BV aguarda queda da inadimplência para retomar expansão do crédito, diz CEO

Em entrevista à Bloomberg Línea, Gustavo Sousa avalia que o cenário de juros elevados ainda exige cautela, apesar da perspectiva de cortes da Selic; ‘apertamos na hora certa e já começamos a ver estabilização da inadimplência’

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Bloomberg Línea — A perspectiva de queda da Selic em 2026 traz alívio para o setor financeiro do ponto de vista de crédito. Para o CEO do BV, Gustavo Sousa, no entanto, ainda não é o momento de mudar a postura cautelosa na concessão adotada em 2025 diante das condições financeiras ainda apertadas no país.

Em entrevista à Bloomberg Línea, o executivo disse que o banco observou uma estabilização da inadimplência na sua carteira no terceiro trimestre, mas que essas métricas ainda precisam “engrenar” uma queda significativa antes de a instituição expandir a concessão de crédito novamente.

“Fizemos aquilo que o nosso receituário de crédito indica. Apertamos na hora certa e já começamos a ver a estabilização da métrica”, disse Sousa.

Para o executivo, se houver uma queda da taxa de inadimplência no quarto trimestre, isso confirmaria que o banco está “pilotando bem” o ciclo de crédito e pode ter um ano de 2026 “de métricas ainda mais saudáveis”.

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O CEO descreveu o terceiro trimestre como um “teste de fogo” para a estratégia do banco, conhecido por sua posição de liderança em financiamento para veículos leves usados.

Foi nesse período que a instituição buscou provar que as decisões tomadas em 2025, de endurecimento no crédito e diversificação do portfólio, eram suficientes para manter os resultados obtidos até o fim do ano passado.

O CEO ressaltou que o banco já opera há cinco trimestres com um ROE (Retorno sobre o Patrimônio) de 15%, nível que a gestão considera um “novo piso” de rentabilidade.

Em 2023, o indicador estava próximo de 9%. Hoje alcança um patamar mais alto do que o do Banco do Brasil (8,4% no terceiro trimestre), sócio controlador do BV ao lado da Votorantim Finanças, da família Ermírio de Moraes.

A capacidade de sustentar o ROE no atual patamar mesmo com uma queda de 14,7% na originação de crédito para veículos leves nos nove primeiros meses do ano reforça, segundo o executivo, que o BV alcançou um modelo mais resiliente de resultados.

“Mesmo mais cautelosos no crédito e originando menos, conseguimos apresentar um resultado com essa rentabilidade”, disse Sousa.

O lucro líquido recorrente no período foi de R$ 461 milhões, o que representou uma queda de 7,1% em relação ao mesmo trimestre do ano passado.

Segundo o CFO, Ronaldo Helpe, a explicação é que o terceiro trimestre de 2024 havia sido beneficiado por incentivos fiscais concentrados — como distribuições de JCP (Juros sobre Capital Próprio) e créditos da Lei do Bem.

Sem esses efeitos extraordinários, o BV registrou em 2025 um lucro antes de imposto de renda (LAIR) 19% maior, o que, para os executivos, sinaliza que a qualidade do lucro evoluiu.

“A qualidade do resultado segue uma trajetória de melhoria tal qual já vemos desde o terceiro trimestre de 2024”, disse Helpe.

Ao mesmo tempo, o custo de crédito caiu 12,3%, para R$ 880 milhões, no período e a taxa de inadimplência acima de 90 dias se estabilizou em 4,8%, versus um patamar de 4,4% no mesmo trimestre de 2024.

No segmento de varejo, a taxa de pagamentos em atraso se estabilizou em 6,1% (ante 5,1% no 3T24), enquanto no segmento de veículos ela foi de 5,5% (ante 4,4% no mesmo período de 2024 e 5,6% no segundo trimestre deste ano).

Aposta na diversificação

Além do endurecimento do crédito, o CEO do BV atribuiu o resultado a duas outras estratégias: a aposta na diversificação e no crescimento da sua frente de banco digital.

Embora os veículos leves usados continuem sendo o core do banco, novas linhas passaram a ganhar escala — especialmente o empréstimo com garantia de veículo, que cresceu 25% em um ano e se tornou uma das apostas estratégicas da instituição.

Sousa destaca que o produto permite ao cliente substituir dívidas de crédito pessoal a 6% ao mês por uma taxa próxima de 2% ao mês usando o carro como colateral, o que torna a operação mais saudável para ambos os lados.

Também houve crescimento no financiamento de motos, pesados e veículos novos, mercados nos quais o BV vem ampliando presença ao replicar o modelo de relacionamento consolidado nos leves.

Antes conhecido como Banco Votorantim, o BV tem uma carteira de crédito de R$ 92,6 bilhões, o que o coloca entre os dez principais bancos privados no país.

A maior fatia (48%) está em financiamento para veículos leves usados, enquanto o restante é dividido entre atacado (26%), motos, pesados e novos (8%), empréstimo com garantia de veículos (5%), cartões (5%), painéis solares (4%), PME (3%) e outros (1%).

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Impulso do BV digital

Outro pilar da estratégia, o banco digital do BV, continua em expansão e já responde por 14% da originação do varejo, além de ter impulsionado o crescimento de 163% nos depósitos em 12 meses.

A meta, segundo Sousa, é transformar o cliente que chega por meio de um financiamento em um usuário recorrente do ecossistema do banco, com conta, cartão e transações no aplicativo – um movimento que tende a reduzir o custo de funding e fortalecer o relacionamento de longo prazo.

Ainda em desenvolvimento, a plataforma deve receber novos produtos e funcionalidades em 2026, com maior uso de inteligência artificial generativa para acelerar o desenvolvimento, segundo ele.

O CFO ressaltou que a estratégia focada nos três pilares – de defesa do negócio principal de veículos leves, diversificação da carteira e avanço no banco digital – permitiu ao BV manter uma “boa disciplina de gestão de balanço e de riscos” no momento em que há bancos que registram margens de mercado mais pressionadas com o aumento da taxa de juros.

“Em um cenário de oscilação de taxa de juros, vemos a margem de mercado do BV bastante estável”, afirmou.

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