Bloomberg Opinion — Com o escândalo ocorrido no show da banda Coldplay se tornando um dos momentos mais virais do ano, você poderia até pensar que esta é a primeira vez na história que um CEO é desmascarado por ter o que certamente parece ser um relacionamento inadequado com uma subordinada.
Deixe-me dizer: isso está longe de ser verdade.
Como alguém que cobre a América corporativa, ver CEOs fazendo coisas inapropriadas com pessoas inapropriadas se tornou uma rotina. Com o tempo, aprendi muito - muito mesmo - sobre as indiscrições dos que estão no comando.
De certa forma, o fiasco de Andy Byron, CEO da Astronomer, é um caso exemplar.
Mas o caso também revela a maneira como nosso mundo cronicamente online transformou a forma como os CEOs – e os conselhos de administração das empresas – precisam pensar sobre a linha que separa a vida pública da vida privada dos chefes.
Há uma razão pela qual os CEOs que são pessoas inteligentes fazem coisas idiotas e acabam na posição de Byron.
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O poder pode fazer com que as pessoas acreditem que só colherão as vantagens de um comportamento de risco.
Por exemplo, as pessoas com um senso de poder mais elevado têm maior probabilidade de acreditar que evitarão turbulências em um avião ou encontrarão uma cobra perigosa nas férias.
É possível entender como elas também podem pensar que não serão vistas no telão em um show do Coldplay, apesar das evidências contrárias.
Os conselhos de administração têm a responsabilidade de prestar atenção à vida pessoal de um CEO, pois ela geralmente reflete sua conduta profissional.
Após a invasão do site de relacionamentos Ashley Madison em 2015, os pesquisadores tiveram um novo e robusto conjunto de dados para ajudá-los a estudar a conexão entre a traição em casa e a traição no trabalho.
Um estudo constatou que as empresas dirigidas pelos 47 CEOs e 48 CFOs incluídos nesse banco de dados (a grande maioria deles casados) tinham duas vezes mais probabilidade de ter uma declaração financeira incorreta ou de se envolver em uma ação coletiva de valores mobiliários.
No final das contas, passei a acreditar que não existe vida privada quando se é o grande chefe.
Esse tem sido cada vez mais o caso há anos, mas o escândalo da Astronomer ilustra como, na era das redes sociais e dos vídeos de smartphones, isso se tornou mais literal.
Para o bem ou para o mal, é impossível para qualquer um pressupor a expectativa de privacidade quando as câmeras estão sempre ligadas e a internet está sempre de olho.
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Se você é um CEO que não reconhece que essa é a situação atual, provavelmente é muito imprudente ou delirante para o cargo.
De fato, essa é a parte da história que sugere que entramos em um admirável mundo novo.
Antigamente, um CEO poderia ser demitido por ter um relacionamento indevido no trabalho depois que um delator fizesse uma denúncia.
Seguia-se uma investigação e a empresa fazia uma declaração. Na maioria das vezes, a empresa conseguia traçar uma estratégia antes que a notícia fosse divulgada.
Nesse caso, podemos presumir que o conselho de administração da Astronomer descobriu o mau comportamento do CEO ao mesmo tempo que todo mundo.
O conselho levou mais de 24 horas para responder ao vídeo e outras 24 horas se passaram até a demissão de Byron. Isso criou um vácuo que a internet adorou preencher.
Usuários bombardearam as contas do LinkedIn de Byron e de sua colega, a diretora de RH da Astronomer, Kristin Cabot (ambos acabaram desativando suas contas).
Outros identificaram erroneamente outra pessoa que assistia ao show como vice-presidente de RH da empresa, o que também a levou a desativar sua página no LinkedIn.
Eles encontraram a esposa de Byron no Facebook. Escreveram uma declaração falsa em nome de Byron, o que fez com que seu nome se tornasse o termo mais popular no Google. Apostaram se ele se divorciaria ou perderia o emprego. E milhares de memes foram criados.
Não se pode realmente dizer que a empresa perdeu o controle da narrativa, pois ela nunca teve esse controle.
Não existe um manual para que as indiscrições de um CEO sejam expostas de forma tão instantânea, pública e humilhante. Mas isso é um sinal para os conselhos corporativos de que é melhor começarem a elaborar um.
Também vejo algo novo na alegria do schadenfreude que acompanha o vídeo. Será que ele teria atingido o mesmo nível de viralidade se tivesse a participação de dois cidadãos comuns em vez de dois executivos de alto escalão?
Parte do que tornou os memes e o drama tão bons é a maneira como o público está se sentindo em relação aos CEOs no momento.
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As pessoas que estão no comando estão zombando das regras que seguimos. Eles querem que as pessoas voltem ao escritório, produzam mais e trabalhem mais horas, ao mesmo tempo em que monitoram cada clique e instilam o medo de que a IA vai acabar com os empregos. Enquanto isso, eles estão em um show do Coldplay violando a política de RH com a chefe de RH.
Se você é uma empresa que não quer ver seu CEO se tornar o termo mais popular da semana no Google, a saga da Astronomer é um alerta para que você preste atenção às lições antigas sobre a importância do comportamento pessoal de seu executivo – e também às novas lições.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Beth Kowitt é colunista da Bloomberg Opinion e cobre o mundo corporativo dos Estados Unidos. Foi redatora e editora sênior da revista Fortune.
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