Opinión - Bloomberg

Mesmo se Maduro sair, caminho para reconstruir a economia da Venezuela será árduo

Governante tem conseguido se manter mesmo sob a pressão dos EUA, mas sua saída do poder colocaria o país diante de uma monumental tarefa de reconstrução que exigiria uma abordagem multidimensional para restaurar as capacidades do Estado, reabrir a economia ao investimento exterior, reestruturar dívidas e revitalizar a indústria petrolífera

President Maduro Holds Press Conference
Tempo de leitura: 8 minutos

Bloomberg Opinion — As especulações sobre a Venezuela são tão abundantes atualmente que não faz sentido acrescentar mais previsões duvidosas.

Uma coisa, porém, é clara: se o regime de Nicolás Maduro finalmente cair — um grande “se”, mesmo com o atual aumento da presença militar dos Estados Unidos no sul do Caribe —, o país enfrentará um dos esforços de reconstrução econômica mais monumentais da história moderna.

Simplesmente não há paralelo contemporâneo para o colapso da Venezuela. Até pouco tempo atrás, o país ostentava uma das maiores rendas per capita da América Latina e era um importante participante dos mercados globais de petróleo.

Durante anos, sua economia foi aproximadamente do mesmo tamanho da da Colômbia; em 2012, os dois países andinos produziram cerca de US$ 370 bilhões.

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Hoje, o PIB da Venezuela é menos de um quinto do da Colômbia, após uma redução surpreendente de 78% em termos de dólares, de acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional.

A extrema má gestão econômica sob a experiência socialista de Maduro e seu antecessor Hugo Chávez — que desencadeou a hiperinflação e levou cerca de oito milhões de venezuelanos a emigrar — destruiu a base empresarial e produtiva do país.

Gráfico

Uma grande incógnita é quantos venezuelanos poderão retornar sob um governo legítimo com melhores perspectivas econômicas.

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O economista Alejandro Arreaza, do Barclays, argumenta que, embora seja improvável que os trabalhadores mais qualificados que partiram na primeira onda migratória voltem — “eles já reconstruíram suas vidas no exterior”, diz ele —, aqueles que partiram mais recentemente para países vizinhos em circunstâncias muito mais adversas podem ter incentivos mais fortes para retornar.

Reverter essa queda histórica exigirá enorme habilidade política, apoio financeiro internacional substancial e muita paciência — e isso supondo que o país consiga uma transição um tanto ordenada.

Em um cenário mais turbulento, com os partidários do chavismo sabotando a mudança, a reconstrução da Venezuela se tornaria exponencialmente mais difícil.

Aqui estão cinco prioridades que qualquer novo governo em Caracas terá que enfrentar para iniciar o longo e traiçoeiro caminho para a recuperação.

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1. Reconstruir a capacidade estatística do Estado

Além da tarefa urgente de fornecer alimentos, combustível, medicamentos, segurança e outras necessidades básicas de uma transição apressada, um plano de recuperação confiável começa com a geração de dados confiáveis — algo que a Venezuela não tem há anos.

Os principais indicadores sobre inflação, finanças públicas e criminalidade têm sido opacos ou inexistentes; os novos formuladores de políticas precisarão reconstruir o sistema estatístico do país quase do zero, provavelmente com a ajuda de especialistas internacionais.

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Ninguém fora do regime conhece a renda real do governo, os níveis de gastos ou os orçamentos dos programas. E, ao contrário dos países onde o colapso econômico geralmente decorre de um Estado superdimensionado, a Venezuela enfrenta o problema oposto: precisa reconstruir as capacidades do Estado e, ao mesmo tempo, remover as organizações criminosas atualmente entrincheiradas nele.

2. Restaurar o acesso ao crédito internacional

Quem quer que suceda Maduro precisará normalizar as relações com os credores multilaterais — um passo crucial para garantir o financiamento necessário para impulsionar a economia e obter vitórias iniciais.

Isso exigirá compromisso político com reformas, transparência e acesso total para que os credores avaliem a verdadeira situação financeira do país.

O FMI não realiza uma consulta do Artigo IV — uma revisão anual padrão — desde 2004, portanto, uma nova avaliação seria extensa. Mas uma transição política que restaure a legitimidade democrática provavelmente acabaria com a disputa institucional que, desde 2019, impede Caracas de acessar bilhões em novas reservas do FMI.

Com esses recursos, a Venezuela poderia saldar seus atrasados com os bancos regionais de desenvolvimento. O pagamento dos cerca de US$ 2 bilhões que deve ao Banco Interamericano de Desenvolvimento restauraria o acesso a novos financiamentos para programas sociais e de infraestrutura urgentes.

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3. Reviver sua indústria petrolífera

A maneira mais rápida de reanimar a economia é através de uma rápida reinicialização do outrora poderoso setor petrolífero da Venezuela. Dado o estado precário da empresa petrolífera nacional PDVSA — com falta de capital, expertise e tecnologia — isso exigirá dar às empresas de energia e aos investidores privados acesso significativo para desenvolver as vastas reservas de petróleo e gás natural do país.

Isso significa oferecer incentivos, evitando uma revisão completa da estrutura jurídica do setor, o que seria demorado e causaria divisões políticas.

Como observa o economista Orlando Ochoa, de Caracas, a maneira mais rápida e eficiente de aumentar a produção — e gerar receita tributária e fluxo de caixa para sustentar as operações — é aprimorar e formalizar as medidas pró-negócios adotadas por Maduro em uma última tentativa de reativar a atividade.

“Uma reforma limitada da lei de hidrocarbonetos pode codificar o que já está acontecendo na prática, permitindo que empresas estrangeiras gerenciem as operações petrolíferas e que empresas de serviços operem campos em troca de barris de petróleo bruto”, disse ele.

“Devemos permitir que as empresas privadas exportem seu próprio petróleo, transformando a PDVSA em uma nova holding para gerenciar alguns ativos estatais, incluindo todas as parcerias com operadores privados.”

Ochoa também argumenta que a Venezuela deveria buscar um acordo geopolítico e financeiro para proteger temporariamente seus ativos petrolíferos e exportações de possíveis apreensões por parte dos credores — semelhante à proteção que o Iraque recebeu sob uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas após a invasão dos EUA em 2003.

A Venezuela produz agora cerca de um milhão de barris por dia, o maior volume desde que as sanções foram impostas pelo primeiro governo de Donald Trump; um aumento gradual da produção é possível assim que a transição começar, especialmente com algumas melhorias que representam frutos fáceis de colher.

Mas isso ainda é uma pequena fração dos mais de três milhões de barris diários que o país produzia no final da década de 1990. Alcançar esses números novamente exigirá estabilidade política, regras jurídicas claras, investimentos extensivos e a resolução das disputas corporativas pendentes que ainda atormentam o setor. Isso não é viável no curto ou médio prazo, mas também não é impossível.

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4. Reestruturar suas dívidas

Talvez o desafio mais delicado seja reestruturar cerca de US$ 160 bilhões em obrigações pendentes, incluindo aquelas com detentores de títulos privados, sentenças arbitrais, dívidas de empresas e empréstimos da China.

As expectativas de mudança de regime já elevaram os preços dos títulos venezuelanos; o governo Maduro entrou em default em 2017, quando o colapso da produção de petróleo e a queda livre da economia tornaram os pagamentos impossíveis.

O debate dentro da oposição está se intensificando sobre se deve-se reconhecer a dívida emitida sob Chávez e Maduro. Mas tentar repudiá-la provavelmente teria um efeito contrário: os fundamentos jurídicos para fazê-lo são fracos, e tal medida minaria a credibilidade do novo governo. Em vez disso, os detentores de títulos devem se preparar para perdas contábeis acentuadas em uma das renegociações mais complexas do mundo.

O calote histórico da Argentina no início dos anos 2000 resultou em cortes de 71% a 75%; mesmo que considerado excessivamente severo, esse ainda é um parâmetro útil para o que os credores da Venezuela podem enfrentar. Esse corte poderia ser parcialmente compensado por uma perspectiva econômica promissora sob um novo governo.

“Não há dúvidas sobre o potencial da economia venezuelana e sua capacidade de recuperação”, disse-me Arreaza, do Barclays. “Não será fácil, mas o aspecto político ainda é a parte mais difícil.”

Quanto aos conturbados acordos de petróleo por empréstimos da China, Caracas precisará de uma negociação política que permita a Pequim recuperar parte de seu investimento por meio do aumento da produção de petróleo bruto, em vez do reembolso direto em dinheiro.

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5. Atrair capital privado

Se o próximo governo venezuelano apresentar progressos nas quatro frentes anteriores — e provocar a mudança nas expectativas que uma mudança de regime normalmente traz —, a economia poderá registrar uma forte recuperação inicial, com um crescimento potencialmente até mesmo de dois dígitos por alguns anos.

Mas esse impulso rapidamente encontrará obstáculos. A Venezuela não investe há anos em eletricidade, sistemas de água, estradas, educação ou infraestrutura básica, todos essenciais para sustentar aumentos significativos na produção.

É por isso que uma quinta prioridade deve ser atrair capital privado e privatizar centenas de ativos — especialmente em infraestrutura essencial — para reviver as muitas indústrias fora do setor petrolífero que foram abandonadas, dizimadas ou nacionalizadas sob o chavismo.

A Venezuela não pode recuperar a prosperidade duradoura sem diversificar sua economia e explorar as enormes oportunidades que o país ainda oferece — da mineração e agricultura ao turismo.

Agora, quando todo o sistema precisa ser reconstruído do zero, é hora de se livrar do rótulo de petroestado que assombra a Venezuela há décadas.

Em uma apresentação recente, a líder da oposição e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, Maria Corina Machado, argumentou que a abertura da Venezuela oferece aos investidores negócios extraordinários no valor de US$ 1,7 trilhão para acelerar o crescimento econômico. “A Venezuela será a nova fronteira global para a inovação e a criação de riqueza, e nós convidamos você a fazer parte disso”, disse ela.

O entusiasmo de Machado é compreensível: como política que vende esperança e defende o retorno da democracia, ela precisa oferecer aos investidores uma história convincente.

Por mais inspirador que isso pareça, atrair investimentos não será fácil após tantos anos de subfinanciamento crônico, negligência e fuga de cérebros.

Subestimar o que virá depois de Maduro seria um grave erro. A reconstrução levará décadas, passando por vários governos, e não meses ou anos.

Esperamos que o processo comece logo.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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