Se os EUA abandonarem Harvard, outros países vão atrair os seus talentos

Cada dólar gasto em pesquisa gera US$ 5 ou mais em benefícios sociais, como maior produtividade e melhores padrões de vida; repressão da Casa Branca é um ato de autossabotagem

Por

Bloomberg Opinion — Nas décadas de 1930 e 1940, os Estados Unidos desempenharam um papel crucial em manter viva a pesquisa acadêmica. Ao acolher milhares de pesquisadores que fugiam do fascismo na Europa, o país aumentou seu capital intelectual nacional e promoveu avanços de imenso valor para as pessoas em todo o mundo – desde o computador digital até a descoberta do DNA.

Agora, o país está em vias de desperdiçar esse legado inestimável. Se as mentes mais sensatas não prevalecerem, só resta esperar que a Europa e outros países preencham essa lacuna.

Estabelecer-se como um refúgio da liberdade acadêmica foi uma das medidas mais inteligentes que os Estados Unidos já tomaram.

Sua coleção incomparável de universidades de pesquisa de ponta atrai os melhores talentos globais, promovendo inovações que enriquecem o país.

Segundo algumas estimativas, cada dólar gasto em pesquisa e desenvolvimento gera US$ 5 ou mais em benefícios sociais, como maior produtividade e melhores padrões de vida.

É, de longe, a forma mais lucrativa de investimento público.

No entanto, a Casa Branca agora parece determinada a destruir isso. Citando (entre outras coisas) o crescente antissemitismo nos campi universitários, a presidência dos Estados Unidos reteve bilhões de dólares de instituições como Harvard e Columbia, forçando-as a encerrar projetos, demitir pesquisadores e limitar as admissões em programas de pós-graduação.

O governo propôs cortes orçamentários de dezenas de bilhões de dólares em agências federais, como os Institutos Nacionais de Saúde e a Fundação Nacional de Ciências. Ele também deteve acadêmicos estrangeiros e, mais recentemente, tentou bloquear a matrícula de estudantes internacionais.

Leia mais: Governo Trump endurece regras e planeja revogar vistos de estudantes chineses

As repercussões prometem ser devastadoras. Os danos econômicos podem exceder os da recessão de 2008. Projetos em áreas que vão da ciência climática à medicina foram encerrados. Um êxodo se aproxima: três quartos dos cientistas baseados nos Estados Unidos que responderam a uma pesquisa recente da Nature disseram que buscavam deixar o país, tendo a Europa e o Canadá como principais destinos.

Segundo uma estimativa, até um quinto dos estudantes de pós-doutorado em universidades de elite dos Estados Unidos estudaram na União Europeia e, portanto, podem estar dispostos a se mudar.

Centros de pesquisa rivais estão aproveitando a oportunidade. Conforme relatado pela Bloomberg News, países como Austrália, Canadá, Dinamarca e Noruega estão oferecendo financiamento, vistos simplificados e outras vantagens para atrair os melhores acadêmicos.

A Alemanha convidou Harvard para criar um “campus de exílio”. A UE lançou um programa de € 500 milhões chamado “Choose Europe”.

Esses esforços são bem-vindos, na medida em que mantêm trabalhos acadêmicos cruciais em andamento. No entanto, os fundos comprometidos até agora são insignificantes em comparação com os cortes potenciais nos Estados Unidos. Se os Estados Unidos abdicarem de sua posição, a Europa, em particular, precisará ser muito mais ambiciosa.

Uma opção melhor seria os Estados Unidos recuperarem o bom senso. Os legisladores deveriam rejeitar a falsa ideia de economizar despesas ao cortar o financiamento público à pesquisa.

Os tribunais deveriam emitir liminares nos casos em que as ações do governo violaram a lei ou a Constituição, como claramente aconteceu em vários casos. Pesquisadores, ex-alunos e grupos industriais deveriam alertar o público sobre a magnitude dos danos potenciais futuro.

Leia mais: Este fundo brasileiro entrou no radar de Harvard e agora quer impactar a Amazônia

As universidades, por sua vez, poderiam considerar alguma reflexão. Embora as ações do governo sejam absurdas, é verdade que muitas instituições têm tolerado manifestantes antissemitas que criaram caos no campus, obstruíram o aprendizado e ameaçaram seus colegas estudantes.

Impor políticas de tolerância zero para tais perturbações poderia apaziguar a Casa Branca; também é a coisa certa a se fazer.

Em meio ao caos, os pesquisadores precisarão fazer seu trabalho da melhor maneira possível. Seria um ato verdadeiramente espetacular de autossabotagem se os Estados Unidos conseguissem provocar um êxodo de talentos para o outro lado do Atlântico. Se outros países aproveitarem a oportunidade, a perda dos Estados Unidos será o ganho deles.

O Conselho Editorial publica as opiniões dos editores sobre uma série de assuntos de interesse global.

—Editores: Mark Whitehouse, Timothy Lavin.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Aluguel até R$ 290 o m² e ‘flight to quality’: as tendências para escritórios em SP

Guerra do delivery: Rappi aposta em taxa zero e novo app para ganhar mercado

Como o cânhamo quer transformar a cannabis em nova fronteira do agro brasileiro