Opinión - Bloomberg

Ao atribuir seu sucesso extraordinário à sorte, Buffett passa uma mensagem subliminar

Na última carta como CEO da Berskshire, Warren Buffett usou a palavra ‘sorte’ 12 vezes e refletiu sobre como as circunstâncias ajudaram sua trajetória, em contraste com líderes que se julgam merecedores de cada centavo ou milhões que podem ganhar

Warren Buffett,
Tempo de leitura: 4 minutos

Bloomberg Opinion — Há uma coisa que Warren Buffett parece creditar ao seu sucesso mais do que qualquer outra coisa: sorte.

Ele diz que tem sorte por ter passado a maior parte da sua vida em Omaha, criando uma família e construindo um negócio bem no meio do país. Ele tem sorte por ter nascido em 1930, sendo um homem branco americano. Tem sorte de estar vivo aos 95 anos. Tem sorte, observa ele, de ter “nascido virado para a lua”.

Na verdade, ele é um cara tão sortudo que usou alguma forma da palavra 12 vezes em sua carta anual de Ação de Graças — uma missiva que se tornará seu principal meio de comunicação pública quando ele deixar o cargo de CEO da Berkshire Hathaway (BRK/A) no final do ano.

Como parte da passagem do bastão, ele não escreverá mais a carta anual da empresa aos acionistas; em vez disso, essa tarefa caberá ao seu sucessor, Greg Abel.

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Buffett creditar seu sucesso à sorte provavelmente é um pouco decepcionante para os discípulos que se debruçam sobre seus escritos, em busca de absorver os princípios de investimento que transformaram a Berkshire em uma empresa avaliada em mais de US$ 1 trilhão. Não é exatamente um fator que pode ser replicado no mercado.

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Mas, se você ler nas entrelinhas, vale a pena prestar atenção ao fato de Buffett insistir no papel que a sorte desempenhou em sua vida. “Em muitos casos, nossos líderes e os ricos receberam muito mais do que sua parcela de sorte — o que, muitas vezes, os beneficiários preferem não reconhecer”, escreve ele.

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Você não pode reproduzir os elementos de sorte que colocaram Buffett em seu caminho, mas pode tentar seguir seu exemplo de nunca se deixar levar pelo seu próprio entusiasmo ou pela ideia de que suas conquistas são todas fruto do seu próprio esforço.

É a mentalidade de “sorte na vida” que impulsionou a filantropia de Buffett — a mais recente delas é sua doação de mais de US$ 1,3 bilhão para quatro fundações familiares. Na sua opinião, suas doações são uma forma de retribuir ao sistema que lhe permitiu acumular uma enorme riqueza.

No entanto essa atitude está saindo de moda, especialmente entre um grupo da elite do Vale do Silício. Em vez disso, eles parecem sentir que contribuíram mais para a sociedade por meio de sua tecnologia que salva o mundo do que jamais receberam ou esperam receber de volta.

O investidor de risco Marc Andreessen resumiu bem essa filosofia em seu post de 2023 no blog The Techno-Optimist Manifesto: “A inovação tecnológica em um sistema de mercado é inerentemente filantrópica, numa proporção de 50:1. Quem obtém mais valor de uma nova tecnologia, a única empresa que a produz ou os milhões ou bilhões de pessoas que a utilizam para melhorar suas vidas? Pense bem.”

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Essa atitude também está se infiltrando na forma como as empresas são administradas, à medida que os conselhos de administração distribuem pacotes salariais cada vez maiores aos CEOs que, longe de reconhecerem o papel que a sorte pode ter desempenhado em seu sucesso, insistem que merecem cada centavo.

Buffett observa que, em vez de constranger esses executivos ricamente remunerados, as regras de divulgação de salários apenas geraram inveja e inflaram ainda mais as remunerações. “O que muitas vezes incomoda os CEOs muito ricos”, escreve ele, “é que outros CEOs estão ficando ainda mais ricos”.

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Buffett não quer esse tipo de líder no comando da Berkshire. Por duas vezes, ele escreve na carta que, embora os gerentes da empresa venham a ficar bastante ricos, eles não devem desejar riquezas dinásticas ou que chamem a atenção.

Cultivar líderes que reconheçam que sua sorte na vida teve um grande impacto em sua riqueza pode ajudar a evitar a arrogância e o tipo de erros que ela gera. Se você aceitar que nem tudo está sob seu controle, isso também significa que você pode superar seus erros mais rapidamente.

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Isso é algo que Buffett permite que seus leitores façam. Mesmo que você não tenha vivido uma vida de bondade ou generosidade, ainda há tempo. “Desejo a todos que lerem isto um Feliz Dia de Ação de Graças”, escreve ele. “Sim, mesmo aos idiotas; nunca é tarde demais para mudar.”

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Beth Kowitt é colunista da Bloomberg Opinion e cobre o mundo corporativo dos Estados Unidos. Foi redatora e editora sênior da revista Fortune.

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