Bloomberg Línea — Em suas viagens por diferentes países da América Latina, como parte de seu trabalho como CEO do Citi para a região, Julio Figueroa tem observado com atenção o que descreve como acelerado avanço da digitalização financeira.
“O uso de dinheiro em espécie está diminuindo drasticamente. Todos estão com carteiras digitais — no Peru, na Colômbia, no Brasil com o Pix. A qualquer lugar que você vá, paga um vendedor de rua, por exemplo, com uma carteira digital", disse o executivo argentino.
No fim do dia, essa tendência também tem favorecido o banco de Wall Street presente há mais de cem anos na região, na medida em que a digitalização se estende para os serviços financeiros de empresas que são clientes.
“Toda a digitalização do setor bancário é positiva para nós, porque não temos grande presença física nos países. Não temos agências. As empresas praticamente não usam mais dinheiro em espécie. É algo que nos fortalece, pois somos muito fortes em serviços bancários digitais e isso está no centro da nossa estratégia”, disse o CEO do Citi para América Latina em entrevista à Bloomberg Línea.
Como parte de uma estratégia de longo prazo, o Citi deixou de vez o varejo na região ao longo da última década e atua como banco de atacado concentrado em quatro linhas de negócios: Banking, Services, Markets e Wealth.
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Os planos para cada área são “ambiciosos”, segundo ele, e incluem buscar de forma orgânica a liderança nos dois segmentos na região em que ainda não possuem essa condição: Banking e Wealth.
A estratégia inclui aprofundar o relacionamento com clientes que já estão na base, em particular grandes empresas com planos de internacionalização ou que já tenham presença global e apresentem, por consequência, demandas cross-border.
Nesse sentido, em sua avaliação, os impactos proporcionados pelas tarifas impostas pelo governo dos Estados Unidos e por parceiros comerciais em reação podem representar uma oportunidade para as empresas da região.
“A América Latina, em termos relativos, tem tarifas mais baixas do que outras regiões [...] E além disso, tem, em geral, um custo de mão-de-obra mais baixo [...] É difícil pensar que os EUA vão conseguir desenvolver toda a cadeia de produção de bens básicos e de baixo valor agregado dentro do próprio país”, disse Figueroa.
Veja a seguir a entrevista com Julio Figueroa, editada para fins de clareza e compreensão:
Quais as oportunidades que o Citi tem identificado para crescer na América Latina?
Estamos na América Latina há muito tempo, há mais de 100 anos. No Brasil, há 110 anos. Dá para imaginar que muita coisa aconteceu: diferentes situações, crises econômicas, crises políticas. Exceto guerra, acho que passamos por todo o resto. A América Latina é parte fundamental da estratégia global do Citi, que tem presença internacional em quase 100 países ao redor do mundo.
Nós estamos organizados por linhas de negócios: Banking, Services, Markets e Wealth. Esses são os quatro negócios que temos na América Latina, em 19 países.
Somos líderes nos negócios de Services e Markets na América Latina. Temos uma posição muito boa em Banking e Wealth, pois estamos entre os três primeiros.
Esse quadro nos traz uma oportunidade significativa de crescimento, porque mesmo nos negócios em que já somos líderes, como Services e Markets, ainda há espaço para crescer. E nos negócios em que estamos entre os três primeiros, também há muita oportunidade de crescimento. Temos planos muito ambiciosos.
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Quais são esses planos?
Todas as linhas de negócios são interconectadas — não operam de forma isolada. Naquelas em que já somos líderes, queremos consolidar nossa liderança. Nas outras, queremos alcançar a liderança. Temos planos de crescimento bastante agressivos em cada uma das quatro linhas de negócios.
Nos últimos dez anos, temos nos desfeito de todos os negócios de consumo e varejo na América Latina. Hoje, somos um banco de atacado puro. Não temos negócios de varejo na América Latina.
Portanto, a estratégia é - e continuará sendo - crescer não por meio de aquisições mas, sim, organicamente nesses 19 países e nas quatro linhas de negócios.
Quais tendências nas demandas dos clientes corporativos o Citi identifica e busca endereçar na região?
Acredito que todas as mudanças que estão acontecendo jogam a nosso favor. Toda a digitalização do setor bancário é positiva para nós, porque não temos uma grande presença física nos países. Não temos agências.
Portanto, no que realmente somos fortes é no banco eletrônico e digital.
Com a aceleração da tendência depois da pandemia, há cinco anos, basicamente há cada vez menos uso de dinheiro em espécie. As empresas praticamente não usam mais. É algo que nos fortalece, pois somos muito fortes em serviços bancários digitais e isso está no centro da nossa estratégia.

Há mercados na América Latina que são benchmark em relação à presença que o Citi pode ter na região?
Nós oferecemos os mesmos produtos e serviços em todos os países da América Latina. Claro que países como Brasil e México, devido à escala, têm uma profundidade muito maior na oferta de produtos. Há mercados de capitais locais nos dois países, portanto, há muito mais coisas que você pode fazer.
A diferença está na escala. Brasil e México, juntos, representam provavelmente mais de 50% do nosso negócio na América Latina. O tamanho desses dois mercados nos permite alocar mais pessoas, estruturar financiamentos mais sofisticados, atender clientes maiores e mais complexos. É um pilar da nossa estratégia.
Um ponto fundamental é que, ao combinar as quatro linhas de negócio, focamos muito em clientes com necessidades cross-border. Nossos clientes têm forte presença fora do país de origem. Atendemos clientes locais com necessidades locais, mas a maioria é local-internacional. Começaram no Brasil ou no México, mas se expandiram regional e globalmente. Atender esses clientes com necessidades transnacionais é parte essencial da nossa estratégia.
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Isso se aplica para clientes ainda locais mas com planos de se internacionalizar?
Sim, temos muitos exemplos assim. Ajudamos os clientes a expandirem suas operações fora do país de origem, tanto em atividades do dia a dia — como serviços de tesouraria, abertura de contas, estruturação de pagamentos e recebimentos — quanto em discussões estratégicas.
Recentemente, assessoramos um cliente da América Central na aquisição de uma empresa nos EUA. Ajudamos muitos clientes brasileiros a se expandir globalmente e a usarem uma tesouraria centralizada para gerenciar suas contas ao redor do mundo.
Isso faz parte do nosso core, dos nossos serviços de tesouraria. Muitos clientes realmente dependem do Citi para expandir sua atuação global. Eles precisam, como eu disse, abrir contas, pagar salários e fornecedores etc. Fazemos tudo isso. Colocamos os serviços de tesouraria no centro do relacionamento.
Há casos que podem ser citados?
Temos clientes que nos usam como plataforma de expansão. Nem sempre apenas dentro da América Latina. Ajudamos, por exemplo, um cliente do Uruguai - a dLocal - a se expandir na África. Eles abriram operações em mais de 20 países africanos - onde também temos presença.
O Mercado Livre é outro exemplo: a empresa tem presença praticamente em toda a América Latina, e nós os ajudamos nessa expansão.
Também ajudamos empresas brasileiras, como a Embraer, presente em muitos países ao redor do mundo. Ajudamos com toda a gestão de tesouraria.
E, olhando para o médio prazo, isso deve continuar assim?
Sim. Vamos continuar organizados em quatro linhas de negócios. Isso não vai mudar. Como eu disse, estamos crescendo organicamente, principalmente com a nossa base de clientes atual. Não temos uma estratégia de buscar muitos novos clientes. Já temos os clientes com os quais queremos trabalhar. O objetivo agora é aprofundar mais o relacionamento com esses clientes.
E como vocês pretendem aprofundar essa relação?
Inovação, consistência, intensidade e proximidade com os clientes. Inovação está basicamente nos serviços digitais — na automação, no banco digital. Se você pensar nos serviços de Banking e Markets, talvez há 20 anos tudo fosse manual. O cliente se dirigia ao banco com os documentos, com os contratos, assinava tudo. Nada disso acontece hoje. Tudo é automático.
Portanto, continuar a desenvolver produtos e soluções digitais é essencial para mantermos a liderança.
Quando analisamos o cenário atual, com tantas incertezas, tarifas etc., como isso pode afetar as necessidades dos clientes? E quais as oportunidades que podem surgir?
Ainda há muita incerteza. Muita mesmo. Agora, por exemplo, se fala de um possível acordo tarifário dos EUA com a China — algo que há um mês era improvável.
Mas acreditamos que a América Latina, em termos relativos, tem uma oportunidade diante de tudo isso que está acontecendo. E se os nossos clientes têm uma oportunidade, nós também temos — para continuar a apoiá-los.
A América Latina, em termos relativos, tem tarifas mais baixas do que outras regiões. Se excluirmos os produtos com tarifa zero, a tarifa média na região está por volta de 7%. Isso é muito melhor que em outras partes do mundo. E além disso, a América Latina tem, em geral, um custo de mão-de-obra mais baixo.
A situação econômica da região é relativamente estável. E estamos perto dos EUA. É difícil pensar que os EUA vão conseguir desenvolver toda a cadeia de produção de bens básicos e de baixo valor agregado dentro do próprio país.
Como, por exemplo, o que o México fornece...
Exato. O México se especializou bastante na produção de autopeças, equipamentos de comunicação, eletrodomésticos, eletrônicos. São muito competitivos. E o custo de trabalho no México é significativamente mais baixo do que nos EUA.
Portanto, acreditamos que vai haver algum reshoring, mas ainda haverá muita dependência desses bens de menor valor agregado - e de muitas indústrias ou produtos em que o México, o Brasil ou outros países da região se especializaram.
Acho que isso representa uma oportunidade para a América Latina, com a ressalva de que há muita incerteza no momento — não sabemos o que vai acontecer com o USMCA [Acordo EUA-México-Canadá], por exemplo.
O Brasil tem tudo do que o mundo precisa. E, se o Brasil for bem, os clientes irão bem. E, se os clientes forem bem, nós também estaremos bem, ajudando-os a crescer e se expandir. Estamos otimistas com o que está por vir.
Vocês já identificam alguma dessas tendências, como reshoring ou nearshoring, entre os clientes do Citi?
São decisões de longo prazo. Neste momento, acho que todos estão mais em modo de espera, tentando entender como tudo isso vai evoluir. Mas tenho certeza de que não vai ser como era antes. Algumas empresas vão repensar como gerenciam suas cadeias de suprimento. Vamos saber mais no segundo semestre.
O Citi, com uma operação tão ampla na América Latina e com grandes clientes corporativos, acaba sendo uma espécie de termômetro da economia. Vocês têm acesso às decisões das empresas. Havia uma transformação nos corredores de negócios da América Latina. Como isso fica?
Acho que vai continuar. As empresas continuarão a crescer internacionalmente. Os corredores de negócios vão continuar a se desenvolver. Talvez mudem um pouco, mas o movimento das empresas em se internacionalizar não deve parar.
Acreditamos que alguns países devem concluir acordos com os EUA mais cedo que outros, mas ainda haverá incertezas sobre como tudo isso vai se resolver e como os acordos vão afetar a América Latina.
Nesse contexto, quais são as indústrias que apresentam as oportunidades mais interessantes de crescimento para o Citi?
Há muita atividade no setor de energia na América Latina, também relacionada à transição energética. Há muito negócio em energia no México, no Brasil, na Colômbia, na Argentina e em outros países. Eu diria que energia é provavelmente uma das principais indústrias que estão no nosso foco.
Vemos oportunidades em empresas disruptoras em geral: não só fintechs mas em todas as indústrias. Mencionei o Mercado Livre. Em várias indústrias, há novos players, como o Nubank - lideramos o IPO deles. Os disruptores tecnológicos — vamos chamá-los assim — são também uma área de foco.
Depois, claro, a América Latina é naturalmente uma região com muita produção de alimentos. Tudo relacionado à cadeia de alimentos e todas as empresas de bens de consumo também são um foco grande para nós.
Somos também um banco muito grande para bancos. São clientes muito importantes, porque não competimos com eles em parte dos negócios — a maioria dos nossos grandes clientes do setor são bancos completos. E, como não competimos no varejo na região, também são um segmento muito importante para nós.
O setor público também é muito importante. Estamos muito próximos dos governos e das entidades governamentais. E outro segmento que é muito importante para nós são as subsidiárias de multinacionais.
Como se dá esse relacionamento?
Há cem anos, seguimos a expansão internacional de empresas americanas, como a Ford, a Coca-Cola, que abriram operações na América Latina, na Ásia e em outros países. E nós, por causa do relacionamento que já tínhamos nos EUA, éramos chamados para abrir um banco nesses países.
Essa é a origem da nossa presença internacional.
Há 20 ou 30 anos, empresas latino-americanas começaram a se expandir: para Brasil, México, Argentina e além. Muitas empresas brasileiras têm presença internacional muito relevante. E nós passamos a apoiar essas empresas da América Latina na expansão global.
O senhor mencionou o IPO do Nubank. Qual é sua avaliação sobre as perspectivas do mercado de capitais, dados os juros altos na região - e mesmo nos EUA?
Quando a discussão sobre tarifas aconteceu, houve muita volatilidade. Ficou mais difícil para as empresas latino-americanas acessarem o mercado de capitais durante aquele período. Mas agora os juros [longos] começam a cair, o índice de volatilidade (VIX) está em queda. As empresas começam a acessar o mercado de capitais novamente.
Os mercados de dívida estão abertos para a América Latina. Na semana passada [retrasada], por exemplo, emitimos um bond para a maior empresa de consumo da Colômbia — foram US$ 2 bilhões.
Também fizemos emissão de dívida no Peru com outro banco. Há vários exemplos nas últimas duas semanas.
Nos mercados de ações é mais difícil. Acho que eles vão se abrir, mas ainda estão nos estágios iniciais. Começamos a ver alguma atividade.
O senhor diria que há uma reabertura?
Sim. Mas ainda não estão tão abertos quanto os mercados de dívida para as grandes empresas e para os governos. E lembre-se: nós focamos em grandes corporações. O mercado de dívida está aberto para essas empresas.
O mercado de ações ainda está por ser visto. Mas estou otimista de que no segundo semestre do ano veremos ofertas de ações da América Latina nos EUA.
Houve mais operações de finanças sustentáveis nos últimos anos, mas o novo governo nos EUA sinalizou uma mudança de política ambiental. Qual a visão do banco em relação à demanda dos clientes?
Não mudamos nossas metas de net zero para 2030. Isso continua. Continuamos muito ativos em tudo relacionado a finanças sustentáveis. Isso não mudou, mesmo com diferentes visões que o governo possa ter.
O Citi, como instituição, está comprometido com essas metas e continuará atuando. Isso faz parte do nosso DNA e não vai mudar.
O que o senhor considera mais interessante hoje no setor financeiro e que mais chama a sua atenção?
Tudo o que está relacionado a banco digital e a inteligência artificial. Tudo relacionado à modernização do setor financeiro e dos bancos.
Isso talvez seja a coisa mais interessante acontecendo: como os bancos estão se modernizando, como estão se tornando mais acessíveis. Não só o banco de atacado mas o setor bancário como um todo.
O modelo tipo Nubank — fácil, amigável. Acho que isso é muito interessante. Quando viajo pela região, vejo que o uso de dinheiro em espécie está diminuindo drasticamente. Todos estão com carteiras digitais — no Peru, na Colômbia, há o Pix no Brasil. As pessoas não estão mais usando dinheiro físico.
Isso é inclusão financeira. Começamos a incorporar mais partes da população ao sistema financeiro de uma forma muito amigável. A todos os lugares que você vai, você paga, por exemplo, um vendedor de rua com carteira digital.
Pelo menos na América Latina, isso é uma tendência muito interessante que vimos nos últimos cinco anos. Não faz muito tempo, era tudo em dinheiro.
E, no fim do dia, essa tendência também impacta o negócio do Citi...
Sim. Como eu disse, toda essa digitalização, as soluções digitais, joga a nosso favor. Porque o nosso modelo de negócios é baseado nisso. É digital. Não temos presença física relevante. Não conseguimos competir com bancos locais que têm centenas de agências espalhadas pelos países.
Portanto, pagamentos digitais, cobranças digitais — em vez de cobranças e pagamentos físicos —, tudo isso nos favorece.
Havia mercados que antes não conseguíamos alcançar, e agora conseguimos. Havia uma parte da receita do setor bancário que não acessávamos por falta de presença física, e agora conseguimos.
Os clientes empresariais usam o Pix no Brasil. Todo mundo usa. Diria que é 100%. O mesmo acontece com o Yape no Peru. Acho que 100% da população tem. Não dá para operar sem isso. Porque todo mundo quer pagar com isso.
O Mercado Pago, na Argentina, também — todo mundo tem. Não sei se chega a 100% de penetração, mas é muito alto. Você paga tudo por lá.
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