Opinión - Bloomberg

Como a falta de concorrência faz o crescimento da América Latina ficar estagnado

Estudo do BID dimensiona o tamanho do desperdício de riqueza na região, o que inclui empregos e salários, com governantes que priorizam batalhas ideológicas e intervenção estatal, em vez de reformas para tornar os negócios mais eficientes

Brasília
Tempo de leitura: 6 minutos

Bloomberg Opinion — Não precisamos esperar o fim do ano para saber que a América Latina e o Caribe provavelmente cresceram 2,4% em 2025 — os mesmos 2,4% registrados em 2024. E em 2023.

É também o ritmo médio registrado pela região entre 2007 e 2016. Mas não se distraia ainda: espera-se que 2026 finalmente rompa com a tendência, com o crescimento desacelerando ligeiramente para... 2,3%.

Percebeu o padrão?

A região não está em colapso, mas também não está exatamente em expansão. Apesar do progresso real na educação, na estabilidade macroeconômica e na redução da pobreza, esse mundo emergente de cerca de 670 milhões de pessoas permanece estagnado.

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A economia está crescendo, mas não o suficiente para escapar da armadilha da renda média à qual parece presa.

Por quê?

Porque os formuladores de políticas públicas e econômicas estão ocupados demais travando batalhas ideológicas, dobrando a aposta na intervenção estatal e menosprezando os tecnocratas, em vez de promover as reformas de mercado necessárias para tornar as empresas mais eficientes, o que significaria consumidores empoderados e trabalhadores melhor remunerados.

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Esse ingrediente que falta — a concorrência real — está custando caro à região.

De acordo com um novo estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), se os mercados de produtos latino-americanos fossem tão competitivos quanto os das economias avançadas, o PIB per capita seria 11% maior, e a desigualdade, cerca de 6% menor.

O impacto seria ainda maior com mais concorrência nos mercados de trabalho. A região está deixando esse dinheiro na mesa ao não promover um ambiente de negócios mais competitivo.

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Gráfico

O estudo do BID, que tomou como base um novo conjunto de dados de indicadores de concorrência comparáveis, deve ser leitura obrigatória para quem se pergunta por que uma região que tem tudo o que precisa para brilhar continua apresentando um desempenho abaixo do esperado.

Com mais concorrência, as empresas reduziriam os preços e aumentariam a produção, contratariam mais trabalhadores e pagariam melhor, inovariam mais, formalizariam suas operações, aumentariam a receita tributária e ajudariam os governos a prestar melhores serviços públicos.

As pequenas empresas finalmente poderiam crescer e desafiar as já estabelecidas — criando as empresas de médio porte que faltam na América Latina.

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Em vez disso, temos o oposto.

A concorrência fraca significa que as empresas enfrentam pouca pressão para reduzir custos, melhorar a qualidade ou se modernizar. Isso impede ganhos de produtividade e mantém os mercados fragmentados, travando o crescimento.

Os vencedores obtêm lucros exorbitantes, enquanto os consumidores pagam mais e os trabalhadores ganham menos.

O relatório do BID quantifica o “poder de mercado substancial” que as empresas exercem: os mercados normalmente se concentram em torno de duas empresas de tamanho semelhante, em comparação com oito nas economias avançadas.

E a empresa média cobra cerca de 35% acima dos custos de produção, ante 20% nos países mais ricos — com “markups excessivos” também mais altos em toda a região.

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Parte do problema é que a promoção da concorrência tem poucos defensores naturais fora do círculo de economistas e órgãos reguladores.

Dizer que você é “a favor da concorrência” é tão impactante quanto dizer que você é “a favor do bem-estar”. Não é um slogan matador, e os governos sabem que terão que gastar capital político para enfrentar os poderosos interesses arraigados que lucram com o fechamento ou o mau funcionamento dos mercados.

Os benefícios de preços mais baixos e melhores serviços são distribuídos por milhões de consumidores e quase não são percebidos, enquanto os perdedores são um grupo coeso e politicamente conectado que luta para proteger seu território.

Como o BID coloca de forma direta: “Eles frequentemente enquadram a concorrência como uma ameaça aos empregos, ao desenvolvimento industrial ou à soberania nacional. Os políticos, respondendo tanto ao sentimento dos eleitores quanto à pressão de interesses organizados, adotam políticas intervencionistas que restringem a abertura do mercado, apesar dos custos econômicos de longo prazo”.

Se você é um consumidor latino-americano que suporta diariamente serviços deficientes e arbitrariedade corporativa, sabe exatamente como isso funciona. O padrão se repete em todos os setores, mas talvez em nenhum lugar seja mais claro do que no setor bancário.

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De acordo com o estudo, o retorno médio sobre os ativos dos bancos na América Latina e no Caribe é de 1,63 — muito superior ao dos Estados Unidos (1,01) ou da União Europeia (0,62). Combinado com uma estrutura de mercado altamente concentrada, isso é um sinal claro de concorrência insuficiente em um setor-chave que afeta toda a economia.

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A boa notícia é que algumas políticas estão a produzir resultados. O Pix, por exemplo, ajudou as fintechs menores a ganhar participação de mercado, nivelando o campo de ação e impulsionando a concorrência para depósitos e empréstimos.

A desregulamentação do mercado de arrendamento em Buenos Aires desencadeou um boom nas listagens de imóveis da cidade.

E a adoção da portabilidade dos números móveis pelo Uruguai em 2022 fez baixar os preços de dados e tornou o mercado das telecomunicações muito mais dinâmico.

Um grande obstáculo para um maior progresso é a densa teia de regras que muitos países acumularam, regulamentações que, sem querer, protegem os operadores estabelecidos e dificultam o surgimento de novos concorrentes.

O BID destaca três prioridades para quebrar esse padrão: integração regional mais profunda dos mercados, desmantelamento das proteções do status quo e fortalecimento das agências de concorrência.

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Essas ideias aparentemente abstratas podem produzir resultados concretos: custos mais baixos, maior produtividade e criação de empregos mais dinâmica.

O desafio é que a “regulamentação inteligente” necessária para fomentar a concorrência exige uma compreensão clara de como os mercados realmente funcionam, algo que nem sempre é fácil de identificar.

Acima de tudo, promover a concorrência é um pouco como evangelizar: um trabalho lento e pouco glamoroso que exige persuadir o público de que mercados abertos e justos proporcionam melhores resultados para a sociedade, mesmo que inevitavelmente criem alguns perdedores ao longo do caminho.

Impulsionar a concorrência também é uma agenda progressista, pois estimula a inovação e aumenta os salários, beneficiando os trabalhadores e suas famílias.

A América Latina precisa de mais rivalidade corporativa, não menos — e é hora de dizer isso em voz alta.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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