Como Antonio Filosa ascendeu a CEO global da Stellantis. E os desafios que terá

Executivo que liderou operações da FCA no Brasil e na América do Sul assume o comando da gigante global sob pressão para definir uma estratégia que permita retomar o crescimento, além de reconquistar a confiança de funcionários, clientes e investidores

Stellantis North America COO and Jeep CEO Antonio Filosa speaks during the Stellantis press conference at the Automobility LA 2024
Por William Wilkes - Albertina Torsoli - Gabrielle Coppola
29 de Maio, 2025 | 09:07 AM

Bloomberg — Há muito tempo, Detroit é o motor dos negócios da Stellantis nos Estados Unidos, lar de marcas como Jeep e Dodge, que já definiram a força e a garra americanas. Agora é o centro de uma crise de identidade corporativa.

A empresa que construiu suas marcas com base na herança americana está ficando para trás no mercado dos Estados Unidos devido a uma linha de produtos considerada envelhecida, a atrasos de modelos e a erros de preços.

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Para reverter a queda, a Stellantis nomeou nesta quarta-feira (28) o executivo italiano - que fala português fluente por causa de seus muitos anos a trabalho no Brasil - Antonio Filosa como seu novo CEO: trata-se de um veterano da empresa escolhido em parte por causa de sua experiência nos EUA.

O italiano de 51 anos mora no estado de Michigan, já dirigiu a marca Jeep e é visto como um líder menos divisivo do que seu antecessor, Carlos Tavares.

Mas Filosa está entrando em uma tempestade automotiva - não que não tenha ciência disso. As medidas tarifárias do presidente Donald Trump estão aumentando os custos e alterando as cadeias de suprimentos globais.

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Na Europa, os fabricantes chineses liderados pela BYD entram em um mercado de automóveis estagnado e acirram a concorrência com seus modelos de baixo custo.

Os problemas da Stellantis são mais graves no seu antigo centro de lucros, a América do Norte, onde suas remessas caíram 20% no primeiro trimestre, depois que Tavares prejudicou as operações com uma série de cortes de custos dolorosos.

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Filosa agora precisa definir uma estratégia clara para que a empresa possa avançar, disse Stephanie Brinley, analista da S&P Global Mobility.

“O produto é fundamental para tudo isso”, disse ela. “Vai levar tempo para que a Stellantis chegue aonde eles imaginaram que chegaria.”

Apesar da pressão urgente por mudanças, encontrar um novo CEO levou muitos meses.

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A Stellantis considerou contratar executivos de fora, como o CEO global da Hyundai, José Muñoz, e o chefe da AutoNation, Mike Manley, segundo noticiou a Bloomberg News no início deste mês.

Com o “congelamento” de decisões importantes sobre a direção futura da empresa, o conselho de administração liderado pelo chairman John Elkann, nas últimas semanas, se concentrou em Filosa, que venceu outro candidato interno, disseram as pessoas, que pediram para não serem identificadas porque as conversas eram privadas.

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Nascido em Nápoles, na Itália, Filosa sempre teve uma paixão por carros e motocicletas, tendo comprado sua primeira Ducati aos 15 anos e uma Alfa Romeo três anos depois.

Ele ingressou na Fiat em 1999 e, mais tarde, subiu na hierarquia como protegido do falecido chefe poderoso da Fiat Chrysler (FCA), Sergio Marchionne.

Vivendo a maior parte de sua vida profissional fora da Itália, Filosa ocupou cargos na Europa, na América do Sul - no Brasil - e nos Estados Unidos.

Filosa ganhou força dentro da Stellantis ao comandar a Jeep globalmente

Como CEO global da Jeep, ele lançou o veículo utilitário esportivo Wagoneer movido a bateria, então havia muito tempo adiado, justamente quando as vendas de veículos elétricos estavam perdendo força nos EUA.

Agora, ele está sob pressão para reformular a linha de produtos no país, uma vez que os motoristas locais estão preferindo os híbridos.

Filosa assumiu o cargo de diretor de operações da Stellantis para a América do Norte em outubro passado, como parte de uma mudança mais ampla nos últimos dias do mandato de Tavares.

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O conserto dos negócios nos EUA pode levar algum tempo.

Os rigorosos cortes de custos de Tavares, como a troca de peças de metal por peças de plástico em veículos robustos, afastaram clientes antigos e prejudicaram sua força de marcas locais, que também inclui a RAM e a Chrysler.

Os revendedores, sobrecarregados com modelos com altos preços, tiveram dificuldades para movimentar e reduzir os estoques.

Carlos Tavares, de chefe global prestigiado a ex-CEO da Stellantis

“Tavares atingiu o limite no que diz respeito ao corte de custos, de modo que o novo CEO terá a tarefa nada invejável de reconstruir a qualidade, as margens e os volumes”, disse Matthias Schmidt, analista automotivo baseado perto de Hamburgo, na Alemanha.

Na quarta-feira, Elkann sinalizou uma mudança em relação à era Tavares de ditames unidirecionais de Paris, dizendo em uma carta aos funcionários que a Stellantis se concentrará no trabalho em equipe para resolver seus problemas.

Filosa também deve enfrentar os desafios crescentes na Europa, onde a Stellantis, a Volkswagen e a Renault enfrentam altos custos de energia e de mão de obra, bem como vendas fracas.

Em mercados como a Itália, os modelos com motor a combustão da Fiat estão perdendo terreno para ofertas mais acessíveis, como o Sandero da Dacia, que pertence à Renault.

Carros elétricos, como o Fiat 500, têm tido dificuldades para conquistar compradores devido aos preços relativamente altos. As vendas da Stellantis na região caíram 9,6% nos primeiros quatro meses do ano.

A queda das ações da Stellantis só tem se agravado ao longo do último ano

O pico de capitalização de mercado da empresa atingiu 86 bilhões de euros (US$ 97 bilhões) em março do ano passado. Desde então está em queda: fechou em cerca de 27 bilhões de euros na quarta-feira.

A Stellantis (STLA) alertou em fevereiro que esperava que a lucratividade continuasse sem brilho neste ano, prevendo uma margem de lucro operacional ajustada de um dígito médio.

Isso estava muito longe dos retornos de dois dígitos que a Stellantis estava projetando no início de 2024.

A empresa suspendeu seu guidance no mês passado, citando incertezas relacionadas às tarifas comerciais.

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As ações da montadora subiram até 3,6% nesta quinta-feira em Milão, recuperando o terreno perdido um dia antes, quando Filosa foi confirmado como CEO.

Teria havido algum desapontamento por não ter sido nomeado um outsider, disse Stephen Reitman, analista da Bernstein, em uma nota.

A Stellantis (STLA) opera 14 marcas em vários segmentos - desde a Opel, fabricante alemã do mercado de massa, pressionada por rivais coreanos e chineses, até a Maserati, fabricante italiana de carros de luxo cujas vendas caíram 48% no primeiro trimestre, após a descontinuação de dois modelos populares.

O que era para ser uma holding que se beneficia de sua escala para melhor competir globalmente se transformou em uma expansão gerencial, e Filosa terá que decidir como melhor moldar o portfólio do grupo daqui para frente.

Ele parece disposto a, pelo menos, redefinir o tom. Em uma mensagem aos funcionários, Filosa enfatizou a humildade - um contraste com a liderança de comando e controle de Tavares - e prometeu visitar os trabalhadores em fábricas de todo o mundo nas próximas semanas para ouvir o que eles têm a dizer.

“Como diria o Sr. Sergio Marchionne: ‘A mediocridade não vale a viagem’. Vamos vencer essa juntos!” Filosa escreveu no LinkedIn.

-- Com a colaboração de Daniele Lepido.

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