Opinión - Bloomberg

Por que o Brasil deveria abraçar parte das ideias econômicas de Milei

Apesar das reformas nos últimos anos, o país continua tendo um ambiente complexo para as empresas, o que favorece o surgimento de um candidato libertário

Fachada do Museu do Futuro
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — Do outro lado da famosa praia de Copacabana, em meio a vistas espetaculares do oceano e das colinas, uma estranha estrutura de concreto se destaca: é o Museu da Imagem e do Som, um projeto que busca resgatar a rica herança cultural da cidade.

Quando me mudei para o Rio de Janeiro no final de 2010, o local do museu exibia placas que anunciavam sua inauguração iminente. Quase 15 anos depois, o prédio ainda está inacabado.

Bem-vindo ao Brasil, a terra dos projetos intermináveis e dos acordos corporativos incrivelmente complexos.

Embora o atraso deste museu possa ter razões específicas, a reputação do país como um dos lugares mais difíceis do mundo para se fazer negócios é bem merecida: basta perguntar à siderúrgica Ternium, que luta na Justiça contra sua rival Cia. Siderúrgica Nacional por uma aquisição anunciada em 2011.

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Ou o bilionário Eike Batista, cujo colapso espetacular em 2013 ainda é objeto de demandas judiciais e decisões judiciais recorrentes. Os exemplos são tão numerosos quanto a floresta amazônica.

Com as eleições presidenciais em 16 meses, o papel do Estado e o quanto o setor privado deve ser autorizado a florescer provavelmente estarão na mente dos eleitores.

O atual presidente de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu Partido dos Trabalhadores (PT), sem dúvida, defenderão aqueles que apoiam grandes gastos e uma abordagem intervencionista e estatista.

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Mas há espaço para os candidatos seguirem o exemplo das ideias libertárias de Javier Milei, na vizinha Argentina, e argumentarem que o Brasil deve cortar gastos, remover impostos e regulamentações desnecessárias e promover condições para fomentar investimentos privados.

Apesar das reformas significativas nos últimos anos, incluindo novas leis previdenciárias, tributárias e trabalhistas, a maior economia da América Latina continua sendo um ambiente complexo para as empresas.

Tributos sobrepostos, regulamentações ziguezagueantes e burocracia asfixiante tornaram o Brasil um dos países mais difíceis em um ranking recente da Global Business Complexity.

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É por isso que a agenda do “liberalismo da abundância”, que defende políticas que incentivam a inovação e o crescimento para gerar prosperidade, pode ressoar entre os brasileiros.

Os problemas são ainda mais profundos quando se considera o âmbito judicial: as constantes mudanças nas interpretações legais ou tributárias do Brasil por meio de diferentes decisões judiciais em várias instâncias não apenas atrasaram a resolução dos casos, mas também prejudicaram a percepção do regime jurídico do país.

Milei enfrentou esse problema ao capacitar um Ministério de Desregulamentação e Transformação do Estado recém-criado para lidar com alguns dos piores pesadelos burocráticos da Argentina com uma série de medidas que vão desde a eliminação de entidades governamentais até a flexibilização das regras para companhias aéreas e vegetais frescos.

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Ainda não está claro até que ponto essas medidas impulsionarão a economia, mas elas certamente buscam facilitar a vida das empresas e das famílias, o que é sempre uma boa política. Os estrategistas de campanha em Brasília ou São Paulo deveriam tomar nota.

Ainda assim, o elefante branco que todos fingem não ver no Brasil continua sendo o déficit fiscal insustentável do governo.

Ninguém está defendendo um corte de cinco pontos percentuais no déficit fiscal, como Milei fez em um único ano, até porque a maior parte dos gastos no Brasil é destinada a despesas obrigatórias previstas na Constituição.

Além disso, o país não está na situação financeira desesperadora em que a Argentina se encontrava no final de 2023, antes da posse do governo Milei.

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Mas, como alertou a Moody’s Ratings na semana passada, a irresponsabilidade orçamentária do Brasil, que atinge proporções gigantescas, está impossível de ignorar.

A boa notícia é que a crescente conscientização pública sobre sua prodigalidade fiscal também está moldando as preferências dos eleitores.

Uma pesquisa recente da AtlasIntel para a Bloomberg News mostra que o público avalia os hábitos gastadores de Lula como significativamente piores do que os de seu antecessor, Jair Bolsonaro.

De maneira mais ampla, dada a maior incerteza e o crescimento mais fraco que a economia global enfrenta, a necessidade de os formuladores de políticas colocarem suas casas fiscais em ordem já está ganhando força do Chile à França.

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A resistência que o governo brasileiro tem enfrentado por parte de legisladores e líderes empresariais em relação ao recente aumento da alíquota do imposto sobre transações financeiras (IOF) oferece esperança de que a tolerância com a estratégia tributária e de gastos de Lula também esteja chegando ao seu limite.

Um Congresso cada vez mais conservador criou uma agenda mais favorável aos cortes de gastos. Pela primeira vez desde o retorno à democracia na década de 1980, vemos espaço político para que essa tendência continue com a eleição, diz Reginaldo Nogueira, diretor da Ibmec Business School em São Paulo.

“Nunca houve um momento mais favorável para isso”, disse ele. “Não haverá um Milei no Brasil, mas haverá políticos que suavizarão seu discurso para ter uma mensagem semelhante a favor da redução do desperdício e da burocracia em Brasília.”

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A angústia fiscal também pode explicar por que, apesar do desempenho estável da economia brasileira — com 15 trimestres consecutivos de expansão econômica, a maior sequência desde 1996 —, os eleitores não estão felizes nem dando crédito suficiente ao governo Lula.

Sim, o desemprego caiu novamente em abril e os gastos sociais continuam sólidos. Mas a inflação e os aumentos das taxas de juros provocados pelas deficiências orçamentárias do governo sem dúvida obscurecem as perspectivas econômicas.

O Brasil pode não ter um candidato de boca suja, com cabelo espetado e empunhando uma motosserra concorrendo no ano que vem. Mas as ideias de Milei estarão muito presentes na campanha eleitoral e nas urnas.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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