Bloomberg Opinion — Um artigo de pesquisadores do fundo de hedge AQR Capital Management e da Universidade de Yale aborda uma das questões mais importantes das finanças: a inteligência artificial e o machine learning substituirão os pesquisadores e traders humanos?
Em 44 páginas de uma teoria densamente escrita e resultados empíricos sob o título The Virtue of Complexity in Return Prediction (“A virtude da complexidade na previsão de retorno”, em tradução livre), Bryan Kelly, Semyon Malamud e Kangying Zhao afirmam que modelos mais complexos – difíceis demais para serem processados por seres humanos – superam modelos mais simples.
Segundo a Bloomberg News, a reação foi rápida, e pelo menos seis artigos contestaram as conclusões, que Kelly posteriormente defendeu.
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Quem vai vencer? Minha aposta é em Kelly e seus colegas. Os argumentos teóricos são assustadoramente técnicos, mas a questão básica é antiga e fácil de entender.
Uma abordagem para a previsão é procurar alguns indicadores-chave com ligações causais claras com o que você deseja prever e combiná-los de maneiras simples.
Para prever o retorno do mercado de ações no próximo mês, por exemplo, você pode analisar o retorno deste mês, as taxas de juros, os índices preço/lucro e variáveis semelhantes. Todo o resto é tratado como ruído aleatório a ser ignorado.
O problema de usar muitos indicadores ou combiná-los de maneiras excessivamente complexas é o “ajuste excessivo”. Você obtém um modelo que explica perfeitamente o passado, mas não explica nada do futuro.
Se o seu interesse é compreender ou explicar as coisas, a abordagem simples acima é claramente o caminho a seguir.
Mas se você estiver interessado apenas em previsões, há outra maneira: colocar todos os indicadores imagináveis no modelo (o termo técnico é “modelo kitchen sink”) e tentar todas as combinações complexas.
Se as ações com “V” no ticker tendem a subir nas terças-feiras chuvosas, isso deve constar no seu modelo. A ideia é que, mesmo que um indicador não tenha valor preditivo, ele não prejudica suas previsões; apenas adiciona ruído. Você pode colocar tudo e depois reduzir o ruído ou fazer muitas negociações para que o ruído seja diversificado.
O debate desencadeado pelo artigo é mais sutil do que essa ilustração. Kelly e os outros não estão colocando todos os indicadores possíveis em seu modelo, mas apenas 15 variáveis com 12 valores mensais cada – 300 no total – a partir das quais eles ajustam 12.000 parâmetros para prever o retorno do mercado de ações no mês seguinte. Eles não usam as letras dos tickers nem o clima das terças-feiras. Seus oponentes não estão defendendo apenas os modelos mais simples; eles apenas negam que a complexidade seja sempre uma virtude.
Um debate muito semelhante ocorreu há meio século no contexto da roleta. No início da década de 1960, Ed Thorp, o professor de matemática que criou a contagem de cartas no Blackjack, e Claude Shannon, o pai da teoria da informação, construíram o primeiro computador wearable do mundo para prever as rodadas da roleta.
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Os sistemas anteriores para vencer na roleta baseavam-se na tabulação de resultados anteriores para encontrar números que apareciam com mais frequência do que outros. Muitas pessoas argumentavam que as roletas eram muito bem fabricadas para se obter uma vantagem útil a partir disso.
A principal ideia de Thorp era que, se as rodas da roleta fossem construídas com precisão suficiente para que cada número aparecesse com a mesma frequência, elas teriam de ser previsíveis. O seu trabalho inicial mostrou que uma rodada da roleta tinha duas fases.
Quando a bola girava contra o aro externo da tigela (a pista da bola) e o cabeçote da roda (a parte móvel com todos os números) girava na direção oposta, o sistema era governado pela física newtoniana simples.
Se você soubesse a velocidade da bola e do cabeçote da roda e os coeficientes de atrito, seria simples prever qual número estaria sob a bola quando ela saísse da pista e caísse no cabeçote da roda.
Depois que a bola saía da pista, giros e saltos tornavam seu movimento caótico e difícil de prever. No entanto, apenas saber qual número estava sob a bola quando ela saía da pista permitia identificar um terço da roda em que a bola cairia 40% das vezes – mais do que suficiente para apostas lucrativas.
Isso levou a um dos princípios fundamentais para os investidores quantitativos: a oportunidade consiste em encontrar a previsibilidade das coisas que outras pessoas tratam como aleatórias e a incerteza nas coisas que outras pessoas tratam como determinísticas.
Na década de 1970, construir um computador de roleta e provar que ele funcionava era um dos ritos de passagem para os quantitativos.
Esses dispositivos eram indiscutivelmente legais na época. Os cassinos geralmente tinham regras contra dispositivos como ímãs que afetavam os resultados, mas não contra dispositivos que apenas os previam.
Em 1985, Nevada proibiu os dispositivos de previsão. Outras jurisdições, como o Reino Unido, deixam isso a cargo de cada cassino, mas ainda há muitos que não têm regras contra eles. As melhorias na tecnologia levaram a grandes avanços na precisão e confiabilidade.
Quando tentei fazer isso em meados da década de 1970, o campo havia se dividido. Um grupo, os físicos, dedicou sua energia a melhorar os dispositivos de medição. Eles usavam equações complexas para processar os dados relevantes usando modelos causais derivados da física. Eu me inclinava para o outro grupo, os estatísticos.
Usávamos versões primitivas de algoritmos de machine learning para explorar padrões. Queríamos aproveitar não apenas os fatores determinísticos, assumindo uma roda de roleta perfeita, mas também os padrões das imperfeições, como alguns números sendo um pouco mais suaves ou mais duros do que outros, ou a roda não estar totalmente horizontal.
Medimos muito mais fatores do que os físicos, mas com menos precisão em cada um deles, e analisamos muitos dados que poderiam parecer irrelevantes.
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Os dois grupos tiveram discussões bastante semelhantes às atuais sobre a virtude da complexidade. A grande vantagem dos físicos eram os dispositivos que exigiam pouco ou nenhum treinamento para rodas individuais, uma vez que se baseavam em leis físicas universais, em vez das imperfeições das rodas individuais.
Nossas vantagens eram o baixo custo e a maior precisão de previsão — especialmente nos cassinos mais desleixados, com rodas mais baratas e manutenção negligente — ao custo de precisar de horas de calibração antes que as apostas se tornassem lucrativas.
Cassinos bem administrados trocam os cabeçotes das rodas e as cubas todas as noites, então não podíamos confiar na calibração de ontem para as apostas de hoje.
Há 50 anos, aposto na complexidade em vez da teoria e na previsão em vez da compreensão. Há muito tempo sinto que o machine learning e a inteligência artificial substituirão analistas e traders humanos (assim como motoristas, médicos, advogados e cientistas, entre muitos outros).
Algoritmos vencedores de machine learning e IA encontrarão seus próprios padrões a partir do máximo de dados possível, em vez de serem guiados por humanos para selecionar dados relevantes e impor restrições teóricas a priori às respostas. Mas muitas vezes estou errado, então não aposte todo o seu dinheiro no número que meu computador de roleta mais gosta.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Aaron Brown foi chefe de pesquisa de mercado financeiro na AQR Capital Management. Ele é um investidor ativo em criptomoedas e tem investimentos de capital de risco e vínculos de consultoria com empresas de criptoativos.
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