Bloomberg Opinion — Com exceção do próprio apresentador Jimmy Kimmel, a única pessoa que tinha tanto a ganhar ou perder com a volta do comediante à TV na noite de terça-feira (23) era Bob Iger, o CEO da Walt Disney.
No fim das contas, tinha sido dele a decisão de afastar Kimmel — algo que pareceria impensável três anos atrás, quando Iger voltou à Disney para um segundo mandato no comando da empresa.
De lá para cá, Iger passou de CEO combativo a um executivo que se curvava com facilidade. Essa transformação resume a trajetória da maior parte do mundo corporativo nos últimos anos. Em vez de agir como contraponto à Casa Branca, como fizeram muitos CEOs durante o primeiro governo de Donald Trump, os líderes executivos passaram a disputar espaço para agradar o presidente, reclamando apenas em conversas privadas.
Mas a decisão final de Iger de recolocar Kimmel no ar, apesar da enorme pressão política, indica que a narrativa começa a mudar novamente — as empresas percebem que precisam traçar limites e reagir ao governo.
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Não se trata de uma súbita redescoberta do “princípio moral” por parte de Iger ou da Disney, mas de uma constatação: ceder pode sair mais caro do que resistir.
Na sua primeira passagem como CEO, Iger transformou a defesa de causas em parte da sua marca pessoal. Ele integrou o grupo de líderes empresariais que criticou a proibição de viagens a países de maioria muçulmana. Cobrou ação dos políticos após o massacre em Las Vegas. Abandonou o conselho consultivo da Casa Branca “por questão de princípio” quando Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris.
Mesmo depois de deixar o cargo, Iger continuou se posicionando, o que pavimentou o caminho para sua volta como o tipo de líder que o momento parecia exigir.
Quando Bob Chapek, seu sucessor escolhido a dedo, permaneceu em silêncio sobre o projeto de lei “Don’t Say Gay” da Flórida, Iger foi ao X (antigo Twitter) criticar a proposta e disse à CNN: “Acho que é preciso fazer o que é certo, sem se preocupar com a reação que isso pode gerar.”
Já de volta ao posto, o CEO enfrentou o governador da Flórida, Ron DeSantis, que fez da Disney um de seus primeiros alvos na chamada “era anti-woke”.
Iger classificou as tentativas de punição à empresa como “não apenas antiempresariais, mas antifloridenses”. A Disney processou o governo estadual, defendendo o caso como uma questão de liberdade de expressão.
Mas, desde o retorno de Trump à presidência, Iger parece ter esquecido como lidar com um valentão. Em vez de manter posição firme, entregou de antemão o que o governo poderia exigir. Reduziu esforços em políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI), alterou conteúdos — retirou uma trama sobre personagem trans de uma série e recuou na estreia de um remake considerado polêmico por críticos.
E, mais grave, anunciou em dezembro que a Disney doaria US$ 15 milhões à fundação ou museu presidencial de Trump para encerrar um processo de difamação contra a rede ABC.
Mesmo assim, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) enviou carta à Disney informando que investigava a empresa e a ABC por “promover formas nocivas de políticas DEI”.
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Quando começou a pressão para retirar Kimmel, Iger já deveria saber que a estratégia de apaziguamento não funciona — as exigências só mudariam de lugar.
O que diferenciou este episódio foi a reação pública à capitulação da Disney: manifestantes se reuniram diante da sede, consumidores cancelaram assinaturas do Disney+, 400 celebridades, incluindo Tom Hanks e Meryl Streep, assinaram uma carta aberta da ACLU criticando a decisão, Barack Obama postou sua preocupação no X e o ex-CEO Michael Eisner questionou em sua conta: “Para onde foi a liderança?”.
A reação alterou o cálculo de Iger: proteger a empresa agora exige enfrentar, não se calar.
Apesar da volta de Kimmel, o pesadelo da Disney está longe de acabar. O presidente Trump ameaçou processar novamente a ABC, alegando sua vitória anterior contra a emissora. Nexstar Media Group e Sinclair, grandes proprietários de afiliadas da ABC, continuam a boicotar o programa.
Iger, cujo contrato termina no fim de 2026, voltou à Disney para salvar a empresa e preservar seu legado. O modo como vai conduzir a companhia em meio a uma crise em parte criada por ele mesmo será decisivo para definir que legado será esse.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Beth Kowitt é colunista da Bloomberg Opinion e cobre o mundo corporativo dos Estados Unidos. Foi redatora e editora sênior da revista Fortune.
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