Bloomberg Opinion — O presidente Donald Trump finalmente recebeu seu tão almejado prêmio da paz. Só que não foi da Fundação Nobel, mas da FIFA, uma instituição encarregada de supervisionar as cobranças de pênaltis no futebol, e não a geopolítica.
Não sou muito fã de futebol, mas como essa bajulação a um líder mundial que retirou seu país do Acordo de Paris e chama as mudanças climáticas de “fraude” pode servir aos atletas ou aos fãs de futebol?
O prêmio foi entregue em um evento glamouroso no dia 5 de dezembro para o sorteio da Copa do Mundo que acontecerá em 2026 durante o alto verão do Hemisfério Norte em três países — Canadá, Estados Unidos e México.
Gianni Infantino, chefe do órgão regulador do futebol, parece ter inventado o Prêmio da Paz da FIFA como parte de um esforço mais amplo para colocar a si mesmo e à sua organização nas graças do presidente americano.
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Infantino precisa garantir que o torneio, que pode receber até 6 milhões de torcedores na América do Norte, transcorra sem problemas; com 11 das 16 cidades-sede localizadas nos EUA, Trump é uma peça fundamental desse quebra-cabeça.
Mas os jogadores e torcedores certamente lhe agradeceriam mais por dar mais atenção a uma séria ameaça ao esporte: as mudanças climáticas.
Na Copa do Mundo de Clubes da FIFA deste ano, uma onda de calor se instalou sobre o leste dos EUA — um fenômeno climático que se tornou pelo menos três vezes mais provável devido às emissões de combustíveis fósseis, de acordo com uma análise do grupo de pesquisa Climate Central.
Temperaturas de 37 °C combinadas com alta umidade criaram condições que pareciam estar em torno de 45 °C. Esse tipo de ambiente é perigoso apenas para se estar presente, quanto mais para praticar 90 minutos de um esporte extenuante.
O técnico do Chelsea - clube que acabou como campeão do torneio -, Enzo Maresca, disse à BBC que era “impossível” organizar sessões de treinamento normais; caixas de água gelada foram colocadas ao redor do campo e enormes ventiladores foram instalados para soprar água nos jogadores que se exercitavam.
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Vários jogos também foram suspensos por horas devido a chuvas extremas e tempestades com raios, levando Maresca a chamar a situação de “piada” e sugerir que os EUA “não são o lugar certo para realizar a competição”.
Durante o torneio, a FIFA reduziu o limite de temperatura para pausas extras para resfriamento — uma medida que leva em consideração a umidade, a velocidade do vento, o ângulo do sol e a cobertura de nuvens.
Mas isso só aconteceu porque a Federação Internacional de Futebolistas Profissionais (FIFPRO) interveio logo no início.
Isso também contraria as orientações do Colégio Americano de Medicina Esportiva, que sugere o cancelamento de jogos mesmo para participantes em excelente forma física e aclimatados a essa temperatura.
A FIFA acaba de anunciar que, para a próxima Copa, haverá um intervalo de hidratação de três minutos por tempo, independentemente da temperatura. Essa é uma medida positiva, mas não esclarece o que acontecerá se o calor ficar realmente muito intenso.
Os especialistas já estão preocupados com a Copa do Mundo; espera-se que 14 das 16 cidades-sede sejam vulneráveis ao calor extremo durante o torneio, enquanto apenas três locais têm tetos retráteis e ar condicionado. Outros dois oferecem cobertura para proteger do sol.
Além das preocupações com a saúde das equipes e dos espectadores, o espetáculo provavelmente será pior.
O adiamento ou o cancelamento de partidas pode atrapalhar planos de viagem e acomodação.
Os jogos disputados em clima quente também serão menos energéticos e interessantes de assistir. Isso é ruim para a FIFA, para o esporte e para as pessoas que gastam dinheiro e dias de férias para assistir aos jogos.
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Agora que o sorteio foi anunciado, a atenção se volta para a programação. A FIFA designará a maioria dos jogos da tarde para estádios com ar condicionado ou cidades com clima temperado, enquanto outros locais terão jogos à noite.
Essas são medidas sensatas, mas com a final marcada para começar no meio da tarde (no horário da costa leste dos EUA) no MetLife Stadium, em Nova Jersey — um local aberto que sediou vários jogos com calor perigoso no verão passado — os críticos sugeriram que o horário altamente conveniente para os fãs de TV europeus sugere que a FIFA está mais preocupada em proteger seus interesses comerciais do que os participantes do jogo.
A FIFA pode tentar adaptar seu torneio ao calor do verão da melhor maneira possível, mas está claramente contribuindo para a crise climática. A nova tendência de sediar eventos em vários países — ou mesmo continentes, como está previsto para acontecer em 2030 — é prova disso.
O grupo ativista Cientistas pela Responsabilidade Global espera que o evento de 2026 gere mais de 9 milhões de toneladas de CO2, a maior pegada de carbono de qualquer torneio da Copa do Mundo. As viagens, tanto internacionais quanto entre cidades, contribuem com 85% disso.
O órgão regulador se comprometeu a reduzir as emissões em 50% até 2030 e atingir o zero líquido até 2040. Mas isso depende muito da compensação de carbono.
A Carbon Market Watch descobriu que os créditos que a FIFA pretendia usar para o torneio de 2022 eram de baixa qualidade e que a própria contabilidade de carbono da organização se baseava em cálculos duvidosos.
No sorteio no dia 5 de dezembro, Infantino chamou a Copa do Mundo de 2026 de “o maior evento que a humanidade verá”. Mas aproximar-se dos negacionistas do clima, fazer acordos com grandes poluidores e não combater suas próprias emissões é uma maneira infalível de a FIFA transformar o beautiful game em algo feio.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lara Williams é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre mudanças climáticas.
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