Bloomberg Línea — A incerteza econômica global, as tensões geopolíticas e o endurecimento das condições financeiras não frearam a tomada de decisões entre famílias ultrarricas e os seus gestores de grandes patrimônios da América Latina.
Segundo Francisco Rosemberg, head de wealth e family offices para a BlackRock na região, esses investidores têm ajustado suas estratégias e aproveitado as condições atuais para reconfigurar seus portfólios com uma visão de longo prazo.
Em entrevista à Bloomberg Línea, Rosemberg disse que identificou três grandes tendências de investimento entre os grandes patrimônios: mudanças estratégicas já executadas, uma crescente inclinação para ativos alternativos e a consolidação de relacionamentos estruturais com gestores de investimento.
“Apesar de ter certo nível de pessimismo e preocupação sobre a economia global e a geopolítica, não vemos que eles estão paralisados diante das tomadas de decisões, mas vemos como aproveitam esta conjuntura para realizar realocações de portfólios”, disse o executivo.
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Dados da pesquisa “2025 Global Family Office Survey”, realizada pela BlackRock, mostram um aumento global na alocação de family offices para ativos alternativos, que passou de 39% para 42%. Na América Latina, embora a cifra seja menor, a fatia chega a 34% em média.
Dentro do universo de ativos alternativos, o crédito privado continua sendo o favorito: 32% dos family offices em nível global indicaram interesse em ampliar sua exposição nesse segmento no biênio 2025-2026, seguido por infraestrutura (30%). Esta última área ganhou relevância por seu potencial de retorno superior.
O relatório também indica uma mudança na forma de avaliar esses ativos: 78% dos entrevistados agora consideram os investimentos alternativos como essenciais para o crescimento do portfólio, não só como uma forma de diversificação.
Além disso, 44% antecipam um aumento em sua exposição a este tipo de ativos durante os próximos dois a três anos, uma tendência que se mantém firme também entre os investidores latino-americanos.
A preferência por estratégias em crédito privado se explica, em parte, pela busca de rendimento em um contexto de taxas mais elevadas e volatilidade persistente.
Mais além de ser uma fonte de diversificação diante dos mercados tradicionais, estes instrumentos oferecem um prêmio por liquidez e retornos descorrelacionados.
Rosemberg disse que os family offices buscam diversificação também dentro do próprio portfólio de alternativos, incorporando classes de ativos menos correlacionadas entre si, o que marca uma maturação em seu enfoque investidor.
Sobre as oportunidades geográficas, o head de wealth da BlackRock para a América Latina sinalizou que os family offices da região, embora costumem ter negócios operacionais em seus países de origem, tendem a buscar exposição internacional em seus investimentos financeiros.
“É prudente, do ponto de vista de construção de portfólio e diversificação de risco, que a parte de investimentos tenha menos correlação com os mercados ou as economias locais”, afirmou.
O olhar global também se aplica aos ativos alternativos.
No caso da infraestrutura, por exemplo, muitos dos family offices buscam oportunidades nos Estados Unidos e Europa, onde a oferta de qualidade é mais ampla e estável, segundo ele. Além disso, o relatório da gestora sublinha um crescente interesse pela Ásia e mercados emergentes entre os family offices com estruturas mais sofisticadas.
Dólar fraco
Apesar da fraqueza que o dólar vem mostrando no ano, esta narrativa não teve um impacto tangível nas decisões de investimento dos family offices, segundo Rosemberg.
Em sua avaliação, este debate não se instalou como uma preocupação relevante, nem em nível global nem na América Latina.
Ele sinalizou que, no caso dos grandes patrimônios latino-americanos, os portfólios costumam estar denominados em dólares por natureza, reflexo do perfil do investidor e de uma estratégia consolidada em moeda forte.
Rosemberg afirmou que, embora o tema possa surgir como parte da análise geral do mercado, assim como ocorre com outros ativos como o ouro, não se traduziu em ajustes táticos ou estruturais.
Visão para a América Latina
Apesar dos desafios políticos e econômicos da região, os family offices latino-americanos se mostram menos pessimistas que seus pares de outras regiões.
Rosemberg atribui esta postura à experiência adquirida durante crises anteriores e à capacidade de adaptação demonstrada.
“A região mostrou nos últimos anos muitíssima resiliência”, disse. “Vimos o que foi o impacto da covid-19 na região, como foram se recuperando as economias, distintos ciclos eleitorais, e em geral, a região foi capaz de se acomodar e mostrar crescimento.”
Esta resiliência se reflete também em seu enfoque de investimento. “Os family offices têm um horizonte de investimento de muito longo prazo e não tendem a fazer mudanças bruscas baseadas em notícias e ruído de curto prazo”, explicou.
Quanto às posições em dinheiro e liquidez, não se registrou uma mudança significativa. “Não precisam ter um nível elevado de uso de caixa. São instituições que entendem os riscos dos portfólios de investimento e têm um horizonte muito longo”, afirmou Rosemberg.
Entre os desafios e oportunidades que enfrentarão os family offices nos próximos meses, a BlackRock destaca três frentes: ampliar a presença em ativos alternativos como fonte principal de rendimento, fortalecer as alianças com gestores que ofereçam soluções integrais além dos produtos, e incorporar progressivamente ferramentas tecnológicas que tragam eficiência e controle.
A isso se soma um quarto pilar emergente: a profissionalização interna. Segundo o relatório, 45% dos family offices na América Latina estão em processo de institucionalizar suas estruturas operativas, o que reflete uma evolução para modelos de gestão mais robustos e sustentáveis.
Relacionamentos com os gestores de ativos
Segundo Rosemberg, os family offices estão priorizando relacionamentos menos transacionais e mais estruturais com empresas como a BlackRock. Já não se trata apenas de comprar produtos financeiros, mas de construir alianças duradouras com assessoria estratégica e suporte em alocação de ativos e tecnologia. “Hoje se busca o produto, mas que venha com um tipo de assessoria”, indicou Rosemberg.
Esta transformação no relacionamento cliente-gestor é impulsionada pela complexidade do ambiente macroeconômico, que obriga a uma melhor compreensão dos portfólios e seus riscos. “O que estamos vendo é que este tipo de entidades busca relacionamentos mais profundos e menos transacionais”, acrescentou.
Além de assessoria e soluções personalizadas, os family offices também têm adotado com cautela novas tecnologias como a inteligência artificial. Segundo Rosemberg, há “muita curiosidade, mas ainda não é tão claro como é a implementação”.
Por enquanto, o enfoque está em identificar oportunidades de investimento em empresas que liderem ou se beneficiem da revolução tecnológica.
O relatório sustenta esta visão: apenas 5% dos entrevistados afirma utilizar inteligência artificial em seus processos de investimento, mas 35% espera implementá-la nos próximos anos. As áreas prioritárias são a otimização de portfólios, a gestão de riscos e a eficiência operacional.
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