Bloomberg Opinion — Este é o pesadelo dos conselhos.
A Nestlé demitiu o CEO Laurent Freixe na segunda-feira (1º), depois que uma investigação interna revelou um relacionamento amoroso não divulgado com uma subordinada direta. Após quase quatro décadas na empresa, Freixe durou apenas um ano no cargo mais alto.
Não era assim que as coisas deveriam ter acontecido: Freixe deveria representar um retorno à antiga Nestlé. Seu antecessor, Mark Schneider, havia incomodado a gigante de consumo insular e conservadora com seu estilo de liderança direto.
Freixe disse ao Financial Times no início deste ano que Schneider – apenas o segundo CEO externo na história da empresa – havia “enfraquecido a estrutura da organização”.
Freixe foi apresentado como o oposto, uma aposta segura que “restauraria a reputação da empresa de previsibilidade um pouco enfadonha”, como afirmaram os analistas do RBC.
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Em vez disso, ele criou uma crise que o conselho da Nestlé tenta combater, sinalizando que está no controle da governança e do planejamento da sucessão.
Em vez de nomear um líder interino, como muitas empresas fazem após a saída abrupta de um CEO, a Nestlé imediatamente escolheu Philipp Navratil, um funcionário de longa data, para o cargo.
O conselho provavelmente tinha Navratil em mente como um eventual candidato a CEO, tendo o nomeado para a diretoria executiva em outubro de 2024.
A medida tem como objetivo transmitir que tudo na Nestlé continua como de costume; Navratil afirmou isso em um comunicado à imprensa: “apoio totalmente a direção estratégica da empresa, bem como o plano de ação em vigor para impulsionar o desempenho da Nestlé”.
Mas continuar na mesma linha não é uma aposta segura para a Nestlé. Há um grande risco em manter o status quo em uma empresa cujas ações perderam quase um terço do seu valor nos últimos cinco anos; quase metade dessa queda ocorreu sob a gestão de Freixe.
A continuidade é ótima quando os tempos são bons, mas esse não é o caso da Nestlé, que enfrenta uma desaceleração nas vendas.

Navratil pode muito bem ser a pessoa certa para o cargo e surpreender os investidores com sua disposição de mudar as coisas. Mas essa não é a mensagem que o conselho da Nestlé envia com sua escolha, nem é a licença que parece dar ao seu novo CEO.
É óbvio por que a Nestlé quer um CEO sem riscos em meio ao caos – pena que tal coisa não existe realmente, como Freixe acabou de nos lembrar convenientemente.
O conselho soube pela primeira vez de seu relacionamento com uma subordinada por meio de uma linha direta interna da empresa.
Freixe inicialmente negou o relacionamento, de acordo com a Reuters, e a primeira investigação do conselho se mostrou inconclusiva.
Mas as alegações não desapareceram, e uma segunda investigação com um advogado externo as confirmou.
O conselho não teve escolha a não ser demiti-lo. Não se trata do que o site de notícias Semafor chamou de “puritanismo corporativo” ou da ideia de que as empresas se tornaram excessivamente sensíveis em relação a CEOs que mantêm relacionamentos consensuais com funcionários.
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Freixe violou a política da empresa e tentou enganar o conselho depois do ocorrido. Como já escrevi exaustivamente em meio a uma série de CEOs demitidos por mau comportamento, os conselhos consideram cada vez mais o que essas falhas éticas dizem sobre quais outras regras um executivo pode estar disposto a infringir.
“Sabemos que os conselhos consideram esse tipo de relacionamento – especialmente se for extraconjugal – como sinais de que o funcionamento da organização não é rigoroso”, me disse a professora de psicologia da Universidade de New Haven, Amy Nicole Baker, no ano passado, quando a Norfolk Southern demitiu o então CEO Alan Shaw por violar suas políticas ao ter um relacionamento consensual com a diretora jurídica da empresa.
“Não se trata necessariamente de valores. É um sinal de que pode haver outros problemas para o conselho.”
O conselho agiu corretamente ao demitir Freixe de forma decisiva. Mas não aprendeu a lição mais importante: a escolha segura nem sempre é o que você pensa. E, na pressa de voltar à “previsibilidade entediante” do passado da Nestlé, perdeu a chance de buscar uma surpresa bem-vinda.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Beth Kowitt é colunista da Bloomberg Opinion e cobre o mundo corporativo dos Estados Unidos. Foi redatora e editora sênior da revista Fortune.
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