Bloomberg — O Banco do Brasil ameaça parar de conceder empréstimos aos agricultores que pedirem proteção contra falência, à medida que uma onda de inadimplência atinge as regiões rurais do país.
“Eles não terão crédito hoje, amanhã ou nunca mais”, disse Felipe Prince, Vice presidente de gestão de riscos do banco controlado pelo governo, em entrevista à Bloomberg News.
“Os pedidos de falência são uma armadilha para os agricultores - eles perdem o acesso ao crédito e não conseguirão fazer a próxima safra.”
O Banco do Brasil também tem se tornado mais duro nas negociações de dívidas e mais cauteloso na concessão de crédito, e passado a exigir pagamentos mais rápidos e garantias mais sólidas.
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A nova postura segue uma decisão judicial que permite que agricultores individuais peçam proteção contra seus credores e uma mudança contábil que contribuiu para o menor lucro em quase cinco anos durante o segundo trimestre.
Cerca de R$ 5,4 bilhões (US$ 1 bilhão) dos empréstimos do banco não estão sendo pagos devido a pedidos de falência de 808 agricultores, de um total de 1 milhão de clientes de áreas rurais e uma carteira de agronegócios que totalizava R$ 404,9 bilhões em junho, segundo a empresa.
Prince, que está no Banco do Brasil há mais de 25 anos, disse que o setor de agronegócios passa por mudanças profundas.
“Para que vocês tenham uma ideia do tamanho da mudança de comportamento, 75% dos agricultores inadimplentes com nossos empréstimos estão fazendo isso pela primeira vez”, disse ele.
Mesmo entre aqueles que não buscam proteção legal, mais agricultores estão atrasados em seus pagamentos. A taxa de inadimplência da empresa para essa carteira aumentou 2,2 pontos percentuais em um ano, chegando a 3,5% até junho.
Isso significou encargos mais altos para as provisões de crédito, empurrando o retorno sobre o patrimônio líquido do credor para 8,4% no trimestre até junho, de 21,6% um ano antes.
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A queda nos lucros do Banco do Brasil é um dos sinais mais claros dos problemas enfrentados tanto pelos agricultores quanto pelos bancos em um dos principais países produtores de alimentos do mundo.

Os custos mais altos do crédito para o agronegócio deixaram o Banco do Brasil com os piores resultados entre os maiores bancos brasileiros no primeiro semestre deste ano, e essa diferença de desempenho provavelmente persistirá, de acordo com analistas do setor.
“O Banco do Brasil vai apresentar o último relatório e é provável que seja o mais fraco do grupo”, disse Pedro Leduc, analista do Itaú BBA, em uma nota sobre os resultados do terceiro trimestre. O Banco do Brasil deve divulgar seus resultados em 12 de novembro.
Gustavo Schroden, analista do Citigroup, disse em uma nota que os resultados do terceiro trimestre do Banco do Brasil provavelmente serão os piores do ano, já que os obstáculos do agronegócio persistem.
Um programa de renegociação de empréstimos lançado pelo governo ainda não terá impacto porque o banco começou a oferecê-lo apenas no final de outubro, mas qualquer sinal inicial de que os clientes estão aproveitando o alívio será um indicador importante, disse Schroden.
Parceiro de longa data
Os produtores costumavam priorizar os pagamentos ao Banco do Brasil porque o credor, que fornece 60% do crédito total para o Brasil rural - incluindo alguns com taxas de juros subsidiadas pelo governo - era considerado seu parceiro de longa data.
“Éramos o banco que sempre voltava, negociava, estendia os vencimentos, não cortava as linhas de crédito”, disse Prince.
E nas raras ocasiões em que os dois lados não conseguiam chegar a um acordo, os agricultores corriam o risco de perder suas terras, já que muitos dos empréstimos eram contratos de hipoteca tradicionais.
Mas a força do setor de agronegócios do Brasil, especialmente durante e após a pandemia, atraiu novos credores que tradicionalmente não tinham apetite para financiar o setor. Entre eles estão os Fiagros, fundos que investem em títulos lastreados em recebíveis agrícolas.
“Mais crédito chegou, mas foi esse mesmo crédito que foi responsável pela superalavancagem do segmento”, disse Prince.
Em seguida, os preços das commodities caíram, as taxas de juros subiram e os desastres climáticos se intensificaram. Como resultado, a inadimplência aumentou e a Fiagros começou a solicitar vencimentos antecipados da dívida, de acordo com Prince.
Os produtores agrícolas às vezes priorizavam o pagamento dos títulos de propriedade da Fiagros ou acabavam entrando com pedido de proteção contra falência, uma medida que impedia que suas terras fossem confiscadas pelo Banco do Brasil.
“Há uma mudança de comportamento”, disse Prince. “Obviamente, essa mudança de comportamento nos obriga a nos adaptarmos também à nova realidade.”
O Banco do Brasil agora está exigindo outra camada de segurança para garantir que a terra usada como garantia não seja incluída entre os ativos protegidos pelo tribunal em um processo de falência: O credor deixou de usar contratos de hipoteca em favor de uma estrutura chamada de penhor fiduciário, que permite aos credores manter a propriedade da terra até que a dívida seja totalmente paga.
Esse tipo de garantia é mais caro, portanto, os custos de crédito para os agricultores também estão aumentando.
As mudanças também estão afetando a rapidez com que o Banco do Brasil pode originar um empréstimo, disse uma equipe de analistas do JPMorgan Chase & Co. liderada por Yuri Fernandes em uma nota no mês passado.
“Os novos desembolsos do agronegócio estão ocorrendo, mas em um ritmo mais lento porque estão pedindo mais garantias, o que demanda mais tempo”, disseram os analistas.
O Banco do Brasil também encurtou o tempo para voltar a conversar com um agricultor após um atraso de pagamento, de 30 para 5 dias.
E reduziu o período antes de entrar na justiça exigindo o pagamento para 30 dias, de 90 a 180 dias.
O credor também tem utilizado inteligência artificial para agrupar os clientes de acordo com sua capacidade de pagamento, como uma forma de mapear onde conceder mais crédito, onde renegociar e onde parar de conceder crédito.
Os esforços de renegociação para evitar a inadimplência também estão aumentando.
“Não há dívida que não possa ser negociada conosco”, disse Prince.
“O agricultor tem nossa total receptividade e disposição para conversar. Não importa quão complexa e difícil seja a situação, estamos preparados, exceto se ele pedir proteção contra falência.”
-- Com a ajuda de Leda Alvim.
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