dúvida de que houve uma tentativa de golpe”, e foi acompanhado pelo ministro Flávio Dino.

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Os ministros Carmen Lucia e Cristiano Zanin consideraram Bolsonaro culpado de todas as acusações nesta quinta-feira.

O único que discordou foi o ministro Luiz Fux, que votou pela absolvição de todas as acusações ao se manifestar na quarta (10) e na quinta. Alegando falta de jurisdição do painel, ele também defendeu anular o caso. Embora essa tentativa não tenha sido bem-sucedida, seus argumentos podem servir de base para um possível recurso.

Ao final do julgamento, a defesa do ex-presidente pode apresentar uma moção de esclarecimento à mesma Turma do STF, se considerar que a decisão contém omissões, contradições ou ambiguidades.

Aliado de Trump

Bolsonaro, ex-capitão do Exército, modelou tão minuciosamente sua abordagem política em seu homólogo norte-americano que ficou conhecido como “o Trump dos trópicos” durante sua inesperada ascensão à presidência do Brasil em 2018.

As comparações só se intensificaram desde os atos - depois condenados pela Justiça - de janeiro de 2023, que eclodiram na esteira da disseminação de teorias conspiratórias de Bolsonaro sobre fraude eleitoral. Eles ocorreram quase dois anos após a tentativa de insurreição no Capitólio dos EUA, que se seguiu à derrota de Trump em 2020.

Mais tarde, Trump enfrentou acusações de que havia conspirado ilegalmente para obstruir aquela eleição, mas os promotores as retiraram depois que ele venceu a disputa eleitoral de 2024, citando a política do Departamento de Justiça contra processar um presidente em exercício.

Bolsonaro apostou alto na ajuda de seu aliado, de tal maneira que seu filho Eduardo, um deputado federal, no início deste ano mudou-se para os EUA para pressionar a Casa Branca a intervir em nome de seu pai.

Em julho, Trump criticou o julgamento que classificou como uma “caça às bruxas” e, posteriormente, implementou tarifas de 50% sobre o Brasil.

Ele também impôs sanções a Moraes, o juiz que foi o relator do caso de Bolsonaro, e revogou seu visto americano.

Mas o Brasil se recusou a ceder.

Moraes abriu o julgamento insistindo que a soberania do país “jamais será violada, negociada ou extorquida”.

O presidente Lula também criticou o líder americano por tentar intervir nos assuntos brasileiros, ao mesmo tempo em que classificou Bolsonaro e Eduardo como traidores de sua nação.

O tribunal mais alto do país, o governo Lula e bancos brasileiros se prepararam para uma reação adicional dos EUA à medida que o julgamento progredia, incluindo possíveis sanções a outros juízes do Supremo Tribunal Federal.

Questionada sobre o Brasil na terça-feira, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse que Trump vê o caso como uma luta contra a “censura” e que ele não tem medo de usar o poder econômico e o poder militar dos Estados Unidos para o que entende que seria proteger a liberdade de expressão no mundo.

Eleições de 2026

O veredicto final faz de Bolsonaro o terceiro dos últimos sete presidentes do Brasil considerado culpado de crimes.

Lula, que já havia governado o Brasil de 2003 a 2010, foi condenado por corrupção em 2017 e passou quase dois anos atrás das grades antes que a anulação de seu caso abrisse caminho para um retorno à presidência.

Embora Bolsonaro insista que concorrerá novamente no próximo ano, um retorno imediato é improvável devido a uma proibição política de oito anos que ele recebeu do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por lançar dúvidas sobre o sistema de votação do país antes da disputa de 2022.

Investidores e líderes de partidos de Centro enxergaram o julgamento como um ponto em que ele finalmente terá que nomear um sucessor, com muitos favorecendo o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ex-ministro do governo Bolsonaro.

“A prisão de Bolsonaro acaba favorecendo uma segunda opção como Tarcísio”, disse Felipe Arslan, CEO da Morada Capital. “Iosso elimina a chance de Bolsonaro se tornar elegível e tem essa segunda opção que aumenta o otimismo do mercado com a eleição.”

Os mercados brasileiros refletiram pouca reação à condenação de Bolsonaro neste fim de tarde de quinta-feira, que já havia sido amplamente precificada antes mesmo do início do julgamento.

Embora uma resposta dos EUA continue sendo um risco, investidores veem pouco impacto sobre as perspectivas econômicas mais amplas: novas sanções são consideradas improváveis e quaisquer medidas provavelmente visariam indivíduos - possivelmente até juízes do STF -, e não a economia brasileira.

Por enquanto, Tarcísio negou que pretenda se candidatar, mas intensificou seus esforços para atrair a base do ex-presidente. Ele acusou o tribunal de “tirania” e chamou o julgamento de “contaminado” durante um comício no último domingo (7).

Ele também pediu a aprovação de uma lei que conceda anistia legal a Bolsonaro, uma ideia que ganhou força na Câmara dos Deputados, mas enfrenta resistência no Senado e provavelmente estaria sujeita a desafios constitucionais no STF.

Os esforços de Bolsonaro para manter o controle sobre o movimento político que ele construiu também alimentaram especulações de que ele poderia apoiar um membro de sua família no próximo ano.

Eduardo manifestou interesse em concorrer se seu pai não puder, embora enfrente possíveis acusações criminais depois que a polícia o acusou de obstruir a Justiça antes do julgamento.

O senador Flávio Bolsonaro - filho mais velho do ex-líder - e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também têm sido vistos como possíveis sucessores dentro da poderosa família conservadora.

-- Com a colaboração de Justin Sink e Barbara Nascimento.

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