Irmãs sauditas que comandam ‘império’ de US$ 50 bi são elo entre Wall St e Riad

Lubna e Hutham Olayan lideram o Grupo Olayan, um dos mais ricos e discretos do mundo, com um portfólio de ações nos EUA próximo de US$ 13 bilhões, que inclui de BlackRock e Amazon ao JPMorgan; no Brasil, é sócio da Scala Data Centers

Lubna Olayan
Por Devon Pendleton - Dinesh Nair - Abeer Abu Omar - Todd Gillespie
20 de Dezembro, 2025 | 06:00 AM

Bloomberg — Quando o presidente Donald Trump homenageou o príncipe herdeiro da Arábia Saudita em um jantar de Estado no mês passado, a lista de convidados incluiu pesos-pesados como Tim Cook, da Apple, e Jane Fraser, do Citigroup.

Sentada ao lado de Elon Musk estava Lubna Olayan, cujas conexões profundas tanto com Wall Street quanto com o reino saudita a destacaram como uma das pessoas mais influentes em um salão repleto de figuras ilustres.

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Aquele banquete na Casa Branca, em Washington DC, evidenciou a influência crescente do Grupo Olayan, um império saudita vasto e discreto que Lubna e sua irmã Hutham comandam há décadas.

As duas irmãs atingiram a maioridade em uma época em que mulheres não tinham permissão para dirigir e precisavam da autorização de um tutor masculino até para obter um passaporte no reino. Ainda assim, conseguiram conduzir o conglomerado familiar a um patamar de gigante, operando em escala comparável à de um fundo soberano.

O grupo controla um portfólio de ações nos Estados Unidos próximo de US$ 13 bilhões, com participações avaliadas em quase US$ 1 bilhão na BlackRock e US$ 1,5 bilhão no JPMorgan Chase, segundo registros regulatórios. No Brasil, o grupo é um dos sócios da Scala Data Centers.

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Grande investidor do Credit Suisse antes de seu colapso, o conglomerado possui um portfólio imobiliário de primeira linha que vai da Madison Avenue ao centro de Londres. Firmou um grande negócio imobiliário em Dubai com a Brookfield e realiza investimentos expressivos em private equity e renda fixa.

No mercado doméstico, o grupo tem uma engarrafadora da Coca-Cola, opera franquias do Burger King e presta serviços para campos de petróleo.

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Essas apostas transformaram o clã Olayan em uma das famílias mais ricas do mundo. A fortuna é avaliada em mais de US$ 50 bilhões, de acordo com o Bloomberg Billionaires Index, que os inclui em sua lista anual pela primeira vez.

Esse número, porém, não reflete plenamente a dimensão da riqueza, segundo pessoas familiarizadas com o assunto que falaram com a Bloomberg News, já que o grupo divulga informações financeiras limitadas.

Muitos estimam o patrimônio líquido dos Olayan bem acima de US$ 100 bilhões, o que os colocaria no mesmo patamar de Bill Gates, Carlos Slim e Mukesh Ambani.

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Isso torna os Olayan mais ricos do que o príncipe Alwaleed bin Talal, o membro da realeza conhecido como o Warren Buffett da Arábia Saudita.

Riad, Arábia Saudita

A influência da família vai muito além desse poder financeiro, ajudada em parte pela lealdade demonstrada ao país em períodos difíceis — fator que tornou o grupo um elemento indispensável no cenário nacional, segundo pessoas a par do tema.

A extensão do alcance dos Olayan frequentemente leva executivos de Wall Street a buscar aconselhamento, à medida que aceleram planos de expansão na economia de quase US$ 1,3 trilhão do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, também conhecido pelas iniciais MBS.

“MBS continua a ver os EUA como parceiro preferencial em segurança e desenvolvimento econômico”, disse Steffen Hertog, professor da London School of Economics and Political Science. “Ter interlocutores privados com vínculos estreitos com as finanças americanas é útil.”

Um representante do Grupo Olayan baseado nos Estados Unidos não quis fazer comentários para a reportagem e direcionou todos os pedidos a um porta-voz na Arábia Saudita, que não respondeu a uma lista detalhada de perguntas.

A maioria dos executivos globais evita falar sobre a família por receio de desagradar as irmãs, conhecidas por protegerem com rigor sua privacidade.

Esta reportagem se baseia em uma análise dos investimentos da família, de suas empresas operacionais e de registros de entidades controladas pelos Olayan, além de entrevistas da Bloomberg News com mais de meia dúzia de pessoas familiarizadas com o grupo, que pediram anonimato ao tratar de informações não públicas.

Chefes de Wall Street

Hutham e Lubna nasceram na Arábia Saudita, ambas no início dos anos de 1970, filhas de Suliman Olayan. O patriarca ficou órfão ainda jovem e começou a carreira como despachante de uma empresa predecessora da Saudi Aramco, aproveitando sua fluência em inglês.

Ele hipotecou a própria casa por US$ 8.000 para conquistar um contrato de dutos, segundo um perfil publicado pela revista Time, e acabou fundando o Grupo Olayan em 1947.

A partir daí, Suliman diversificou agressivamente, e o grupo firmou parcerias para vender pasta de dente Colgate, biscoitos Oreo e Coca-Cola no reino. Comprou ações americanas para usá-las como garantia junto a bancos dos EUA e, em 1980, seu conglomerado registrava mais de US$ 300 milhões em receita anual, de acordo com o perfil da Time.

Essa visão global criou um império singularmente binacional, no qual as filhas foram imersas desde cedo. Ambas estudaram nos Estados Unidos e, ao retornar, assumiram funções relevantes no negócio da família.

Após a morte de Suliman, em 2002, o filho Khaled foi nomeado presidente do Grupo Olayan, mas Lubna e Hutham ajudaram a administrar grande parte das operações.

Lubna liderou a divisão focada no Oriente Médio, enquanto Hutham assumiu o comando da Olayan America.

As irmãs se casaram com estrangeiros e passaram a ocupar posições de destaque — Lubna tornou-se, em 2004, a primeira mulher eleita para o conselho de uma empresa de capital aberto na Arábia Saudita. Mesmo então, os direitos das mulheres no reino eram severamente limitados. Apenas em 2018 elas conquistaram o “direito” de dirigir.

Perfil discreto

Em entrevista à National Public Radio (NPR) em 2018, Lubna relembrou a dificuldade de encontrar banheiros femininos em fábricas e escritórios, já que geralmente não havia mulheres nesses ambientes.

Ela começou a procurar autoridades e executivos em busca de apoio para ampliar a participação feminina na força de trabalho — sempre lembrada de agir com cautela e evitar confrontos.

“Então você negocia, administra, cede aqui, recebe ali”, disse ela na entrevista, ao falar sobre esses esforços iniciais.

Ao longo do caminho, as irmãs construíram reputações de negociadoras firmes. Sua ascensão foi facilitada pela capacidade de manter um perfil discreto e de assegurar que os negócios fossem vistos como alinhados aos objetivos do governo.

Hoje, o grupo tem sede oficial em Liechtenstein, com escritórios ao redor do mundo, inclusive em Atenas, onde o marido advogado de Lubna possui vínculos profundos.

Ao longo dos anos, a família ganhou fama por administrar uma organização altamente profissional, com sofisticação em negociações em um nível pouco comum entre family offices.

“A família foi muito consciente ao incorporar estruturas de governança corporativa aos seus negócios, e fez isso com alto grau de profissionalismo”, afirmou Josiane Fahed-Sreih, diretora do Institute of Family and Entrepreneurial Business da Lebanese American University.

Um sinal de sua influência apareceu em 2017, quando a família Olayan não foi afetada pelas detenções no Ritz-Carlton, em Riad, que atingiram dezenas de membros da realeza saudita, ex-autoridades e empresários — incluindo Alwaleed — durante a consolidação de poder do príncipe herdeiro e uma reviravolta nacional sem precedentes.

‘Somos bastante frugais’

O príncipe Alwaleed bin Talal, atualmente com patrimônio em torno de US$ 17 bilhões, viveu uma espécie de retorno nos últimos anos, e seu grupo de investimentos se beneficiou do frenesi de construção no reino.

Nos anos 1990, o empresário era conhecido por um estilo de vida extravagante, frequentemente fotografado em um iate privado comprado de Donald Trump.

Os Olayan atuam de forma diferente.

“Normalmente não buscamos os holofotes… especialmente nada chamativo”, disse Hutham sobre a família Olayan em um discurso à Arab Bankers Association of North America em 2013. “Evitamos excessos e somos bastante frugais.”

Ainda assim, houve tropeços.

Investidores de longa data do Credit Suisse, os Olayan mantiveram apoio ao banco mesmo durante o declínio, acabando entre os grandes perdedores da turbulência que culminou na compra do banco pelo UBS com desconto.

As perdas ocorreram em escala capaz de abalar grandes instituições financeiras, mas um executivo internacional lembra que o colapso foi tratado como um evento relativamente menor dentro do Grupo Olayan.

O conglomerado continuou a executar transações e pagamentos normalmente durante o período, segundo essa pessoa.

O Saudi National Bank, principal acionista do banco suíço, esteve entre as empresas que perderam dinheiro no investimento, e seu presidente renunciou após os acontecimentos. Enquanto isso, o perfil dos Olayan só cresceu nos anos seguintes.

Fundamentais para isso são os relacionamentos em Wall Street e dentro do reino, especialmente à medida que Riad intensificou a pressão para que empresas estrangeiras invistam mais localmente e ajudem a diversificar a economia.

Apesar das recentes pressões fiscais, a Arábia Saudita segue sendo um mercado atraente para os titãs das finanças globais: Riad figura entre os maiores emissores de dívida dos últimos anos, enquanto o fundo soberano do reino demonstrou apetite por negócios de grande porte, como a recente transação de US$ 55 bilhões para fechar o capital da Electronic Arts.

Lubna mantém laços estreitos com Larry Fink, cofundador da BlackRock, entre outros, e foi recentemente nomeada copresidente do Conselho Empresarial EUA–Arábia Saudita ao lado de Jane Fraser, do Citi. Hutham integra o conselho da Brookfield, uma das maiores investidoras de private equity no Oriente Médio.

Neste ano, durante a conferência Future Investment Initiative (FII) da Arábia Saudita — frequentemente chamada de Davos no Deserto —, Lubna promoveu uma recepção em Riad que reuniu os principais executivos financeiros globais e autoridades, em meio a canapés e pratos de arroz com cordeiro, segundo um participante.

As conexões vão além das finanças.

Os investimentos em ações nos Estados Unidos que o pai começou a acumular nos anos 1960 cresceram para US$ 12,7 bilhões.

Atualmente, o portfólio inclui participações na Microsoft, na Alphabet e na Amazon. Para efeito de comparação, o fundo soberano de US$ 1 trilhão da Arábia Saudita possui pouco mais de US$ 19 bilhões em ações americanas.

O portfólio de private equity do grupo forma outra parcela relevante e é estimado em dezenas de bilhões de dólares, segundo pessoas familiarizadas com o tema.

A taxa de crescimento anual composta dos investimentos diretos superou 30% em um período de 10 anos, de acordo com o site da empresa. Os ativos imobiliários abrangem mais de 3,7 milhões de metros quadrados e 40 mil apartamentos sob gestão.

No mercado doméstico, os Olayan apoiaram as maiores iniciativas do reino.

Quando a oferta pública inicial de US$ 25 bilhões da Saudi Aramco enfrentou dificuldades para atrair investidores internacionais em 2019, a família Olayan esteve entre os grupos acionados localmente pelo governo de Mohammed bin Salman para sustentar a demanda.

Ao mesmo tempo, as irmãs mantiveram um cuidadoso equilíbrio em suas declarações públicas.

Em 2018, quando grande parte de Wall Street evitou a conferência FII após agentes sauditas assassinarem o colunista Jamal Khashoggi, do Washington Post, Lubna abriu um painel lamentando a morte, afirmando que o ato contrariava os valores sauditas.

“Somos muito gratos por os terríveis atos relatados nas últimas semanas serem estranhos à nossa cultura e ao nosso DNA”, disse Lubna em sua fala.

Atualmente, Lubna é presidente do conselho corporativo do Grupo Olayan, segundo comunicado recente do Conselho Empresarial EUA–Arábia Saudita. Hutham preside o conselho de acionistas, de acordo com o site do grupo.

As operações do dia a dia são conduzidas principalmente por executivos como o CEO Hani Lazkani e o COO Samer Yaghnam, disseram pessoas familiarizadas com o assunto à Bloomberg News, embora as irmãs continuem sendo a face pública do grupo e liderem a estratégia geral ao lado de outros membros da família.

Várias pessoas descrevem Lubna como direta e expansiva, com reputação de envolvimento profundo em seus investimentos. Assim como o pai, ela é cosmopolita e acolhedora, mas também incisiva, disse James Zogby, presidente do Arab American Institute e amigo do falecido Suliman.

“Quando você conversa com ela sobre acontecimentos atuais, não é apenas ‘isso aconteceu’. Ela entende por que as coisas estão se movendo da forma como estão”, disse.

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Hutham, por sua vez, parece falar de maneira suave e ter um ar de avó nas conversas, mas sua linha de questionamentos gentis consegue extrair pequenos detalhes que depois servem de munição na mesa de negociações, segundo um executivo internacional.

As irmãs estão entre as poucas pessoas que compreendem a verdadeira dimensão de todo o negócio em sua totalidade e controlam rigidamente os detalhes financeiros. Em anos anteriores, houve momentos em que a abertura de capital de alguma operação parecia iminente, mas os negócios não se concretizaram.

Enquanto isso, muita coisa mudou para as mulheres sauditas no mercado de trabalho. Nos últimos sete anos, o reino anunciou reformas que permitem às mulheres abrir empresas sem consentimento masculino e viajar de forma independente; muitas hoje administram fundos de private equity, negociam ações e trabalham em fábricas.

“Buscamos oportunidades, mesmo na adversidade”, disse Hutham em seu discurso de 2013 sobre a família. “Sempre vemos o lado positivo.”

-- Com informação adicional da Bloomberg Línea sobre a participação do grupo na Scala Data Centers.

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