Venda da Warner pode ser vantajosa para a empresa. Mas Hollywood pode sair perdendo

Uma fusão a Warner com empresas como Paramount, Comcast, Amazon ou Netflix traria benefícios como eficiência e economia de custos, no entanto, a indústria do entretenimento depende da interação entre talentos, capital e concorrência, que pode ser afetada com a concentração desses recursos em poucos conglomerados

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Bloomberg Opinion — A decisão da Warner Bros. Discovery de se colocar à venda parece tanto estratégica quanto lamentável.

É o tipo de medida — resultado da tentativa de lidar com dívidas significativas, mudanças nos hábitos do público e exigências dos acionistas — que faz todo o sentido na teoria.

As capacidades de criação e distribuição de conteúdo da Warner Bros. a tornam um dos poucos estúdios verticalmente integrados ainda em atividade. Uma fusão com qualquer um dos seus pretendentes rumores — Paramount Skydance, Comcast, Amazon ou Netflix — proporcionaria eficiência, economia de custos e alavancagem num mercado que recompensa a dimensão.

Olhando para o que está em jogo entre as potenciais parcerias, percebe-se porque é que os investidores estão atentos. Um acordo com a Paramount poderia combinar a HBO Max e a Paramount+, criando um concorrente mais forte para a Netflix e a Disney+ no mercado do streaming.

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Os direitos esportivos da Paramount — a NFL, o Masters e agora o UFC — aumentam ainda mais o apelo. Para a NBCUniversal da Comcast, Amazon ou Netflix, a propriedade intelectual da Warner (por exemplo, Harry Potter, Friends, Game of Thrones, Superman, Batman, Looney Tunes, etc.) e a base de assinantes da HBO Max seriam o verdadeiro prêmio, ajudando a fortalecer seus negócios existentes.

Mas o que se perde em termos criativos, culturais e para os consumidores nesse processo muitas vezes é ofuscado por discussões sobre escala e sinergias de custos.

Fusões como a que pode ocorrer com a Warner Bros. continuam a corroer o ecossistema compartilhado de Hollywood. As consequências ficam mais claras se pensarmos na indústria como uma espécie de bem comum criativo.

Durante décadas, ela foi sustentada pela interação entre talento, capital e concorrência entre o que costumava ser um grupo maior de grandes estúdios que, em tempos, impulsionavam a assunção de riscos criativos. Para usar uma teoria econômica, o que acaba acontecendo com esses acordos é uma tragédia dos comuns — cada transação é racional por si só, mas coletivamente corrosiva.

Não é surpresa, então, que o Sindicato dos Roteiristas dos EUA (WGA) tenha dado o alarme com a notícia da possível venda. Em um comunicado na semana passada, o WGA chamou qualquer fusão envolvendo a Warner Bros. de “um desastre para roteiristas, consumidores e para a concorrência”.

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O sindicato não está sendo exagerado.

Os resultados de um cenário de estúdios em retração são previsíveis: menos compradores de roteiros, menor apetite por riscos criativos e menos espaços para o desenvolvimento de vozes distintas, à medida que diminui o incentivo para apostar em novas ideias e propriedades intelectuais não testadas.

Essa lógica avessa ao risco é especialmente decepcionante quando uma empresa que antes se destacava por fazer o oposto se torna apenas uma divisão dentro de um conglomerado que ganha seu dinheiro de verdade em outro lugar.

Considere que a 20th Century Fox foi absorvida pela Walt Disney, sua programação agora reduzida para alimentar a mesma máquina de sucesso com a qual antes competia. Outro exemplo é a MGM, que já definiu o prestígio de Hollywood, sendo incorporada pela Amazon, servindo como pouco mais do que um inventário de propriedade intelectual para uma gigante do varejo e da tecnologia.

Além da falta de criatividade, as consolidações também significaram demissões em massa para reduzir redundâncias.

Grande parte do meio criativo de Hollywood — produtores, designers e contadores de histórias independentes — já tem dificuldade em conseguir trabalhos como resultado das recentes consolidações e do declínio da televisão linear. Outra fusão que intensifique a pressão seria realmente desastrosa.

Para o público, as consequências são igualmente significativas. Os filmes e a televisão são há muito vistos como ferramentas eficazes que forçam os espectadores a desafiar, afirmar e moldar sua compreensão do mundo e de si mesmos. Se as oportunidades de aprovar essas histórias diminuírem, isso inevitavelmente significará menos espelhos refletindo a sociedade.

Como Hollywood há muito tempo é uma das grandes exportações culturais dos Estados Unidos, a perda repercute além de suas fronteiras.

O caminho a seguir pode depender de duas frentes: os criativos encontrando novas maneiras de recuperar a propriedade, usando suas habilidades para construir empreendimentos e públicos independentes, e os espectadores assumindo a responsabilidade de buscar e sustentar essas produções.

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Mesmo assim, a independência criativa tem limites em uma indústria do entretenimento ainda controlada por poderosos agentes. A Warner Bros. terá que considerar um acordo que tenha mais chances de ser aprovado pelos órgãos reguladores. No clima político atual, a Paramount é amplamente vista como tendo uma vantagem significativa para concluir esse processo nos Estados Unidos.

Um acordo também teria que ser aprovado por órgãos reguladores em outras partes do mundo, incluindo o Reino Unido e a União Europeia. Seu novo CEO, David Ellison, e seu pai, Larry Ellison, conquistaram a simpatia do presidente Donald Trump. No início deste mês, Trump se gabou de que os Ellisons eram seus “grandes amigos” e “grandes apoiadores”.

Apoiei a aquisição da Paramount pela Skydance, do jovem Ellison, porque parecia uma chance de preservar um estúdio tradicional sob o comando de alguém que entendia do negócio do cinema. Sua trajetória — e a conexão de sua família com a Oracle, com seu alcance em IA e dados — sugeriam uma possível ponte entre a velha Hollywood e as novas tecnologias. Talvez ingenuamente, não esperava que ele estivesse de olho em outro estúdio poucos meses depois.

À medida que ele e outros tentam expandir seu domínio sobre a indústria, a questão não deve ser apenas se um acordo faria sentido no papel. Os executivos também devem considerar se Hollywood pode continuar sendo um lugar onde novas ideias encontram espaço para respirar e onde uma grande indústria americana ainda pode prosperar.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Paul Hardart é diretor do programa de entretenimento, mídia e tecnologia da Stern School of Business da NYU e diretor fundador do Programa de Pós-Graduação em Gerenciamento de Mídia da The New School. Foi executivo da Universal e da Warner Brothers.

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