Bloomberg — O tão aguardado aumento da mistura de etanol na gasolina será insuficiente para impulsionar a indústria de cana-de-açúcar. Na verdade, serão as usinas de milho que poderão ganhar mais com a medida aprovada pelo governo na quarta-feira (25).
As usinas de cana-de-açúcar do Brasil enfrentam a concorrência do etanol de milho e um excesso de oferta que prejudica as perspectivas de um dos setores mais tradicionais do país. As usinas de cana reagiram, concentrando-se menos nos biocombustíveis e voltando-se para a produção de mais açúcar.
“Vimos o setor de etanol de milho crescer fortemente, e o setor de cana-de-açúcar se estabilizar”, diz Martinho Ono, presidente da trader de etanol SCA Trading, em São Paulo. Espera-se que isso continue nos próximos anos, disse ele, com a alta produtividade agrícola do milho mantendo os custos de produção mais baixos em comparação com a cana.
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O Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo. É também um grande consumidor de biocombustíveis, produzindo carros flex que podem funcionar apenas com etanol.
O governo aprovou na quarta-feira o aumento da mistura permitida de etanol na gasolina comum de 27,5% para 30%. Isso criará uma demanda extra de 776 milhões de litros de etanol nesta temporada, segundo estimativas da consultoria FGA.
Embora as empresas de cana-de-açúcar, como a Raízen, a São Martinho e a Jalles Machado, sejam beneficiadas, a oferta das usinas de etanol de milho está crescendo muito mais rapidamente. A produção de etanol de milho aumentou em cerca de 2 bilhões de litros nesta temporada, enquanto o etanol de cana está diminuindo, de acordo com a consultoria Datagro. O chamado mix de açúcar, que é a porcentagem do caldo da cana usada para fabricar adoçante, deve atingir um recorde este ano.
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“Há poucas razões para acreditar que as usinas de cana mudarão de ideia” sobre o mix de açúcar, disse o economista da Datagro, Bruno Wanderley de Freitas. A maioria das empresas já fez o hedge do açúcar a preços mais altos, deixando a possibilidade de mudanças para o etanol para as poucas usinas que ainda não fixaram o preço do açúcar e para aquelas localizadas em regiões mais distantes dos portos.
As empresas de etanol de milho têm a seu favor o aumento da oferta do grão, o que fez com que os preços no Brasil caíssem 24% em relação ao pico de março. O processamento do milho também gera receita com os subprodutos usados na alimentação animal, o que incentiva ainda mais a expansão das usinas.
O setor de cana, por outro lado, tem visto poucos investimentos em capacidade adicional. A produtividade agrícola da cana também ficou estagnada nos últimos 20 anos.
“O que aconteceu com a cana-de-açúcar foi que ela não passou pelo desenvolvimento tecnológico que o milho passou”, disse o CEO da São Martinho, Fabio Venturelli, em teleconferência de resultados na terça-feira. A empresa de cana-de-açúcar adicionou recentemente uma usina de milho ao seu portfólio e espera que o número de usinas que processam etanol de cana no Brasil acabe diminuindo, pois os produtores menos eficientes serão forçados a fechar as portas.
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O custo da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar é atualmente quase 25% mais alto do que a produção a partir do milho, segundo estimativas da SCA. Isso está criando um ambiente difícil para as margens dos produtores de cana-de-açúcar. Os analistas do banco Bradesco BBI, liderados por Henrique Brustolin, disseram em uma nota após os resultados da São Martinho que os preços do etanol estão “praticamente em linha” com os custos de produção da empresa no ano passado.
É verdade que a mudança para mais açúcar tem algumas vantagens, especialmente porque o Brasil é o maior exportador mundial do adoçante.
O etanol de milho “liberou mais cana para a produção de açúcar”, disse Arnaldo Correa, sócio da Archer Consulting. “O Brasil mantém sua posição como o principal fornecedor de açúcar para o mercado global.”
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No entanto, a São Martinho e as rivais de capital aberto Raízen e Jalles Machado viram o valor de suas ações cair cerca de 40% no último ano. Embora o declínio da Raízen reflita, em parte, as preocupações com os níveis de endividamento da empresa, as ações do setor de açúcar e etanol como um todo tiveram um desempenho inferior ao do índice Ibovespa.
--Com a ajuda de Beatriz Reis.
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