Bloomberg Opinion — A Estratégia de Segurança Nacional da Casa Branca, divulgada na semana passada, causou comoção na América Latina.
É a primeira tentativa séria de explicar a ampla recalibração da política externa do presidente Donald Trump, que coloca o Hemisfério Ocidental no centro das ambições geopolíticas de Washington.
Em uma região há muito tempo cautelosa com a interferência dos Estados Unidos, a promessa explícita de expulsar qualquer potência estrangeira — pela força, se necessário — desperta as piores lembranças de intervenções passadas.
O documento de 33 páginas, das quais quatro são dedicadas à América Latina, declara sem rodeios:
“Após anos de negligência, os Estados Unidos reafirmarão e aplicarão a Doutrina Monroe para restaurar a preeminência americana no Hemisfério Ocidental e proteger nossa pátria e nosso acesso a regiões geográficas estratégicas em toda a região. Negaremos aos concorrentes fora do hemisfério a capacidade de posicionar forças ou outros recursos ameaçadores, ou de possuir ou controlar ativos estrategicamente vitais em nosso hemisfério.”
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A estratégia pomposamente rotula essa promessa como o “Corolário Trump” da Doutrina Monroe — a política de 1823 que se opunha ao colonialismo europeu na América Latina e no Caribe, ao mesmo tempo em que prometia a não interferência dos EUA na Europa.
No mundo de hoje, porém, ela soa como um compromisso de resistir à rápida expansão da presença logística e comercial da China na região. O objetivo, em ambas as épocas, é o mesmo: proteger a esfera de influência dos EUA que mantém a distância as grandes potências concorrentes, incluindo a Rússia.
É tentador considerar parte disso como teatro político, vindo de uma Casa Branca que ama mais a marca do que encontrar soluções concretas para os muitos problemas da América Latina.
Mas é impossível ignorar como essa retórica surge em um momento extraordinário: o maior aumento militar dos EUA em gerações para pressionar por uma mudança de regime na Venezuela; ameaças de ação unilateral contra cartéis no México e na Colômbia; uma campanha controversa de bombardeio de barcos suspeitos de transportar drogas, que já deixou dezenas de mortos. Qualquer grande estratégia teria dificuldade em sobreviver a apenas uma parte disso.
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E, no entanto, apesar de todas essas queixas genuínas, se eu fosse um formulador de políticas latino-americano, ainda gostaria de ouvir Washington. Isso porque a estratégia também admite, abertamente, que os EUA precisarão de persuasão e negociação tanto quanto de poder bruto para reconstruir sua influência regional. Considere esta passagem:
“O objetivo é que nossos países parceiros fortaleçam suas economias domésticas, enquanto um Hemisfério Ocidental economicamente mais forte e sofisticado se torne um mercado cada vez mais atraente para o comércio e os investimentos americanos. O fortalecimento das cadeias de abastecimento críticas neste hemisfério reduzirá as dependências e aumentará a resiliência econômica americana. Os vínculos criados entre os Estados Unidos e nossos parceiros beneficiarão ambos os lados, ao mesmo tempo em que dificultarão para os concorrentes de fora do hemisfério aumentarem sua influência na região.”
A lógica ecoa iniciativas históricas dos EUA, desde a Aliança para o Progresso de John F. Kennedy até a criação do Nafta em 1992. Não estou sugerindo um renascimento de projetos tão ambiciosos sob Trump, mas a admissão de Washington de que a prosperidade dos EUA depende de uma vizinhança mais rica cria uma abertura para governos bem posicionados para negociar.
Para o México — que agora está entrando na revisão do USMCA, sucessor do NAFTA —, isso é um lembrete de que o pacto é tanto um instrumento geopolítico quanto comercial.
Incluir o México como um dos “intermediários” que canalizam produtos chineses para os EUA pode parecer ameaçador, mas, na prática, valida o que os formuladores de políticas e líderes empresariais mexicanos já acreditam: uma integração norte-americana mais profunda é essencial. E sejamos honestos, os próprios EUA dificilmente encontraram a fórmula mágica para se desvincular da China.
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No clássico estilo transacional trumpista, a estratégia também deixa claro que a cooperação não requer alinhamento ideológico — apenas interesses comuns. Isso ajuda a explicar a recente relação de Trump com os dois líderes de esquerda mais proeminentes da região, Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Claudia Sheinbaum, do México:
“Vamos recompensar e incentivar governos, partidos políticos e movimentos da região que estejam amplamente alinhados com nossos princípios e estratégia. Mas não devemos ignorar governos com visões diferentes, com os quais, no entanto, compartilhamos interesses e que querem trabalhar conosco.”
Essa injunção reflete uma realidade que Washington não pode mais ignorar: as economias da região, particularmente na América do Sul, estão muito interligadas com a China para que os EUA exijam lealdade ideológica total.
A estratégia reconhece até mesmo que algumas formas de influência estrangeira vieram para ficar. A Argentina é o exemplo mais claro: a ajuda financeira de US$ 20 bilhões concedida por Trump a seu aliado Javier Milei não veio acompanhada de nenhuma exigência para que ele desfizesse seu acordo paralelo com a China — um reconhecimento implícito de que certos laços econômicos não podem ser revertidos sem desestabilizar os parceiros dos EUA. Como o documento admite:
“Algumas influências estrangeiras serão difíceis de reverter, dados os alinhamentos políticos entre certos governos latino-americanos e certos atores estrangeiros. No entanto muitos governos não estão ideologicamente alinhados com potências estrangeiras, mas são atraídos a fazer negócios com elas por outras razões, incluindo custos baixos e menos obstáculos regulatórios.”
Depois, há a questão da cooperação em matéria de migração, segurança e combate ao narcotráfico, áreas em que a Casa Branca irá recrutar “amigos estabelecidos no hemisfério” para restaurar a estabilidade regional.
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Qualquer político que não esteja disposto a forjar essas alianças está interpretando mal o humor de seu próprio eleitorado.
A insegurança e a criminalidade estão constantemente no topo das preocupações dos latino-americanos, alimentando tanto a recente virada à direita da região quanto os inesperados bolsões de apoio à linha dura de Trump em matéria de segurança. Os governos iriam contra seus próprios interesses se ignorassem essa promessa dos EUA.
Para muitos latino-americanos, esse projeto pode parecer um imperialismo requentado. Mas os estrategistas regionais devem lembrar que a única consistência real na política de Washington para a América Latina é sua inconsistência.
A Doutrina Monroe está de volta à moda apenas 12 anos depois que outro governo dos EUA a declarou morta. Não é preciso ser Nostradamus para prever que o pêndulo oscilará novamente em breve e que esse tipo de documento estratégico poderá se tornar obsoleto em pouco tempo.
É exatamente por isso que os líderes latino-americanos devem ignorar seus reflexos ideológicos e se concentrar em maximizar as concessões concretas da atual mentalidade transacional de Washington — especialmente porque os EUA buscam superar a China em influência regional.
Se o Tio Sam agora afirma que quer que seus vizinhos sejam “mais prósperos”, aceite essa ideia pelo valor nominal. É uma oportunidade que a região não deve ignorar
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.
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