Gripe aviária: FAO teme aumento dos preços do frango e de ovos na América Latina

As preocupações com o surto de gripe aviária também afetam a disponibilidade de ovos em um momento em que mercados como o dos Estados Unidos continuam a sofrer com a alta dos preços

Um surto de gripe aviária no sul do Brasil gerou bloqueios comerciais com a União Europeia, China e outros países, afetando a disponibilidade de ovos e frangos. (Foto: Nathalia Angarita/Bloomberg)
23 de Maio, 2025 | 06:57 PM

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Bloomberg — O foco de gripe aviária identificado no sul do Brasil colocou o maior produtor e exportador de frangos do mundo sob pressão, provocando bloqueios comerciais de seus principais clientes: a União Europeia, a China e vários países da região, enquanto nos Estados Unidos as preocupações com o suprimento de ovos e a influência que isso pode ter sobre a inflação dos alimentos estão sendo reavivadas.

Apesar das medidas implementadas pelas autoridades para conter o surto de gripe aviária, prevê-se um impacto sobre os produtores brasileiros, com restrições ao comércio exterior de carne de frango e ovos.

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Na América Latina, “é possível que os países enfrentem situações de redução na disponibilidade de ovos e carne de aves”, disse Andrés González, responsável pela pecuária sustentável, saúde animal e biodiversidade da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para a América Latina e o Caribe.

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De acordo com o especialista da FAO, as evidências mostraram “um aumento transitório” nos preços dos ovos e dos produtos avícolas. No entanto, isso é circunstancial até que o país consiga controlar os surtos que possa enfrentar.

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Para evitar o agravamento da situação, a FAO disse que colabora com os países da região para prevenir e minimizar o impacto que o vírus da gripe aviária altamente patogênica pode ter sobre os sistemas de produção de cada país.

A FAO alertou sobre o risco de disseminação da gripe aviária H5N1 na América Latina e no Caribe, enfatizando a necessidade de fortalecer os sistemas de saúde e produção para conter ou mitigar futuros surtos. Enfatizamos o treinamento de profissionais e a melhoria da vigilância, com foco especial em aves selvagens e domésticas, para facilitar a detecção precoce de surtos e permitir respostas rápidas e coordenadas entre os países.

Andrés González, especialista da FAO

Caso as medidas preventivas necessárias sejam tomadas, o impacto sobre a produção e a disponibilidade será mais limitado.

De acordo com a definição da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a gripe aviária é uma doença infecciosa cuja principal via de transmissão é o contato direto ou indireto com animais infectados ou com ambientes e superfícies contaminados por fezes.

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O consumo de alimentos de origem avícola, como ovos, não representa nenhum perigo para a saúde humana, desde que sejam adequadamente cozidos.

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Impactos esperados no Brasil

Pollos en una granja avícola

O resultado das negociações do Brasil com os países importadores mostrará se haverá efeitos mais amplos sobre os preços domésticos dos produtos.

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O Brasil tenta “regionalizar” o surto e se basear nesse princípio para que os principais mercados, como a China, não punam as exportações de todo o país.

“Isso pode afetar as exportações de um setor fundamental para a economia do país, que em 2024 representou aproximadamente US$ 10 bilhões ou cerca de 3% do total de exportações do Brasil”, disse Francisco Americo Cassano, professor e consultor em relações econômicas internacionais e comércio exterior no Brasil, à Bloomberg Línea.

A China e a União Europeia suspenderam provisoriamente as importações de carne de frango de qualquer parte do Brasil, de acordo com os acordos bilaterais que têm com o Brasil. Na região, outros mercados, como México, Chile e Peru, aderiram aos bloqueios temporários.

Outros mercados optaram apenas por vetar produtos avícolas provenientes do Rio Grande do Sul, o epicentro do surto e responsável por 15% da produção nacional.

O primeiro surto detectado no Brasil foi em uma fazenda em Montenegro, um município do Rio Grande do Sul, “em uma área não exportadora, voltada para o mercado interno”, disse Cristina Helena Pinto de Mello, professora de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC).

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Isso limitou o impacto imediato sobre as exportações, mas vários países, temendo a transmissão, a contaminação da água e até mesmo a falta de informações precisas, impuseram bloqueios preventivos aos produtos avícolas brasileiros.

Com a interrupção das exportações para mercados estratégicos, prevê-se um aumento na oferta interna, o que poderia aliviar parcialmente a pressão inflacionária no setor de alimentos no Brasil.

Em abril, o preço dos ovos no país caiu sob a influência da menor demanda, de acordo com pesquisa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).

Como referência, em Bastos (SP), um dos principais centros de produção de aves, os preços caíram de R$ 220 para R$ 200 por caixa de 30 dúzias.

Embora a proteína não seja o único componente, “isso ajuda na queda de preço de um dos fatores que mais tem pressionado o índice de inflação”, de acordo com Pinto de Mello.

O Citi disse em um relatório recente que, se nenhum outro surto for registrado, “a resolução poderá ocorrer em menos de um mês. O precedente histórico apoia essa visão: durante o episódio da doença de Newcastle em 2024, a China retomou as importações brasileiras em 27 dias, mantendo apenas o estado do Rio Grande do Sul restrito”.

Ele explicou que o impacto final dependerá em grande parte da extensão da contenção: se limitado a uma microrregião, o efeito deve ser mínimo, mas se estendido a todo o Rio Grande do Sul, ele adverte que o cenário se torna mais complexo.

Uma restrição em nível nacional, embora improvável, “teria um impacto severo”, segundo o Citi.

Na região, em termos gerais, os países responderam bem à ameaça da gripe aviária H5N1, implementando medidas preventivas e mitigadoras para evitar sua disseminação. Essa reação é parcialmente explicada pela alta relevância econômica do setor de produção animal na região, o que levou ao fortalecimento dos sistemas nacionais de vigilância, diagnóstico e controle de doenças transfronteiriças.

Andrés González, especialista da FAO.

Embora os analistas reconheçam a gravidade da situação, eles ressaltam que, por enquanto, o surto não pode ser considerado crítico, pois está limitado a pequenas propriedades na região sul do Brasil.

As medidas aplicadas pelas autoridades brasileiras incluem a proteção e a erradicação dos focos.

Além disso, há um painel de controle com atualizações em tempo real sobre a evolução do surto e a detecção ou eliminação de novos casos.

Para Cristina Helena Pinto de Mello, da PUC, o Brasil está dando um exemplo em termos de preparação para lidar com esse surto de gripe aviária, gerenciando rapidamente o isolamento sanitário.

“Além disso, ao fazer os testes, o rastreamento para tentar entender qual foi o caminho dessa gripe aviária e poder contê-la. Ela é bastante limitada geograficamente”, disse ela.

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O mercado de frangos e ovos do Brasil

Ave de corral

De acordo com dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), as exportações brasileiras de carne de frango totalizaram US$ 3,49 bilhões no ano até abril, um aumento de 15,5% em relação ao mesmo período do ano passado.

Em abril, os principais destinos das exportações brasileiras de carne de frango foram a China, a União Europeia, a África do Sul, o México e as Filipinas.

As preocupações com o surto de gripe aviária também estão afetando a disponibilidade de ovos em um momento em que mercados como o dos Estados Unidos continuam a sofrer com a alta dos preços

Em meio à crise, os Estados Unidos autorizaram, em janeiro, a importação de ovos do Brasil, e o país sul-americano tornou-se sua principal fonte pela primeira vez.

Somente em março, as exportações de ovos do Brasil para os EUA triplicaram para 2.705 toneladas, de acordo com a ABPA.

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EUA sob pressão por preços dos ovos

(Foto: FreePik)

As discussões sobre o aumento das importações de ovos para os EUA também tiveram conotações políticas, segundo o analista Pinto de Mello.

Em janeiro, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, culpou a administração de Joe Biden e o Departamento de Agricultura pela escassez de ovos, que, segundo ela, “ordenou o abate em massa de mais de 100 milhões de galinhas”.

Após o abate de aves nos EUA devido à gripe aviária, o governo americano buscou parceiros que pudessem garantir o fornecimento para manter os preços sob controle.

“Essa foi uma questão muito usada pelo governo Trump para dizer que foi uma medida que não deveria ter sido tomada por Biden”, disse o analista.

Em meio à crise da gripe aviária, Pinto de Mello diz que vários países das Américas Central e do Sul viram uma oportunidade de aumentar suas exportações de aves e ovos para os Estados Unidos. No entanto, “em alguns casos, sem muito controle fitossanitário”, levantando preocupações sobre os riscos dessa reconfiguração comercial.

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Daniel Salazar

Profissional de comunicação e jornalista com ênfase em economia e finanças. Participou do programa de jornalismo econômico da agência Efe, da Universidad Externado, do Banco Santander e da Universia. Ex-editor de negócios da Revista Dinero e da Mesa América da Efe.