Bloomberg Línea — No coração de uma das maiores multinacionais do agronegócio, uma equipe tenta resolver um dos gargalos mais persistentes do campo brasileiro: o acesso ao crédito para produtores rurais, sobretudo pequenos e médios.
Com mentalidade de startup, tecnologia própria e estrutura enxuta, a Syngenta montou a Syde, uma fintech dentro de casa que vem expandindo um marketplace de crédito que já movimentou R$ 80 milhões em 2024, mesmo em meio a um cenário macroeconômico mais desafiador com taxas de juros de dois dígitos.
“O que estamos tentando fazer é mudar a forma como o agro acessa crédito no Brasil”, disse Fabio Neufeld, que lidera o braço financeiro da Syde, à Bloomberg Línea durante o World Agritech Summit, evento realizado nesta semana em São Paulo.
Leia também: Agtech brasileira atrai investimento da Corteva para acelerar uso de biológicos
O executivo tem a experiência de ter trabalhado no Itaú BBA e no Rabobank, em que estruturou “a primeira solução financeira para a Syngenta que funcionou”, lembra sobre a operação realizada em 2007.
Naquele ano, a Syngenta já atuava com estruturas de financiamento como FIDCs (Fundo de Investimento em Direito Creditório) e CRAs (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) para sustentar as vendas de insumos a prazo via distribuidores. Em 2023, a empresa deu um passo além com o lançamento da Syde.
“Vim para a Syngenta a convite do CFO, para estruturar uma área de soluções financeiras separada da tesouraria. Em paralelo, fui chamado para liderar o projeto da fintech, ainda em embrião”, disse.
Mais que digitalizar o acesso ao crédito, a empresa tem como objetivo mudar a lógica do relacionamento financeiro no agro, disse o executivo.
“Você não tem hoje um Nubank do agro. Queremos encontrar esse parceiro. Ou sermos esse elo para que ele apareça.”
A lógica do negócio da fintech é simples mas poderosa, segundo o executivo. O produtor rural, muitas vezes, não consegue financiamento adequado nem junto ao governo (via Plano Safra) nem no mercado privado.
“O prazo no agro é muito mais longo, de 180, 220 dias, e a revenda acaba financiando o produtor, mesmo sem estrutura para isso.”
Sem opções no mercado, o produtor acaba comprando insumos a prazo da revenda, o que sobrecarrega o capital de giro dos distribuidores, e, em última instância, também a indústria.
Leia também: Agro brasileiro domina produção de bioinsumos. E agora quer avançar pelo exterior
“Chegamos a ter uma carteira de crédito maior do que muitos bancos. Mas esse não é o nosso core. Nosso negócio é vender defensivos, sementes, biológicos. Dou crédito porque preciso, mas não ganho dinheiro com isso”, explicou.
Apesar disso, o mecanismo tem seu apelo comercial e leva o produtor a angariar os produtos da Syngenta.
A tese da fintech é justamente tirar esse peso da indústria.
Na prática, o aplicativo da Syde permite que o produtor preencha seu pedido de crédito, com dados da lavoura, valor desejado, garantias e prazos, e o sistema encaminha a demanda para uma rede de parceiros financeiros.
BTG Pactual, Itaú, Santander, fintechs como Cultivo e AL5, além de cooperativas como a Cressol, são algumas das pontas que já ofereceram capital por meio da plataforma da fintech.
Cada parceiro analisa e devolve uma proposta. E o produtor faz a escolha final. O papel da Syngenta, contou Neufeld, é intermediar e conectar as pontas interessadas no negócio.
Apesar do momento de cautela, com juros altos há alguns anos, crédito restrito e problemas climáticos que afetam regiões produtoras no país, a Syngenta vê espaço para crescimento do negócio e do setor.
“O agro é cíclico. Viemos de quatro anos muito bons. Agora é um ano de ajuste. Mas o Brasil é altamente produtivo, eficiente e tecnologicamente avançado. Vamos passar por isso.”
Expansão pela América Latina
A fintech Syde, por ora, opera apenas no Brasil. Mas o intuito, segundo o executivo, é exportar o modelo para outros países e regiões, como a América Latina, que está no radar.
“A regulação de fintechs no Brasil é muito avançada. Temos uma estrutura que favorece a inovação. Mas a ideia é levar esse know-how para fora em um ou dois anos.”
Na operação, a empresa busca mais parceiros, financeiros e regionais, para ampliar o alcance do marketplace. E reforça a mensagem de que não entra no risco de crédito nem oferece garantias.
“Cada parceiro analisa, define e formaliza com o produtor. Nossa missão é destravar o crédito de forma mais barata e inteligente.”
“Se o agricultor tiver acesso a crédito de melhor qualidade, ele se torna mais saudável financeiramente. E, se ele estiver mais saudável, é melhor para mim também. No fim das contas, ele compra mais de nós.”
A Syngenta movimenta cerca de US$ 600 milhões a 750 milhões por ano em soluções financeiras, tendo atingido um pico de US$ 1 bilhão em 2022.
Leia também
JBS vê potencial de alta de 300% do capital com novo ciclo de expansão pós-NY
Menos cana, mais uva: vinícola em Ribeirão Preto cresce com foco em rentabilidade