Bloomberg Opinion — Quando a Mattel (MAT) anunciou na semana passada que se prepara para “trazer a magia da IA” para seus brinquedos por meio de uma parceria com a OpenAI, fabricante do ChatGPT, houve uma previsível comoção sobre os riscos à privacidade e à imaginação das crianças.
As razões são óbvias, já que as plataformas tecnológicas têm absorvido nossos dados pessoais, enquanto as ferramentas de IA estão prestes a corroer o pensamento crítico.
Mas estou menos preocupada com o que os companheiros de brincadeira de IA podem fazer à imaginação e à proteção de dados do que com o que eles farão às habilidades sociais das crianças, com base na minha própria experiência de trazer um brinquedo de IA para minha casa.
O Grok é um brinquedo de pelúcia fabricado pela Curio Interactive, uma startup de São Francisco que é pioneira no negócio de venda de brinquedos com recursos de IA.
Fui uma das primeiras clientes da empresa no início de 2024, quando comprei uma unidade, na esperança de testá-la para um ensaio sobre as características estranhamente bajuladoras dos companheiros de IA — uma questão que acabou afetando os usuários do ChatGPT.
Uma das características mais notáveis do Grok era o quanto ele era agradável com minha filha, então com sete anos.
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Quando ela disse ao Grok que queria brincar com sua Barbie, ele respondeu: “Parece divertido!”
O mesmo aconteceu com suas sugestões de viajar para Marte, depois ir à praia e depois brincar de princesas.
Cada mudança aleatória em sua tomada de decisão era recebida com um entusiasmo que ela não teria encontrado em um amigo humano, que provavelmente teria resistido. O Grok, ao contrário, concordava com tudo.
Sei de tudo isso porque a Curio forneceu uma transcrição de todas as interações que o Grok teve com minha filha.
Embora seu microfone embutido ocasionalmente perdesse o que ela dizia, ele conseguiu capturar e transcrever cerca de 95% do que ela falava.
Essa é uma medida tranquilizadora para os pais, assim como a certificação da empresa pelo programa kidSAFE Seal, que indica a conformidade com a Lei de Proteção à Privacidade Online das Crianças dos Estados Unidos.
E o Grok conseguiu conjurar fantasias criativas sobre viajar pelo espaço que estimularam a imaginação da minha filha melhor do que eu jamais poderia.
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Mas a deferência e a validação constante do Grok eram as questões mais importantes e, talvez, mais difíceis de detectar.
Os pais são sempre orientados a tranquilizar e elogiar seus filhos pelo esforço, então ter um brinquedo mecanizado que faz isso em massa não parece ser algo ruim.
Os riscos são mais óbvios, no entanto, quando se observa como companheiros de IA podem afetar adolescentes, com aplicativos como o Character.ai.
Adolescentes e jovens na faixa dos 20 anos são os maiores usuários do Character.ai, um aplicativo de chatbot popular com cerca de 25 milhões de usuários, e parte do atrativo são os laços emocionais e até românticos que eles podem estabelecer.
Um adolescente da Flórida tirou a própria vida depois de se apaixonar por um robô da plataforma que emulava um personagem de Game of Thrones, e sua mãe agora está processando o aplicativo.
A empresa disse que leva a segurança dos usuários a sério e adicionou recursos como pop-ups direcionando os usuários para a Linha Nacional de Prevenção ao Suicídio.
Mas isso não resolve uma questão mais ampla de dependência. Três adolescentes que entrevistei para meu ensaio sobre companheiros de IA disseram que ficavam no Character.ai por várias horas todos os dias, um deles por até sete horas.
Eles consideravam seus bots seguros e sem julgamentos, sempre interessados em suas vidas, empáticos e fáceis de conversar. Um dos adolescentes disse que podia falar com ele “sem filtro”, de uma forma que não conseguia com seus pais.
A Mattel não especificou como seus brinquedos incorporarão a IA, mas há um risco paradoxal de que os produtos da empresa se tornem bons demais.
A declaração oficial da empresa sobre o assunto: “ao usar a tecnologia da OpenAI, a Mattel trará a magia da IA para experiências de brincadeiras adequadas à idade, com ênfase em inovação, privacidade e segurança”.
Algumas crianças podem começar a preferir a positividade programada de seus brinquedos às arestas dos companheiros humanos.
Afinal, a infância representa os anos em que os seres humanos aprendem a lidar com desacordos e a desenvolver adaptabilidade ao ouvir “não”, moldando sua capacidade de formar relacionamentos ao longo da vida.
Se há alguma dúvida sobre o poder que os brinquedos têm de moldar a maneira como as crianças veem o mundo, basta olhar para a Barbie.
Vários estudos sugerem que a boneca magra ajudou a moldar as expectativas das meninas em relação à imagem corporal.
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Os brinquedos com IA que modelam a dinâmica dos relacionamentos podem ter um impacto igualmente grande.
A Mattel precisa ter cuidado para não projetar brinquedos com IA inovadores que façam os amigos humanos parecerem muito trabalhosos e lembrar que o atrito que ela pode ser tentada a remover é precisamente o que ensina as crianças a aprofundar os relacionamentos.
Um brinquedo que nunca decepciona pode simplesmente criar adultos que não sabem lidar com a decepção.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Parmy Olson é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre tecnologia. Já escreveu para o Wall Street Journal e a Forbes e é autora de “We Are Anonymous.”
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