Bloomberg Línea — No agronegócio, há uma máxima repetida entre especialistas e empresários: a atividade agrícola é cíclica e, por isso, leva os integrantes da cadeia a conviver com a volatilidade inerente a safras, preços e climas.
Não à toa, companhias do setor têm ancorado suas estratégias em pilares de perenidade como a biosseguridade, que busca prevenir e controlar a disseminação de doenças em sistemas produtivos animais.
No caso da americana MSD Saúde Animal, controlada pela americana MSD, esse pilar se soma à tecnologia.
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A farmacêutica investe cerca de 20% do faturamento global em inovação e no desenvolvimento de novos produtos e vê no Brasil sua segunda maior operação no mundo, atrás apenas dos EUA.
No país, a divisão de saúde animal da farmacêutica projeta ultrapassar R$ 2 bilhões em receita ainda neste ano.
A aposta em P&D tem gerado, inclusive, frutos e boas oportunidades na América Latina, com foco no Brasil, segundo contou Delair Bolis, presidente da MSD Saúde Animal para Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia.
O executivo, que é veterinário de formação, assumiu há seis anos a frente dos negócios da MSD Saúde Animal na região. Antes disso, havia sido presidente da empresa de vacinas Vallée e já tinha atuado como diretor de negócios de aves da MSD entre 2012 e 2017.
O executivo contou que há uma área dentro da organização chamada de Estratégia e Inovação, que foi criada em 2019 antes de uma série de aquisições justamente para reforçar essa área.
“Quando falamos de tecnologia, estamos falando de inovação, está no nosso core”, disse o executivo em entrevista à Bloomberg Línea.
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Além de atuar fortemente em bovinos, suínos, aves e pets, a MSD Saúde Animal também investe na aquacultura.
Segundo Bolis, nove em cada dez tilápias vacinadas no Brasil hoje recebem vacinas da empresa, o que faz desse segmento uma frente promissora, ainda que represente menos de 1% da receita atual.
Essa atuação e o crescimento da empresa, explicou, também foram impulsionados pela expansão do próprio mercado, especialmente o pet, que triplicou de tamanho no Brasil entre 2019 e 2024.
As cadeias de avicultura e suinocultura representam cerca de 30% da receita da empresa no país e são vistas como plataformas estratégicas para adoção de novas tecnologias.
‘Ambidestria’
Bolis contou que a empresa adotou o modelo de ambidestria, no qual divide o foco entre dois motores: o primeiro está concentrado em produtos consolidados, como vacinas, medicamentos e tecnologias já validadas.
O segundo está em soluções ainda em fase experimental. “O motor 2 sempre vai estar dentro da empresa”, afirmou, ao destacar que esse movimento sustenta e garante o futuro da companhia.
Entre as soluções que já migraram do motor 2 para o motor 1 estão as plataformas Alflex e SenseHub, voltadas para monitoramento e manejo inteligente dos rebanhos. Juntas, essas tecnologias devem ultrapassar R$ 120 milhões em faturamento já em 2025.
A empresa foi fundada em 1891 por George Merck, que a criou nos EUA para distribuir produtos químicos finos em Nova York e em cidades vizinhas.
O primeiro laboratório de pesquisas surgiu em 1933. Mais tarde, em 1948, veio a incursão no mercado animal, com a sulfaquinoxalina, produto utilizado para prevenir a coccidiose, uma doença parasitária em aves.
Segundo Bolis, a MSD conta com 26 centros de pesquisa e desenvolvimento em saúde animal no mundo, sendo que um deles está localizado em São José dos Campos, no interior de São Paulo.

“Acreditamos que a saúde é o ponto de partida para o bem-estar animal. E é por isso que investimos tanto em vacinas: elas são nossa licença para competir. Nossa atuação vai muito além de tratar animais doentes. Nós queremos prevenir as doenças antes mesmo que apareçam”, disse o executivo.
Após a aquisição da holandesa Intervet, em 2009, a empresa consolidou um portfólio praticamente 100% biológico nas cadeias de suínos e aves.
Na época da aquisição pela MSD Saúde Animal, Bolis atuava como diretor de Marketing de Suínos e Aves da Intervet para a América Latina.
Core business
Em suínos, 98% das vendas da empresa no Brasil são de vacinas. Na avicultura, esse índice chega a 100%, com destaque para imunizantes combinados contra diversas doenças, como Marek, Gumboro, Newcastle e bronquite infecciosa.
“A avicultura e a suinocultura brasileiras são as cadeias mais abertas à adoção de tecnologia no agro atualmente. O uso de plataformas avançadas, como vacinas recombinantes, aplicações sem agulha e até RNA mensageiro, já é uma realidade”, disse Bolis.
Desde 2016, a empresa oferece a modalidade de vacinas sem agulha para porcos com o intuito de reduzir o estresse dos animais a partir da tecnologia IDAL (Intradermal Application).
O Brasil representa hoje 53% das vendas da MSD Saúde Animal na América Latina. A companhia está presente em mais de 50 países no mundo e faz negócios com 150, conta Bolis.

Com uma perspectiva otimista para o médio prazo, Bolis afirmou que a empresa deve continuar a crescer a dois dígitos nos próximos cinco anos.
Futuro: ‘conversar com os animais’
“Se você me perguntar sobre o futuro, eu diria que ele está cada vez mais ligado à convergência entre tecnologia, dados, saúde e produtividade animal”, disse.
A empresa também aposta em plataformas de rastreamento comportamental baseadas em inteligência artificial, como coleiras e sensores que monitoram parâmetros fisiológicos dos animais, desde a frequência respiratória até a movimentação digestiva.
“A ideia é fazer com que o animal, por meio de dados, converse conosco”, disse Bolis.
Para ele, melhorar a produtividade animal é o caminho mais sustentável para a produção de proteína.
“O Brasil tem um dos maiores rebanhos de leite e carne bovina do mundo, mas ainda não é o maior produtor. Isso só vai mudar com ganhos de eficiência.”
Dentro desse horizonte, a MSD planeja lançar 57 novos produtos até 2029.
No primeiro trimestre de 2025, 20% do faturamento da empresa no Brasil já veio da venda de produtos recém-lançados.
A farmacêutica MSD somou US$ 64,2 bilhões em receita em 2024. No Brasil, o faturamento da empresa dobrou entre 2019 e 2024, para R$ 1,7 bilhão.
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