Bloomberg Opinion — A guerra comercial do presidente americano Donald Trump tinha como objetivo reequilibrar o poder global a favor dos Estados Unidos. Em vez disso, a China está focando no longo prazo, suportando as dificuldades econômicas de curto prazo para moldar qualquer acordo final a seu favor.
A estratégia parece estar funcionando — por enquanto. Na segunda-feira (12), Washington concedeu a Pequim mais 90 dias de adiamento, prorrogando a pausa nas tarifas até 10 de novembro. A China anunciou que faria o mesmo.
Os mercados receberam bem a medida, que ofereceu algum alívio após meses de tensão. O adiamento dará aos formuladores de políticas do presidente Xi Jinping mais tempo para planejar seu próximo passo.
O tempo é aliado de Xi. Até agora, o resultado mais claro de cada rodada de negociações tem sido o compromisso de se reunir novamente.
Apesar da insistência de Trump de que a China tomou medidas significativas para melhorar suas relações comerciais, Pequim não fez concessões significativas em nenhuma de suas principais preocupações – o governo chinês ofereceu alguns pequenos acordos, mas nenhum na escala das demandas americanas.
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A prorrogação veio em um momento delicado para a economia, que é afetada pela demanda interna fraca e pela desaceleração do setor imobiliário.
A Bloomberg Economics afirma que a China está entre os poucos países importantes sem um cronograma ou termos claros para um acordo, enquanto outros firmaram acordos para garantir tarifas mais baixas.
Mesmo com essa prorrogação, observa a agência, Pequim enfrenta tarifas médias dos EUA de 40% – quase 25 pontos percentuais acima da média global.
Isso prejudicará as perspectivas dos cidadãos chineses, que desfrutaram de mais de três décadas de crescimento próximo a dois dígitos.
A economia chinesa cresceu 5,2% em abril-junho em relação ao ano anterior — invejável para os padrões globais —, mas a ansiedade entre a classe média, outrora próspera, em relação ao futuro de seus filhos está aumentando.
O desemprego entre os jovens continua persistentemente alto, com uma taxa de 14,5% em junho. O número melhorou nos últimos meses, mas analistas apontam para desafios significativos: mais de 12 milhões de estudantes universitários estão prestes a se formar com a esperança de ingressar no mercado de trabalho.
Ainda assim, a China aposta que, apesar desses custos econômicos, pode lutar essa guerra comercial até o fim.
Politicamente, Pequim prepara a população para uma longa batalha. Editoriais da mídia estatal nos últimos meses elogiaram uma filosofia da era Mao como uma possível estratégia para combater a pressão americana.
Eles fazem referência ao ensaio de 1938 do ex-líder chinês, Sobre a Guerra Prolongada, que expôs sua abordagem para combater a invasão japonesa entre 1937 e 1945.
Durante uma série de palestras em maio e junho de 1938, Mao Tsé Tung falou sobre como a “disputa de força não é apenas uma disputa de poder militar e econômico, mas também uma disputa de poder humano e moral”.
Estudiosos dizem que a ideia era alertar seus concidadãos de que a guerra seria longa e árdua, mas poderia ser vencida com resistência e união.
Apesar de milhões de chineses mortos, Mao se recusou a ceder. O conflito só terminou após a rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial, em 1945 (a guerra civil de Mao com os nacionalistas durou mais quatro anos).
Xi parece seguir o conselho de seu antecessor: paciência, a todo custo – com o objetivo de mudar as chances a favor de Pequim.
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Internamente, Xi tem à sua disposição as alavancas do estado chinês para ajudá-lo a criar uma narrativa já bastante usada de que o Ocidente mantém a China oprimida. A guerra comercial alimentou essas opiniões, que caem bem para uma população já insatisfeita.
Internacionalmente, Trump faz grande parte do trabalho pelo líder chinês. Em contraste com o caos de Washington, desde o comércio até a admissão de estudantes internacionais em universidades, Pequim se apresenta como defensora do multilateralismo – apesar de também estar tentando remodelar a ordem mundial a seu favor.
A China está satisfeita em manter as negociações, mas é improvável que faça concessões, como afirma William Yang, analista sênior do International Crisis Group para o Nordeste Asiático, em uma nota.
“A China acredita que o momento é favorável, porque Trump tem um desejo mais forte de assinar um acordo com Pequim para que possa reivindicar a vitória e garantir uma cúpula com Xi no outono.”
Mas a influência econômica de Washington se deteriora gradualmente, à medida que a China avança com sua estratégia de autossuficiência.
Pequim quer reduzir a dependência dos mercados dos Estados Unidos e aprofundar o controle sobre as cadeias de abastecimento críticas, como observa um relatório do think tank RAND.
Na segunda-feira, a China instou as empresas locais a evitar o uso dos processadores H20 da Nvidia (NVDA), principalmente em projetos governamentais, após uma diretiva da Casa Branca exigindo que ela e a Advanced Micro Devices (AMD) paguem 15% das vendas chinesas de chips de IA a Washington.
Como Mao escreveu, “a vitória final não virá sem ação humana”. Trump pode alardear seus sucessos em subjugar a economia chinesa. Ao apostar no tempo e na resiliência, Pequim mostra que está disposta a esperar pela vitória.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Karishma Vaswani é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a política da Ásia com foco especial na China. Anteriormente, foi a principal apresentadora da BBC na Ásia e trabalhou para a BBC na Ásia e no Sul da Ásia por duas décadas.
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