Em Dublin, mercado de escritórios parecia boa aposta. Agora, gestoras amargam perdas

Depois da pandemia e de uma onda de demissões no setor de tecnologia, a taxa de vacância na capital irlandesa atingiu um dos maiores níveis na Europa; empresas como Blackstone, Brookfield e Henderson Park têm buscado vender ativos e assumido perdas contábeis

75 St Stephen’s Green
Por Natasha Voase - Olivia Fletcher
18 de Outubro, 2025 | 06:00 AM

Bloomberg — Um prédio de cinco andares parcialmente vazio, próximo à antiga casa da família Guinness, no centro de Dublin, dá uma amostra da desaceleração que atinge parte do mercado de escritórios da capital irlandesa.

A proprietária, Blackstone, está em negociações para devolver as chaves do imóvel localizado no número 75 de St. Stephen’s Green, comprado em 2019 como parte de um portfólio maior, aos credores.

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“Esses ativos foram prudencialmente reduzidos a zero há algum tempo, diante dos ventos contrários amplamente documentados que afetam o mercado de escritórios da Irlanda”, afirmou a Blackstone em resposta a perguntas da Bloomberg News. “São casos extremamente raros em nosso portfólio global de US$ 600 bilhões, no qual a exposição a escritórios é mínima.”

A Blackstone se junta a investidores como Brookfield Asset Management e Henderson Park na lista de empresas que viram seus investimentos no mercado de escritórios voltado ao setor de tecnologia em Dublin se deteriorarem.

Após a pandemia, a demanda caiu ao mesmo tempo em que a oferta aumentava — e a cidade agora tem uma das maiores taxas de vacância da Europa, acima de 17%. E o pior pode estar por vir.

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“Os escritórios em Dublin pareciam uma boa aposta, por conta do histórico da cidade em atrair e reter investimentos do setor de tecnologia dos Estados Unidos”, disse John McCartney, professor de mercado imobiliário da Technological University Dublin. “Mas, à medida que a vacância se desloca para prédios mais antigos, os proprietários terão de reduzir os aluguéis — e isso pode desencadear novas rodadas de cortes de custos.”

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Em toda a Europa, o fim da era dos juros baixos derrubou o valor dos imóveis, à medida que os preços se ajustaram às taxas de retorno mais altas disponíveis em outros ativos.

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Em várias cidades, o impacto foi parcialmente amortecido por uma combinação de oferta limitada e demanda robusta, o que elevou os aluguéis de espaços novos e de alta qualidade. Isso ajudou a suavizar a queda dos valores — que dependem tanto do aluguel gerado pelo prédio quanto do múltiplo que os investidores estão dispostos a pagar por ele.

Mas a taxa de vacância em Dublin dobrou nos últimos seis anos, superando os 10% registrados em Paris e os 8% de Londres e Lisboa, segundo dados da corretora CBRE Group.

Grande parte desse aumento está em escritórios suburbanos vazios, embora até mesmo os aluguéis de imóveis de alto padrão tenham caído cerca de 11% desde 2022, segundo a Knight Frank.

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Essa combinação levou a uma forte queda nos novos empreendimentos — o que pode fazer os aluguéis subirem no futuro, mas traz pouco alívio para as gestoras de private equity que apostaram na capital irlandesa no fim do período de juros baixos.

Com os valores em queda e empréstimos vencendo, nem mesmo a esperada recuperação foi suficiente para evitar as perdas.

No total, Blackstone, Brookfield e Henderson Park investiram pelo menos € 5 bilhões em dívida e capital em escritórios de Dublin entre 2019 e 2022.

O que deu errado

Após a pandemia, o número de novos escritórios entregues em Dublin disparou — mais de 200.000 metros quadrados em 2022, o maior volume da década, segundo dados da CBRE. Em seguida, veio um forte desaquecimento nas locações: a absorção de novas áreas caiu mais de 45% em 2023 e continua abaixo da média de longo prazo, mostram os dados.

O chamado “gray space” — áreas já alugadas, mas ainda desocupadas — também aumentou acentuadamente, pressionando ainda mais os proprietários em busca de inquilinos.

“Dublin teve um crescimento excessivo de oferta na última década”, disse Mitchell Briggs, analista da Green Street Advisors.

Perdas para a Blackstone

Alguns investidores foram pegos de surpresa. A Blackstone pagou € 535 milhões à Starwood Capital Group pelo chamado portfólio Cedar, que inclui o imóvel em St. Stephen’s Green. A Starwood concedeu um empréstimo mezzanine, enquanto a Pacific Investment Management Co. (Pimco) financiou a dívida sênior.

A Blackstone já vendeu partes do portfólio, mas os € 92 milhões restantes em capital próprio tiveram um write-off integralmente, segundo uma fonte próxima ao assunto que falaram com a Bloomberg News. A devolução das chaves ocorre em um processo de entrega consensual, afirmou essa pessoa, sob anonimato por se tratar de informação confidencial.

As conversas ainda estão em andamento e podem resultar em uma reestruturação. A Blackstone se recusou a comentar o valor da baixa contábil.

A gestora afirma que o episódio é uma exceção. Incluindo o portfólio Cedar, a empresa comprou ou financiou cerca de € 3 bilhões em imóveis em Dublin, com escritórios alugados a empresas como Meta Platforms e Amazon.

“Nosso portfólio de escritórios na Irlanda está concentrado em ativos novos e de alta qualidade, com inquilinos corporativos de longo prazo”, disse a empresa. “Embora a volatilidade de curto prazo possa continuar, o mercado de escritórios de Dublin está bem posicionado no longo prazo.”

Não é só um problema da Blackstone

Um fundo hipotecário da própria Blackstone também financiou a entrada da Henderson Park no mercado de escritórios de Dublin, com um empréstimo de € 1,2 bilhão para a aquisição da Green REIT em 2019. Fundada pelo ex-sócio do Goldman Sachs Nick Weber, a Henderson Park comprou a empresa imobiliária por € 1,34 bilhão.

Desde então, a gestora reduziu o valor dos imóveis da HPREF Dublin Office Bidco Limited — entidade criada para fechar o capital da Green REIT — em € 271,6 milhões, e acumulou uma perda total de € 347 milhões.

A empresa vem redirecionando seu portfólio para galpões industriais e de logística, mas ainda mantém escritórios, incluindo o complexo Central Park, no sul de Dublin. A operadora Vodafone deixará o local em breve, o que deixará ainda mais espaço vago. Segundo o site do Central Park, há pelo menos 18.580 metros quadrados disponíveis para locação.

“O Central Park está passando por um ciclo natural de locação e continua sendo o principal destino do mercado de escritórios suburbanos de Dublin”, disse a Henderson Park. “Nossos ativos tiveram bom desempenho durante todo o período de nossa gestão.”

Brookfield também é afetada

A Brookfield também chegou a disputar a compra da Green REIT em 2019, mas acabou perdendo para a Henderson Park. Em 2022, durante o verão europeu, fez seu próprio movimento: adquiriu a rival Hibernia REIT por € 1,1 bilhão, pouco antes de o Banco Central Europeu iniciar o ciclo de alta dos juros.

Desde então, a gestora reduziu o valor dos ativos em € 250 milhões, segundo documentos públicos. A empresa recentemente refinanciou parte da dívida ligada à Hibernia, substituindo o empréstimo de € 900 milhões usado na compra por uma nova dívida de € 700 milhões.

A Brookfield, porém, mantém o otimismo.

“O portfólio da Hibernia, composto por ativos de alta qualidade e bem localizados, mantém 98% de ocupação e uma base de inquilinos diversificada”, afirmou a empresa.

Há sinais de que o mercado pode estar voltando a reagir. O terceiro trimestre de 2025 registrou o maior volume de novas locações em mais de um ano, e há indícios de que os aluguéis voltaram a subir, segundo dados da CBRE.

Ainda assim, no mês passado, a construtora Glenveagh Properties afirmou que talvez apenas em 2028 seu edifício Freight Building, na zona norte dos docks de Dublin, esteja totalmente ocupado e pronto para venda.

Enquanto isso, no número 75 de St. Stephen’s Green, seguem avançadas as negociações para que o escritório de advocacia Maples Group, já inquilino do edifício, alugue mais espaço. Por ora, porém, um cartaz na fachada de vidro ainda anuncia 1.338 metros quadrados disponíveis em um dos endereços mais “nobres” da cidade.

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