Bloomberg Opinion — Na vitória, os melhores chefs são muito parecidos com os tenistas profissionais mais elegantes: autodepreciativos, admiradores de seus rivais, gratos a seus professores.
Há poucas semanas, logo após seu restaurante Maido ser proclamado o número 1 entre os 50 melhores restaurantes do mundo em uma cerimônia em Turim, na Itália, Mitsuharu Tsumura disse: “existe competição, mas quando você termina, você aperta a mão, toma uma cerveja”.
Ao contrário do tênis e de outros esportes, porém, o mundo da alta gastronomia não tem realmente um sistema de classificação universalmente reconhecido, como a Associação de Tenistas Profissionais (ATP) e a Associação de Tênis Feminino (WTA).
Para aqueles que apontam para o Guia Michelin, direi educadamente que a empresa francesa de pneus fornece avaliações, não classificações.
A franquia 50 Best certamente oferece uma vitrine glamourosa para alguns dos melhores estabelecimentos gastronômicos do mundo, mas é incompleta.
A lista tem muita representação latino-americana, como o Maido, no Peru, mas poucas celebridades norte-americanas.
Um dos meus favoritos, o Atomix, em Nova York, ficou em 12º lugar neste ano, caindo seis posições; o próximo restaurante dos Estados Unidos nem sequer está entre os 50 melhores: o Single Thread, em Healdsburg, Califórnia, em 80º lugar.
Antigamente, o melhor chef do mundo era aquele que estava no topo do universo culinário francês.
Paul Bocuse — que morreu em 2018 e cujo nome está consagrado na competição de culinária Bocuse D’Or em sua cidade natal, Lyon — era talvez o mais infalível desses árbitros culinários da alta gastronomia.
No entanto, durante cerca de três décadas — desde o final do século XX até ao início da pandemia de covid-19 —, houve um amplo consenso de que dois cozinheiros não franceses eram os chefs mais influentes do mundo.
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Na primeira metade desse período, foi Ferran Adrià, do El Bulli, na Espanha. Na segunda metade, foi René Redzepi, do Noma, em Copenhague.
Sua primazia se reflete na história do 50 Best: Adrià conquistou o primeiro lugar cinco vezes; Redzepi, quatro vezes.
Em 2019, a organização mudou suas regras, promovendo automaticamente todos os melhores do passado e do futuro para o hall da fama “Best of the Best”. Foi uma forma de incluir novos restaurantes no ranking e, ao mesmo tempo, acalmar a velha guarda com a apoteose.
A reforma foi uma maneira educada de renovar a lista, mas reflete involuntariamente uma mudança real na natureza do mundo culinário, afetada pelos legados de Adrià e Redzepi.
Deixe-me resumir isso por meio de uma anedota.
Durante um jantar, o chef espanhol, que é meu amigo, virou-se para mim com uma das terríveis perguntas sobre a história da restauração que gosta de lançar a amigos e inimigos. Acertar a resposta é ouro. Errar é receber uma palestra de uma hora para corrigir o erro.
“Qual é a maior lição do El Bulli?”, ele me perguntou.
Felizmente, alguns meses antes, eu tinha ouvido a resposta — de Redzepi. O dinamarquês, que também considero um amigo, trabalhou brevemente na cozinha de Adrià e homenageou o espanhol em seu aniversário no Noma. Então, repeti o que tinha aprendido: “A regra mais importante do El Bulli é que não há regras”. Adrià sorriu em aprovação e eu não ganhei nenhum sermão.
Adrià destronou os franceses como campeões mundiais com suas técnicas culinárias inovadoras; e Redzepi levou a revolução ainda mais longe, transformando as noções nórdicas em alta gastronomia, mostrando a todos que suas cozinhas locais também podiam se tornar referências globais. Não era preciso ser francês — ou espanhol ou dinamarquês.
Hoje, acho bastante comovente que entre os prêmios James Beard e as indicações para os melhores restaurantes nas várias regiões dos Estados Unidos estivessem estabelecimentos que servem cozinha filipina, tâmil, tailandesa, coreana, mexicana, vietnamita e uma série de outras cozinhas não europeias.
Também é inspirador que uma das chefs que mais chamou a atenção na cerimônia de Turim tenha sido Pichaya Soontornyanakij e seu restaurante Potong, em Bangkok.
O Ikoyi, o restaurante londrino com a melhor classificação – 15º lugar – tem suas raízes na culinária da África Ocidental.
Uma rápida rodada de entrevistas com os principais candidatos ao 50 Best revelou um consenso sobre as cozinhas com influência global crescente: mexicana, chinesa, coreana e indiana.
Será difícil definir parâmetros que permitam julgar se a técnica wok hei de um chef de Hong Kong é melhor do que a caramelização bhuna de um restaurante de ponta em Mumbai.
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Mesmo com toda essa descentralização, o mundo dos chefs parece estar se dividindo em dois campos semi-ideológicos. Ou talvez a palavra seja egocêntrico.
O 50 Best parece ser uma parada anual favorita de Adrià; seus discípulos o seguiram.
Enquanto isso, um grupo mais nebuloso, mas igualmente influente, se reúne em torno de Redzepi, que não só tem levado o Noma ao redor do mundo (Kyoto no ano passado; Los Angeles no próximo), mas também reviveu neste ano o MAD Symposium, que foi lendário na década de 2010 por permitir que os chefs expressassem pensamentos profundos e grandiosos.
Ambos continuam a projetar sua autoridade e personalidade em um universo culinário sem um centro de gravidade.
Mas os chefs ainda gostam de prêmios — principalmente aqueles com o rótulo “melhor”.
Comecei esta coluna com jogadores de tênis. Se você acredita que eles são tão gentis na vida privada quanto suas personalidades vitoriosas no pódio, bem, você não tem assistido a partidas suficientes de tênis com atletas que grunhem, rosnam e fazem caretas.
Os chefs compartilham as mesmas paixões e instintos. Neste ano, no 50 Best, uma expectativa popular era que o primeiro lugar fosse para o Asador Etxebarri, de Bittor Arginzoniz, no País Basco, na Espanha.
O Maido, com sua celebração da culinária nikkei dos imigrantes japoneses no Peru, vem subindo na lista há anos, mas o Etxebarri, com seu churrasco inovador, é um dos restaurantes mais influentes do mundo há muito tempo.
Seu chef também é famoso por ser temperamental e competitivo. Portanto, apesar de seu comportamento sorridente em Turim, ele provavelmente ficou insatisfeito com o fato de o restaurante ter ficado em segundo lugar.
Um amigo amante da gastronomia — que pediu para não ser identificado porque conhece muitos chefs sensíveis — brincou dizendo que “Bittor provavelmente está tão irritado com a rejeição que vai tornar o Etxebarri melhor do que nunca, só para mostrar a todos. É melhor reservar uma mesa agora”.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Howard Chua-Eoan é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre cultura e negócios. Anteriormente, atuou como editor internacional da Bloomberg Opinion e foi diretor de notícias da revista Time.
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