Roubo de café cresce no Brasil com disparada do preço e acende alerta no setor

Criminosos miram sacas transportadas e em fazendas em regiões produtoras de São Paulo e Minas Gerais, com cargas que chegam a superar R$ 200 mil. Entidades alertam para a necessidade de medidas preventivas e seguros

No do ano, os preços do café arábica atingiram o maior patamar já registrado
Por Sam Cowie
03 de Julho, 2025 | 02:54 PM

Bloomberg — Donizete Guidini transportava 30 toneladas de café por uma estrada rural em São Paulo, em uma noite de abril, quando um carro cheio de homens armados o obrigou a parar.

Os sequestradores direcionaram o motorista para um posto de combustíveis próximo sob a mira de armas, roubaram o caminhão com a carga e abandonaram Guidini vendado em um canavial.

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O Brasil, maior produtor e exportador mundial de café, há muito tempo enfrenta roubos de grãos tanto por criminosos comuns quanto por quadrilhas organizadas.

Mas, com os preços do produto bem mais elevados do que em anos anteriores, produtores e entidades do setor alertam que a safra, que vai do final de maio até setembro, pode ser marcada como a pior da história recente em número de roubos.

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No início deste ano, os preços do café arábica — a variedade geralmente usada para bebidas de alta qualidade — atingiram o maior patamar já registrado após várias safras decepcionantes.

A pressão diminuiu um pouco desde então, mas, no acumulado do ano, os preços ainda estão quase o dobro da média de 2023.

“O crime é uma atividade econômica. A partir do momento em que se tem uma safra de café de alto valor agregado, ela se torna um atrativo para criminosos”, afirma Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo.

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Com a safra em andamento no Brasil, grupos do setor em importantes regiões produtoras de café estão implementando novas medidas de proteção e aconselhando produtores a redobrar a vigilância.

Em abril e maio, pela primeira vez, a Cocapec, uma cooperativa de cafeicultores de São Paulo, distribuiu folhetos aos cerca de 3.000 associados alertando para a adoção de medidas preventivas antes e durante a colheita, desde a instalação de câmeras e reforço de portões até o controle de acesso às áreas de plantio e armazenamento.

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“Não reaja à violência: Em caso de roubo, priorize a integridade física de todos os envolvidos”, orientava o boletim da cooperativa de café.

Em maio, a Cocapec também lançou um serviço de seguro gratuito para associados que transportam grãos de suas propriedades até os armazéns da cooperativa entre 6h e19h, como uma camada adicional de proteção.

O governo de Minas Gerais — o maior produtor de café do país — afirma ter“ implementado novas medidas para combater a criminalidade rural”, incluindo um modelo de policiamento chamado “Campo Seguro”, com o objetivo de prevenir crimes sazonais, como roubo de café, gado e mudas.

Alguns dos incidentes parecem ter saído de um filme de Hollywood: em junho, ladrões armados invadiram uma fazenda em Vermelho Novo, Minas Gerais e roubaram 95 sacas de café, avaliadas em cerca de R$ 220 mil, enquanto mantinham trabalhadores rurais reféns.

A carga foi posteriormente recuperada pela polícia e nove suspeitos foram presos. Outros casos têm passado despercebidos, incluindo relatos de cargas roubadas de armazéns durante a noite ou de ladrões oportunistas colhendo grãos diretamente dos pés.

Embora o furto de café verde direto da lavoura dificilmente afete seriamente as operações maiores, pode ter impacto significativo sobre os agricultores familiares, que constituem a maioria dos produtores.

“Com preços de café acima de R$ 2.000 ou R$ 2.500 por saca, essa atividade se torna lucrativa”, disse Ricardo Schneider, presidente do Centro do Comércio de Café de Minas Gerais, entidade do setor.

Os roubos de carga no Brasil caíram de um pico de mais de25 mil em 2017 para cerca de 10 mil no ano passado, o menor número desde o início dos registros em 2015, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Mas a mesma “queda expressiva” não ocorreu com os roubos de carga de café, que aumentaram nos últimos três anos, disse Schneider. “Atribuímos isso ao aumento do preço”.

Especialistas afirmam que o café é mais difícil de rastrear do que outros bens frequentemente alvos de ladrões no campo, como gado ou equipamentos agrícolas, o que o torna atraente para criminosos.

Quadrilhas distribuem rapidamente os grãos roubados para redes de compradores estabelecidas, limitando a capacidade da polícia de recuperá-los, dizem os especialistas, mesmo quando há rastreadores nos caminhões.

Em janeiro, criminosos roubaram o armazém de Alessandra Peloso, produtora premiada de café em Minas Gerais, e levaram 163 sacas de 60 quilos cada.

“Eles conseguem vender facilmente”, disse ela sobre esse tipo de operação criminosa. “Eles vendem para pequenas torrefações de café, tudo sem documentos, sem pagar impostos”.

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Para evitar novos roubos, ela contratou um vigia noturno e instalou alarmes, sirenes e câmeras “em tudo”.

O aumento dos roubos é apenas o problema mais recente para o setor cafeeiro brasileiro.

Apesar dos altos preços e da forte demanda global por café, os produtores têm visto suas margens de lucro encolherem nos últimos anos devido ao aumento dos custos de fertilizantes, gargalos logísticos, volatilidade de preços e desafios climáticos.

A safra do ano passado foi uma grande decepção, prejudicada pelo calor excessivo e pela seca, que resultaram em grãos menores que o normal.

A colheita de arábica deste ano não mostra sinais de melhora, com o calor e o tempo seco persistindo. A situação é mais positiva no Vietnã, segundo maior produtor mundial de café, que tende a cultivar mais da variedade robusta, usada em cafés solúveis.

Ainda assim, nem tudo são más notícias. De volta a SãoPaulo, a carga sequestrada de Guidini — avaliada em cerca de R$1,5 milhão — foi recuperada horas depois em uma propriedade rural próxima ao local do roubo, segundo relatos locais.

Um homem de 37 anos foi preso, e o caso continua sob investigação, disseram as autoridades.

“Quando se trata de roubo de carga”, disse Schneider, da entidade de Minas Gerais, “as primeiras horas são cruciais”.

-- Com a colaboração de Dayanne Sousa.

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