Opinión - Bloomberg

De Ferrari a Ferrero, as empresas familiares da Itália são um exemplo de resiliência

Apesar de enfrentarem problemas típicos, como conflitos internos e transições geracionais, os grupos familiares do país têm tido desempenho superior do que empresas de capital aberto

Ferrrari vermelha com detalhes em preto
Tempo de leitura: 7 minutos

Bloomberg Opinion — Se for a Milão, como eu fiz recentemente, você provavelmente observará que o capitalismo italiano continua sendo o que sempre foi: um negócio familiar.

As grandes casas de moda milanesas Giorgio Armani, Dolce & Gabbana e Prada são todas empresas familiares.

As Ferraris que rugem pelas ruas da cidade, as máquinas Bezzera que fazem um café tão excelente, os chocolates Ferrero que encerram uma refeição são todos produzidos por empresas familiares.

Gigantes familiares como a Ferrari estão no topo de uma vasta rede de fornecedores, quase todos eles empresas familiares, que dominam a região da Lombardia.

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Gigantes de capital aberto e grandes redes varejistas pertencem ao estranho mundo do capitalismo anglo-saxão. Mesmo na região economicamente mais avançada da Itália, a família é tudo.

No entanto, quem assistiu à série Succession sabe que as empresas familiares estão sujeitas a problemas únicos e muitas vezes fatais, principalmente filhos disfuncionais e disputas familiares.

Algumas línguas têm uma expressão que descreve que a energia e a capacidade necessárias para elevar o status material de uma pessoa da pobreza muitas vezes não são transmitidas à terceira geração e, portanto, o sucesso não é sustentável. Na Itália, a expressão popular é “dos estábulos às estrelas e de volta aos estábulos” (dalle stalle alle stelle alle stalle).

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A suposição predominante entre teóricos da administração e economistas é que o capitalismo familiar é uma relíquia dos dias em que as instituições eram rudimentares e a confiança se limitava a membros da família e amigos próximos.

Alfred Chandler, o decano dos historiadores de negócios, argumentou que as empresas familiares seriam esmagadas pelas empresas de capital aberto, que poderiam atrair mais dinheiro, talento e experiência em administração.

Bruno Pellegrino, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e Luigi Zingales, da Booth Business School, da Universidade de Chicago, afirmam que o estilo de gestão baseado na lealdade (“familismo”) da Itália reduziu o crescimento da produtividade do país. O capitalismo familiar faz parte de um complexo de atitudes que manteve o país em uma armadilha de baixo crescimento.

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No entanto, a maldição das três gerações está longe de ser universal: a família Antinori produz vinho na Toscana desde 1385, e os Berettas fabricam armas em Brescia desde 1526. Gucci e Ferrari são algumas das marcas mais bem-sucedidas do mundo (e a principal rival francesa da Gucci, a LVMH, também é uma empresa familiar).

Além da moda, as empresas familiares estão ainda mais concentradas na indústria, onde elas correspondem a 43,5%.

Uma visita à Universidade Bocconi de Milão, que desempenha um papel importante na formação da elite italiana, me convenceu de que estamos em boa posição para julgar a durabilidade do capitalismo familiar, pelo menos na Itália, graças a uma combinação de duas coisas: um programa de pesquisa e um teste de estresse.

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O Observatório AUB sobre empresas familiares italianas — AUB significa AIDAF, UniCredit e Bocconi — acompanha de perto todas as empresas italianas, sejam elas controladas por famílias ou não, com um faturamento de pelo menos € 20 milhões (ou seja, 23.578 empresas no último estudo, das quais 15.836 eram empresas familiares).

O Observatório publica um relatório anual sobre a situação das empresas familiares italianas, definidas como (1) empresas privadas nas quais uma ou duas famílias controlam a maioria absoluta das ações e (2) empresas listadas nas quais uma ou duas famílias controlam um quarto das ações. O teste de estresse foi fornecido pela pandemia.

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O trabalho do Observatório demonstra claramente duas coisas. A primeira é que as empresas familiares superaram as empresas não familiares em quase todos os indicadores — faturamento, retorno sobre o investimento e produtividade.

A segunda é que esse desempenho superior continuou — e até se intensificou — durante a pandemia de covid-19.

O número de empresas familiares com faturamento superior a € 20 milhões cresceu em 2020-22 em 36,1%, em comparação com 23,2% para as empresas não familiares.

As empresas familiares também mantiveram sua liderança na maioria dos indicadores de desempenho. A maior exceção a esse padrão favorável foram as empresas familiares lideradas por CEOs com 70 anos ou mais.

O que explica a “vantagem das empresas familiares”? Carlo Salvato, codiretor do projeto, me disse que parte da diferença está no “caráter familiar” das empresas familiares.

Durante a pandemia, as empresas familiares provaram ser mais resilientes do que as não familiares, em parte porque os membros da família estavam dispostos a se sacrificar mais para sobreviver e em parte porque têm laços estreitos de sangue e amizade com seus fornecedores e até mesmo concorrentes.

Mas ele também destacou uma profunda revolução na gestão — impulsionada pela pandemia — que está ajudando as empresas a combinar as virtudes da gestão profissional e familiar.

Essas empresas familiares estão recorrendo a uma nova geração de chefes que são mais instruídos do que seus antecessores e mais propensos a ter experiência de trabalho em outra empresa — e, na maioria dos casos, fizeram isso evitando os conflitos que frequentemente acompanhavam as transições geracionais no passado.

As empresas que passaram por uma transição geracional entre 2013 e 2022 superaram aquelas que não passaram por essa transição em 7,4% em receitas, 3,5% em ROE e 11,5% na taxa de crescimento anual de ativos fixos.

Cerca de 8% delas também obtiveram capital externo por meio da venda de participações minoritárias, da cotação na bolsa de valores ou da transferência do controle para terceiros. Isso produziu melhorias significativas no desempenho, particularmente no caso da cotação ou da venda de participações minoritárias, mas há claramente um limite para o quanto se pode ir com essa estratégia sem deixar de ser uma empresa familiar.

A impressão geral do setor de empresas familiares da Itália a partir dos estudos da Bocconi é de vitalidade e renovação, em vez de inércia e decadência.

Há mais gerentes externos e mulheres em cargos seniores e menos jovens promovidos excessivamente: a proporção de CEOs com menos de 50 anos diminuiu de 31,3% em 2013 para 16,9% atualmente, e o aumento na proporção de CEOs com mais de 70 anos parou.

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A Itália ainda está muito atrás da maior parte da Europa em crescimento da produtividade. Mas os dados sugerem que a razão para o baixo desempenho não está nas empresas familiares, mas em um Estado inchado que protege os funcionários públicos, um sistema político baseado no clientelismo e um sul subdesenvolvido.

Os resultados da Bocconi também têm implicações mais amplas para a teoria da gestão. Muitas pessoas ainda acreditam que o capitalismo caminha para um único destino: o triunfo do modelo anglo-saxão de capitalismo com suas empresas de capital aberto e mercados de ações poderosos.

No entanto, as empresas familiares têm vantagens significativas sobre as empresas de capital aberto quando se trata de paciência, lealdade e resiliência. Elas são mais adequadas para certos nichos, como bens de luxo e jornais.

E estão aprendendo rapidamente como gerenciar suas fraquezas enquanto exploram suas vantagens: as empresas familiares acham mais fácil imitar os pontos fortes das empresas de capital aberto do que o contrário.

Em resumo, a noção de que existe um “fim da história corporativa” predeterminado não é mais convincente do que a noção de que existe um fim da história em geral.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Adrian Wooldridge é o colunista de negócios globais da Bloomberg Opinion. Já escreveu para o The Economist e é autor de “The Aristocracy of Talent: How Meritocracy Made the Modern World”.

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