Bloomberg — A máquina de fazer dinheiro da Macquarie para banqueiros de elite, há muito vangloriada, tem mostrado sinais de desgaste.
Conhecida como a “fábrica de milionários”, a gigante financeira australiana há anos concede uma remuneração mais generosa do que rivais por toda a Ásia para seus altos executivos e seus dealmakers.
Em um caso recente, por exemplo, o ex-chefe de commodities Nick O’Kane ganhou mais que o CEO do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, antes de deixar a empresa no ano passado.
Mas uma série recente de falhas na governança e saídas de executivos seniores coloca o modelo em risco. A Macquarie enfrenta penalidades potenciais de centenas de milhões de dólares após despertar a ira de reguladores em diversos países, dos EUA e Reino Unido à Austrália.
As preocupações também crescem entre investidores que exigem mais responsabilização da administração.
O maior golpe veio na quinta-feira (31) quando mais de um quarto dos acionistas da empresa, incluindo alguns dos maiores fundos de pensão do país, rejeitaram o plano de remuneração executiva do banco em assembleia anual.
A repreensão ao conselho aumenta o risco de um voto de confiança no próximo ano.
“Esperamos maior transparência sobre como questões de conformidade regulatória afetaram a divisão de lucros em todos os níveis da empresa”, disse Debby Blakey, chefe do fundo HESTA, que detém cerca de 0,8% da Macquarie e votou contra o plano salarial. “Isso pode gerar confiança de que a empresa está tomando medidas em resposta às questões levantadas.”
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No início do mesmo dia, investidores da Macquarie e seus próprios executivos ficaram chocados com a notícia de que o diretor financeiro (CFO) Alex Harvey se aposentará, segundo pessoas familiarizadas com o assunto que falaram com a Bloomberg News.
Harvey, que passou quase três décadas na empresa, era visto como ambicioso e determinado pelos colegas, e até recentemente era considerado um dos principais candidatos para eventualmente comandar o banco, disseram elas, que pediram para não serem nomeadas ao discutir assuntos privados.
Os riscos são altos para a CEO Shemara Wikramanayake consertar os problemas em um dos impérios financeiros mais complexos do mundo.
Desde seu início como unidade da britânica Hill Samuel em 1969, a Macquarie agora tem operações que abrangem negociação de energia e gás até mercados privados e investimentos em infraestrutura. Também gerencia cerca de 1 trilhão de dólares australianos (US$ 646 bilhões) em ativos.
No Brasil, a empresa tem participações na CLI (Corredor Logística e Infraestrutura), na Solví e na Ventos de São Zacarias, segundo o portfólio disponível em seu site, por meio da sua gestora Macquarie Asset Management. Em maio, o grupo acertou a aquisição de 100% do capital da Monte Rodovias, concessionária que opera rodovias na Bahia, em Pernambuco e no Mato Grosso.

A pressão tem aumentado sobre a CEO, uma veterana de quatro décadas de empresa, para tomar uma atitude mais firme e disciplinar banqueiros, enquanto mostra que pode recapturar o momentum de crescimento anterior, segundo mais de uma dúzia de investidores, analistas, funcionários atuais e ex-funcionários entrevistados pela Bloomberg News.
A Macquarie recusou-se a comentar.
Já as investigações regulatórias prejudicaram a empresa avaliada em 83 bilhões de dólares australianos (US$ 53,7 bilhões).
As ações dos chamados “quatro grandes” bancos da Austrália se beneficiaram da reputação do setor como refúgio em meio às guerras tarifárias, mas a Macquarie caiu 2% neste ano.

Ainda assim, alguns gestores de fundos dizem que suas participações na Macquarie oferecem exposição global incomparável aos bancos domésticos.
O momento e a forma como foi anunciada a aposentadoria do CFO Alex Harvey, de 54 anos, levantaram questionamentos, com a notícia inserida entre uma atualização de resultados e do guidance no comunicado de quinta-feira.
O CFO mais bem pago da Austrália teve suas responsabilidades expandidas em janeiro para incluir pessoas e engajamento, exigindo que ele protegesse e promovesse a reputação global da Macquarie.
Harvey, ex-banqueiro de investimento de tecnologia e mídia que depois chefiou as operações asiáticas da empresa, estava cansado do rigor diário, segundo o relato de pessoas que falaram com ele. Isso acontece enquanto Wikramanayake provavelmente estenderá seu mandato em meio à incerteza atual, disseram elas.
Harvey não estava disponível para comentário.
Na assembleia anual da semana passada, o chairman Glenn Stevens repeliu afirmações de que sua equipe fez muito pouco para cortar a remuneração executiva quando as coisas deram errado nos últimos anos.
“Encontramos um problema, assumimos o problema e nos movemos para resolvê-lo”, disse Stevens, ex-governador (presidente) do banco central australiano.
Ele acrescentou que mais pode ser feito nos próximos meses para reduzir os bônus após uma ação judicial movida pelo regulador de mercados.

Embora o pacote salarial de 24 milhões dólares australianos (US$ 14,9 milhões) da CEO para o ano encerrado em 31 de março tenha sido reduzido, o pagamento a seus outros nove diretores principais foram amplamente não afetados.
Eles receberam mais de 100 milhões de dólares australianos (US$ 64,7 milhões) em remuneração combinada, que é uma mistura de salário fixo e ações e bônus vinculados ao desempenho.
O conselho e liderança da Macquarie “fecharam os olhos por muito tempo porque estavam ganhando tanto dinheiro e ninguém faria nada contra eles”, disse Andy Schmulow, professor associado da Universidade de Wollongong especializado em risco de conduta em serviços financeiros.
A ação movida em maio alegou que a empresa reportou incorretamente milhões de vendas a descoberto por mais de 14 anos, uma medida que carrega penalidade de até 783 milhões de dólares australianos (US$ 506,3 milhões).
Joe Longo, presidente da Comissão Australiana de Valores Mobiliários e Investimentos, acusou a empresa de complacência e arrogância em sua cultura de conformidade. A Macquarie disse que está trabalhando em um plano de melhoria.
Há outras dores de cabeça fora da Austrália. Na Alemanha, a empresa está envolvida em uma investigação que recai sobre toda a indústria relacionada à negociação de dividendos. Cerca de 100 funcionários atuais e ex-funcionários foram designados como suspeitos pelas autoridades, e a Macquarie enfrenta várias ações civis.
Nos Estados Unidos, a Macquarie pagou multa de cerca de US$ 80 milhões em setembro para resolver acusações incluindo superavaliar obrigações hipotecárias garantidas.
No Reino Unido, sua unidade britânica foi penalizada em £13 milhões (US$ 17 milhões) após um trader júnior na mesa de metais de Londres registrar negócios fictícios.
No geral, mais de 50 pessoas foram demitidas no último ano fiscal por conduta imprópria ou violações de política, entre os cerca de 140 casos revisados, segundo apresentação do banco. Alguns pagamentos foram retidos de executivos devido a falhas nos EUA, segundo Stevens.
Enquanto isso, os gastos com conformidade regulatória na empresa sediada em Sydney mais que dobraram nos últimos cinco anos para cerca de 1,2 bilhão de dólares australianos (US$ 776 milhões), mostrou apresentação separada, mesmo enquanto luta com exigências de capital mais rígidas.
A dissidência dos acionistas “reflete preocupações contínuas sobre o alinhamento entre remuneração e desempenho, bem como expectativas por transparência e responsabilização”, segundo a CEO da Associação de Acionistas Australianos, Rachel Waterhouse.

Um investidor institucional da Macquarie que recusou ser identificado disse que o regulador pode ser muito mais rigoroso com o banco no futuro quando se trata de liquidez e exigências de capital.
Um executivo de outro grande acionista apoiou o pacote salarial da empresa, argumentando que a remuneração precisa ser competitiva com grandes empresas de Wall Street.
Os problemas da Macquarie se somam a uma série de investigações regulatórias em empresas australianas, muitas das quais lutaram para abandonar sua cultura de “cowboy”.
Na ANZ Group Holdings, uma série de comportamentos ruins de traders incluindo abuso de álcool e substâncias levou o regulador a impor exigências de capital punitivas e eventualmente levou à saída do CEO Shayne Elliott.
Até a operadora da bolsa de valores, ASX, está sob revisão por falhas “repetidas e sérias” em governança e gestão de risco.
Para a Macquarie, a série de problemas reacendeu questões sobre quem eventualmente sucederá a CEO Wikramanayake, de 62 anos.
Em seus sete anos no comando, ela forjou uma reputação que alguns que trabalharam com ela rotularam como “punho de ferro em luva de pelica” — capaz de se manter em um ambiente cheio de tomadores de risco.
Outros banqueiros seniores, no entanto, dizem que ela frequentemente é distante e desapaixonada, deixando seus subordinados tomar suas próprias decisões.

A saída de Harvey deixa o chefe de gestão de ativos, Ben Way, e o chefe da Macquarie Capital, Michael Silverton, entre os principais candidatos a substituto de CEO, disseram as pessoas familiarizadas com o assunto à Bloomberg News.
Wikramanayake precisa convencer o mercado de que a Macquarie pode continuar impulsionando crescimento, mesmo enquanto refreia riscos.
O lucro da empresa subiu 5% para 3,7 bilhões de dólares australianos (US$ 2,39 bilhões) no ano encerrado em 31 de março, embora isso tenha sido menor que o recorde de 5,2 bilhões de dólares australianos (US$ 3,36 bilhões) alcançado dois anos antes quando surfou a volatilidade nos mercados de commodities.
O banco substituiu O’Kane por Simon Wright, cuja divisão viu declínio de 12% no lucro no último ano fiscal e foi atingida pela saída de pessoas-chave de sua equipe norte-americana. As commodities e mercados globais permanecem de longe o maior contribuinte de lucros.
Analistas do JPMorgan se preocupam com o desempenho do negócio central da Macquarie, incluindo perdas de participação de mercado.
É “difícil não ser mais cético” sobre alcançar suas metas, disseram em nota este mês. Eles veem as falhas regulatórias da empresa adicionando pressão ao seu excesso de capital e assumiram que um buyback restante de 1 bilhão de dólares australianos (US$ 646,7 milhões) é cancelado.
“Para ser crítico, você provavelmente poderia dizer que a Macquarie perdeu oportunidades” que empresas rivais como KKR e Blackstone geraram na última década, disse Matthew Wilson, analista da Jarden Securities, que tem classificação ‘subpeso’ na Macquarie. As outras “cresceram muito mais rápido e muito maiores.”
-- Com a colaboração de Sharon Klyne, Adam Haigh, Richard Henderson e Cathy Chan. Com informações adicionais da Bloomberg Línea sobre os negócios do grupo no Brasil.
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