‘Bazuca financeira’ de Trump mostra compromisso dos EUA com Milei antes de eleições

Intervenção americana de US$ 20 bilhões sublinha a fragilidade da economia argentina, que ainda busca estabilidade e confiança dos investidores, e é vista pelos argentinos como uma demonstração da determinação dos EUA em evitar um colapso econômico no país

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Bloomberg Opinion — Minha primeira lembrança econômica como criança crescendo na Argentina é do governo cortando zeros de sua moeda após sucessivas desvalorizações que tornaram as notas sem valor.

Isso foi em meados da década de 1980. Desde então, pensei que já tinha visto de tudo — hiperinflação, conversibilidade do dólar, confisco de poupanças, quatro calotes da dívida, inúmeras reestruturações e planos do FMI, controles de capital, estatísticas adulteradas, flutuações limpas, flutuações sujas, bandas, paridades rastejantes, taxas de câmbio múltiplas.

A história da economia argentina nas últimas décadas tem sido um caos sobreposto a outro caos.

Mas nunca imaginei que veria o que vi na quinta-feira (9): o Tesouro dos Estados Unidos comprou pesos — a moeda que os argentinos tradicionalmente menosprezam — enquanto anunciava um swap cambial de US$ 20 bilhões para reforçar as reservas do banco central.

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Para alguém que passou boa parte da vida obcecado, sofrendo e debatendo como consertar o que é indiscutivelmente a economia mais ingovernável do mundo, isso pareceu uma festa surpresa. A intervenção dos EUA no mercado monetário argentino ganha instantaneamente um capítulo nos livros de história econômica do país.

Entendo aqueles nos EUA que questionam se ajudar um caso perdido como o da Argentina é o melhor uso do tempo e do dinheiro do Tesouro. Afinal, o departamento liderado por Scott Bessent está apostando em uma moeda que perdeu 99,9% de seu valor desde o início do século.

Mas, aos olhos dos argentinos, os EUA usarem sua bazuca financeira para impedir uma corrida ao peso é exatamente o sinal de que os investidores precisavam para dissipar qualquer dúvida sobre a determinação do governo de Donald Trump em impedir o colapso da segunda maior economia da América do Sul.

É claro que há um motivo político óbvio. A intervenção extraordinária de Washington dá ao presidente Javier Milei — aliado ideológico que o presidente Donald Trump encontrará novamente na próxima semana na Casa Branca — o fôlego de que ele precisa antes das eleições cruciais de meio de mandato em 26 de outubro.

Depois de subir ao topo do firmamento libertário global desde sua vitória em 2023, Milei viu sua popularidade cair drasticamente após uma série de erros políticos caros e decisões econômicas ruins.

Talvez a frase mais marcante no anúncio de Bessent tenha sido quando ele vinculou o resgate da Argentina às prioridades estratégicas da Casa Branca: “o sucesso da agenda de reformas da Argentina é de importância sistêmica”, escreveu o secretário do Tesouro.

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Não sabemos a durabilidade desse compromisso — Trump já mostrou que pode mudar de ideia rapidamente (haja vista seus altos e baixos na relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva). Mas isso é claramente parte da nova abordagem da Casa Branca para o Hemisfério Ocidental, onde busca parceiros com ideias semelhantes dispostos a resistir à influência chinesa.

Milei aceitará esse apoio com prazer, concentrando-se agora em garantir o melhor resultado eleitoral possível, idealmente construindo uma coalizão parlamentar forte o suficiente para protegê-lo de qualquer tentativa de impeachment.

Será suficiente? O outro lado dessa intervenção é que ela lembra a todos da fragilidade do arranjo monetário e cambial da Argentina. O Santo Graal da estabilização e da credibilidade do mercado, necessário para atrair investimentos privados duradouros, continua distante.

Crucialmente, décadas de má gestão também deixaram os argentinos profundamente desconfiados de qualquer movimento repentino da moeda, a principal razão pela qual Milei resistiu até agora à adoção de um regime de câmbio flutuante.

Se os poupadores e as empresas passarem a acreditar que o peso está condenado, nem mesmo o dono da impressora de dinheiro será capaz de conter o apetite pelo dólar. Aqueles que defendem uma desvalorização mais profunda ignoram esse ponto crítico. Pode não ser totalmente racional, mas ignorá-lo seria suicídio político.

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Não é por acaso que os argentinos acumularam mais de US$ 250 bilhões em dinheiro no país e no exterior. Daí o apoio de Bessent à manutenção do atual sistema de banda cambial.

A abordagem equivocada de Milei na formação de coalizões, seus aliados eleitorais questionáveis e suas excentricidades merecem críticas. Sua equipe econômica também cometeu erros evidentes, incluindo políticas monetárias e cambiais inconsistentes.

No entanto, mesmo que estejam longe de ser completas, as tentativas de seu governo de controlar a inflação, equilibrar o orçamento e traçar um caminho para a sustentabilidade da dívida ainda merecem reconhecimento. A oposição peronista, por enquanto, está presa no oposto: prodigalidade fiscal, reestruturação da dívida e intervenção pesada.

Os argentinos votarão em breve sobre sua abordagem preferida, e os formuladores de políticas e contribuintes dos EUA descobrirão se seus dólares foram bem gastos.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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