Opinión - Bloomberg

‘Casa de Dinamite’: filme da Netflix revela realidade dos riscos de guerra nuclear

Longa da diretora Kathryn Bigelow, que narra o dilema do presidente dos EUA de revidar um ataque nuclear de autor não identificado, expõe a urgência da retomada de acordos entre potências diante de quadro que se agravaria em minutos

Casa de Dinamite
Tempo de leitura: 6 minutos

Bloomberg Opinion — No final do novo filme da Netflix Casa de Dinamite, o presidente americano, em retirada em seu helicóptero e tendo que decidir se lança armas nucleares contra ninguém em particular, em retaliação a um ataque nuclear iminente de ninguém em particular, grita para o líder do Comando Estratégico dos Estados Unidos (STRATCOM) que tudo isso é “loucura”.

O comandante, sobrecarregado, mas profissional até o fim (que é iminente), responde: “Não, senhor. Esta é a realidade”.

A maioria das pessoas que estudou armas nucleares em profundidade acaba esbarrando nessa parede de absurdo: a humanidade não apenas construiu os meios para se destruir mas também criou constelações internacionais que poderiam forçar líderes mundiais que agem racionalmente a iniciar essa destruição. Sem falar nos líderes que agem irracionalmente.

A pressão dessas situações sobrecarregaria qualquer ser humano que tivesse que tomar tais decisões.

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Ronald Reagan foi informado no início de sua presidência de que, em caso de um ataque iminente, ele teria seis minutos para decidir se, o que e quem bombardear. “Seis minutos para decidir como responder a um sinal no radar e decidir se lançaria o Armagedom!”, escreveu ele em sua biografia “Como alguém poderia aplicar a razão em um momento como esse?”

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Em Casa de Dinamite, a diretora Kathryn Bigelow define o intervalo de tempo em 19 minutos. Esse é o tempo que decorre entre o aparecimento de um míssil balístico intercontinental com ogiva nuclear no Pacífico e sua detonação no alvo, que logo se revela ser Chicago (desculpe por este e pelos próximos spoilers).

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Muitas vidas psicológicas passam nesses 19 minutos para cada um dos personagens, o que Bigelow revela contando a mesma história três vezes, de diferentes perspectivas — a dos soldados em serviço de defesa antimísseis no Alasca, a das pessoas na Situation Room da Casa Branca, no STRATCOM em Nebraska ou na FEMA em Washington, e a do secretário de Defesa e do presidente.

Aprendemos muito durante essas jornadas difíceis de assistir. Por exemplo, que os interceptores terrestres no Alasca têm apenas 61% de chance de derrubar um míssil que se aproxima.

Não é de surpreender que o Pentágono esteja irritado com o fato de o filme ter usado esse número, assim como Donald Trump ficará ao tentar espalhar entusiasmo sobre um novo escudo de defesa antimísseis chamado Golden Dome.

Seja qual for o percentual correto, Bigelow faz uma observação mais importante — que a segurança é uma ilusão e uma forma de escapismo.

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Resumidamente, também penso sobre a plausibilidade de um único míssil voando em direção aos Estados Unidos que não pode ser definitivamente rastreado até os norte-coreanos, russos, chineses ou qualquer outra pessoa. Um ataque na vida real não viria na forma de centenas de mísseis?

Talvez, mas e daí?

O argumento de Bigelow, mais uma vez, é mais amplo: basta um único lançamento para desencadear uma reação nuclear em cadeia difícil de parar e que provavelmente incinerará todo o planeta segundos após o fim da linha do tempo do filme.

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Bigelow não mostra o mundo em chamas. Ela não precisa fazer isso, e tais descrições provavelmente são mais adequadas para textos, como no perturbadoramente bom livro Nuclear War: A Scenario ("Guerra nuclear: uma hipótese", em tradução livre), de Annie Jacobsen, publicado no ano passado.

Como em suas obras anteriores — por exemplo, em Guerra ao Terror, que é sobre americanos que desativaram bombas durante a guerra do Iraque —, Bigelow está interessada na psicologia dos indivíduos e nos limites humanos.

O mundo dela é um mundo de tomadores de decisão bem-intencionados, racionais e profissionais (outra premissa que pode parecer implausível) que, no entanto, vivem no mundo como ele é, não como os planejadores nucleares e estrategistas da teoria dos jogos imaginam que ele seja. Esse é o mundo da Lei de Murphy.

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O conselheiro de segurança nacional, por exemplo, passava por uma colonoscopia quando o míssil é lançado, então seu jovem, mas impressionante, vice deve assumir o comando. Mas ele fica preso no trânsito, depois corre para a Casa Branca enquanto participa da teleconferência em seu iPhone, depois fica preso na fila de segurança e assim por diante.

A realidade é um mundo de chamadas perdidas, engarrafamentos e outros incômodos banais, um mundo que nunca aparece em documentos oficiais ou posturas de força nuclear.

Esse contexto existencial lança uma luz assustadora não apenas sobre a política nuclear mas também sobre a condição humana, começando pela inevitabilidade da incerteza.

Os EUA não sabem quem lançou o ataque e por quê. Também não sabem se mais armas nucleares estão por vir, mirando mais cidades americanas.

O STRATCOM — racionalmente — aconselha o presidente a lançar contra-ataques devastadores contra todos os adversários em potencial, para dizimar seus arsenais nucleares e possibilitar a sobrevivência em potencial segunda onda oportunista de ataques.

Enquanto isso, todas as outras oito potências nucleares enfrentam a mesma incerteza, sabendo que os americanos provavelmente retaliarão contra alguém.

Então todos se mobilizam e se preparam para lançar, de acordo com a lógica perversa de “agora ou nunca”. Um submarino nuclear russo perto da costa americana entra em modo furtivo, silos se abrem, bombardeiros decolam.

Em uma ligação telefônica, o vice-conselheiro de segurança nacional americano e seu homólogo russo tentam chegar a um entendimento que permita ao presidente americano renunciar ao lançamento e, assim, evitar o Armagedom.

Os russos querem saber como podem ter certeza de que os EUA, em uma resposta limitada, não os teriam como alvo. Eles querem garantias de que nenhum míssil destinado a outros países sobrevoará seu território.

Mas os mísseis americanos destinados à Coreia do Norte, à China ou mesmo ao Paquistão não podem seguir outro caminho. A incerteza está na geografia, na física, nos planos, em todos os lugares.

Extrema incerteza, combinada com ausência de confiança e pressão sobre-humana: é assim que seria uma escalada nuclear na vida real.

Essa realidade ridiculariza conceitos como dissuasão, ou escalas de escalada cuidadosamente ajustadas, de armas nucleares “táticas” a “estratégicas”, ou grande parte da doutrina disponível que as potências nucleares têm hoje.

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No entanto os EUA, a Rússia e outros países estão agora “modernizando” seus arsenais; a China está adicionando cerca de 100 ogivas por ano para alcançar a paridade com os EUA e a Rússia; a Coreia do Norte está construindo tantas armas nucleares quanto pode; outros países estão pensando em se juntar ao clube nuclear; e o último tratado de controle de armas remanescente entre os EUA e a Rússia expira em menos de 100 dias.

Como alguém que escreve regularmente sobre a ameaça das armas nucleares, adorei Casa de Dinamite. O filme termina em ambiguidade, e a ambiguidade descreve nosso mundo neste momento da era nuclear, com uma nova corrida armamentista em andamento.

Isso nos obriga a encarar a insanidade da nossa realidade — estejamos na Casa Branca, no Kremlin, em Zhongnanhai ou em qualquer outro lugar.

Que este filme seja de exibição obrigatória nos corredores do poder, como se fosse um alerta global. Que seja um apelo para que os líderes iniciem novas negociações sobre limitação de armas agora, enquanto a humanidade ainda tem mais de 19 minutos para decidir se vai cometer suicídio.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Andreas Kluth é colunista da Bloomberg Opinion e cobre diplomacia, segurança nacional e geopolítica dos Estados Unidos. Anteriormente, foi editor-chefe do Handelsblatt Global e redator da revista The Economist.

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