Opinión - Bloomberg

Provável nova líder do Japão enfrenta mitos sobre sua posição política e econômica

A vitória de Sanae Takaichi como líder do Partido Liberal Democrático (PLD) no Japão, o que a coloca mais perto do cargo de primeira-ministra, surpreendeu e gerou reações mistas no cenário político

Sanae Takaichi
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — A perspectiva de um novo líder no Japão nem sempre gera entusiasmo internacional.

Mas a vitória um tanto surpreendente de Sanae Takaichi para se tornar líder do Partido Liberal Democrático (PLD), o que a coloca na primeira posição para se tornar primeira-ministra na próxima semana, abalou os mercados e energizou ambos os lados do espectro político.

É um momento de mudança de clima que levou a uma enxurrada de informações erradas e desinformação, já que a demanda por artigos de opinião sobre Takaichi supera a oferta. Quando o falecido Shinzo Abe retornou como líder do PLD em 2012, houve uma enxurrada semelhante de cobertura tentando apresentá-lo como um conservador radical que era “perigosamente nacionalista”.

Os pessimistas previram que Abe buscaria o retorno do militarismo japonês e que seus gastos econômicos levariam ao colapso da economia.

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Isso não refletiu a realidade. Mas corremos o risco de ver isso se repetir. E a velocidade com que os mitos se espalham é muito maior agora do que há mais de uma década. Vamos separar a ficção da realidade em algumas das afirmações.

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‘Ela faz parte da extrema direita’

Assim como Abe, muitos querem pintar Takaichi não apenas como de direita ou conservadora, mas uma “ultranacionalista”, uma radical ou uma Donald Trump mulher.

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Ela não facilita as coisas para si mesma, como, por exemplo, com o comentário imprudente que escreveu como legisladora júnior no qual endossava um livro sobre as táticas de campanha eleitoral de Hitler. Mas outras controvérsias frequentemente mencionadas são mais momentos de flagrante, como ser fotografada se encontrando com um negacionista do Holocausto.

Espere ler muito sobre o Nippon Kaigi, um grupo conservador de defesa do qual ela é membro e que alguns gostam de retratar como uma organização secreta sinistra que controla o poder japonês. Mas ele conta com centenas de legisladores, incluindo figuras de centro-esquerda, como o ex-líder Fumio Kishida, entre seus membros.

Isso segue o manual usado com Abe, com insinuações de tendências obscuras e culpa por associação. Em grande parte, o argumento não pegou — afinal, Abe esteve no poder por oito anos e, além de ter feito poucas coisas radicais, conseguiu realizar feitos como ampliar significativamente o papel das mulheres no mercado de trabalho, algo de que Takaichi agora se beneficia.

É claro que ela é profundamente conservadora e apoiou visitas ao controverso Santuário Yasukuni, que homenageia os mortos de guerra do Japão, incluindo condenados como criminosos de guerra.

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Ela não gosta de ideias como nomes separados para casais: a própria Takaichi se divorciou e depois se casou novamente com seu marido, adotando o nome dele na primeira vez, enquanto ele adotou o sobrenome dela na segunda.

Ela se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, embora diga que apoia as uniões entre elas.

Mas grande parte de sua plataforma dificilmente seria considerada extrema direita em muitos países — ela foca na reforma constitucional e em um exército forte. Essas opiniões não deveriam mais ser consideradas radicais no Japão.

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‘Ela quer que você trabalhe até se cansar’

Takaichi era presidente do PLD fazia apenas cinco minutos quando gerou sua primeira controvérsia. Durante seu discurso de aceitação no sábado (4), ela disse que iria “trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar” pelo bem do país e encorajou os legisladores a fazerem o mesmo.

Embora tenha sido um contraste bem-vindo às reclamações de seu antecessor, Shigeru Ishiba, sobre a dificuldade do cargo, ela causou polêmica com a promessa de “jogar fora a expressão ‘equilíbrio entre vida profissional e pessoal’”.

Ativistas pela redução da jornada de trabalho e contra a morte por excesso de trabalho a criticaram duramente. Ela já foi imprudente antes, mas essa não foi uma dessas ocasiões. Ela não estava falando para o público, mas para os legisladores do PLD — e quem não quer que políticos trabalhem duro?

Takaichi é uma notória workaholic, que cuida do marido, um ex-legislador que está se recuperando de um derrame, e se dedica às horas exaustivas enfrentadas pelos políticos japoneses seniores.

‘Ela é (de alguma forma) um revés para a igualdade de gênero '

Supondo que ela seja aprovada pelo parlamento, o país terá uma líder mulher anos à frente dos EUA, tornando-se também um dos poucos países onde tanto o governo nacional quanto a capital são liderados por mulheres (a governadora de Tóquio, Yuriko Koike).

É importante notar que a própria Takaichi não dá muita importância ao seu gênero. E como ela vem do lado errado do espectro político para alguns, isso é considerado um problema. “Takaichi quebra o teto de vidro, mas há preocupações de que isso possa ser um revés para a igualdade de gênero”, disse o jornal Mainichi.

Isso parece injusto para uma mulher que, ao contrário de muitos legisladores, não nasceu em berço de ouro. Ela quer ver o número de mulheres em seu gabinete igual ao dos países nórdicos, embora um obstáculo em seu caminho seja o baixo número de legisladoras que poderiam ocupar esses cargos.

Se, como disse Billie Jean King, “você tem que ver para se tornar”, então ela será uma inspiração para outras pessoas seguirem.

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‘Ela é a Abenomics 2.0′

O índice Nikkei 225 Stock Average subiu 4,8% na segunda-feira (6), após a vitória de Takaichi. Mas sou cético quanto à ideia de que ela será a Abenomics 2.0 - em referência à política econômica de Shinzo Abe para impulsionar o crescimento econômico -, com um novo aumento enorme nos gastos fiscais e o Banco do Japão seguindo o mesmo caminho.

No passado, Takaichi certamente foi uma defensora de políticas de gastos livres. Mas o PLD não está em posição de impor planos tão radicais atualmente. Na verdade, mesmo com o parceiro de coalizão Komeito, o partido não está em posição de impor nenhuma política, pois não tem maioria nas duas casas do parlamento.

Ela também terá uma dívida para com pessoas mais sensatas, como Taro Aso, cujas manobras políticas teriam sido fundamentais para sua vitória.

Há muitos obstáculos no caminho para que ela se torne um sucesso — incluindo sua própria natureza, por vezes precipitada. De qualquer forma, isso será atenuado pela realidade política. Vamos julgar a verdadeira Takaichi por suas ações, e não por rumores online.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Gearoid Reidy é um colunista da Bloomberg Opinion que cobre o Japão e as Coreias. Anteriormente liderou a equipe de notícias ao vivo no norte da Ásia, e foi o chefe adjunto de Tóquio.

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