Opinión - Bloomberg

Produção de petróleo atingiu o pico nos EUA. Mas não espere uma queda rápida

Operações de xisto no Texas e do Golfo do México mantém a produção do país relativamente elevada, o que ajuda a manter os preços mais baixos

Plataforma vertical de perfuração de petróleo
Tempo de leitura: 6 minutos

Bloomberg Opinion — O protagonista fumante inveterado de Landman, a série da televisão americana sobre o setor petrolífero do Texas, coloca isso melhor do que ninguém: “Você quer que o petróleo fique acima de US$ 60, mas abaixo de US$ 90”, diz o fictício Tommy Norris. “US$ 78 por barril, isso é quase perfeito.”

Na vida real, os preços estão muito abaixo desse nível “perfeito”. No início deste mês, o West Texas Intermediate (WTI), referência do setor no país, foi negociado abaixo de US$ 60 por barril, atingindo a mínima de US$ 55 em quatro anos.

Embora os preços tenham se recuperado nos últimos dias, o impacto começa a ser sentido no Texas e em outros lugares: as empresas de xisto cortaram gastos, anunciando que reduzirão o número de plataformas de perfuração e equipes de fraturamento hidráulico que empregam.

Os EUA são responsáveis por dois em cada 10 barris de petróleo bombeados em todo o mundo, portanto, o que acontece lá tem um impacto enorme.

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Com os preços atuais, a produção de petróleo de xisto dos EUA provavelmente atingiu seu pico. Mas não espere um declínio rápido como as quedas de 2015 e 2020; a trajetória mais provável é um platô ondulado.

Seja qual for a forma, ela será crucial para o mercado global. O cartel da Opep+ está aumentando a produção mais rápido do que o esperado, e o crescimento da demanda têm desacelerado devido à guerra comercial. Isso faz com que o xisto seja a principal alavanca de ajuste.

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“Esperávamos que a produção geral dos EUA atingisse o pico entre 2027 e 2030”, disse Vicki Hollub, CEO da maior produtora de xisto, a Occidental Petroleum, aos investidores na semana passada. “Parece que esse pico pode chegar antes”. Outros repetiram suas palavras.

A ressalva dos “preços atuais” é crucial. Com o xisto, pequenas mudanças de preço são muito importantes: a diferença entre a produção em expansão e a produção em declínio é medida em um punhado de dólares, talvez apenas de US$ 10 a US$ 20 por barril.

A US$ 50, muitas empresas enfrentam uma calamidade financeira e a produção está em queda livre; a US$ 55 é possível sobreviver; a US$ 60 não é muito bom, mas o dinheiro ainda flui e a produção se mantém; a US$ 65, todos voltam a perfurar mais; e a US$ 70, o setor imprime dinheiro e a produção está em alta.

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Os preços do petróleo se traduzem em produção. O elo é o índice de reinvestimento: quanto dinheiro as empresas de xisto dedicam à perfuração de novos poços em comparação com o pagamento de seus acionistas e credores.

Esse percentual muda constantemente. No passado, as empresas de xisto reagiram aos baixos preços do petróleo aumentando o índice de reinvestimento, dedicando muito mais dinheiro à perfuração. Mas, no momento, essas empresas são pressionadas pelos investidores a pagá-los.

Dessa forma, o atual enfraquecimento dos preços pode se traduzir em enfraquecimento da produção mais rapidamente do que ocorreu durante as recessões anteriores, em 2020-2021 e 2014-2016.

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Por enquanto, os sinais de desaceleração estão por toda parte: o número de plataformas de perfuração de petróleo ativas agora é de 474, o segundo menor desde o final de 2021, de acordo com dados da Baker Hughes.

Mas no xisto, a perfuração não é o barômetro mais importante. Muito mais importante é a proporção das chamadas equipes de fraturamento, as equipes especializadas que realizam o fraturamento hidráulico, ou fracking, nos poços: injetando água, areia e produtos químicos no subsolo para liberar o petróleo da rocha de xisto difícil de quebrar.

Na Bacia do Permiano, a principal região de xisto que abrange o Texas e o Novo México, o número de equipes de fraturamento hidráulico caiu para 105, o menor número em quatro anos, de acordo com a Primary Vision, uma empresa que acompanha as tendências do setor.

Em 2023, quando o petróleo estava próximo de US$ 100 por barril, mais de 160 equipes estavam trabalhando no Permiano.

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As principais empresas de xisto, da Diamondback Energy à ConocoPhillips, usaram as divulgações de resultados do primeiro trimestre para anunciar gastos menores. Ainda assim, a maioria delas advertiu que as restrições não se traduzirão em grandes quedas na produção.

Isso se deve a três motivos: a maioria das empresas bombeou mais do que havia previsto entre janeiro e março, compensando a fraqueza futura; todas elas estão perfurando com muito mais eficiência; e, embora a produção de petróleo bruto possa cair, a produção de outros fluxos de petróleo, como condensados e líquidos de gás natural, provavelmente terá um desempenho melhor.

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A produção total de petróleo dos EUA atingiu seu pico mais recente em outubro, com 20,68 milhões de barris por dia, de acordo com dados do governo. Os dados semanais mais recentes, que normalmente são menos confiáveis, colocam a produção total em cerca de 20,4 milhões de barris por dia.

Se os dados semanais se mostrarem precisos e a produção se mantiver nesse nível até o fim do ano, os EUA ainda bombearão em 2025 uma média de cerca de 20,3 milhões de barris por dia, acima da média anual de 20,1 milhões de barris em 2024.

Somente se a produção total dos EUA cair para 20 milhões de barris por dia em junho ou julho é que a média anual em 2025 ficará abaixo da do ano passado.

É mais provável que haja uma queda na média anual em 2026, mas para isso o setor de xisto precisa enfrentar preços baixos por muitos meses mais.

O xisto não é a única parte em jogo no setor petrolífero americano. O Golfo do México, nos EUA, é responsável por quase 20% da produção total de petróleo do país, e é provável que a produção aumente este ano com a entrada em operação de vários projetos, ajudando a compensar a queda na produção em terra.

Por enquanto, tudo indica que os EUA não verão um rápido declínio na produção média anual de petróleo. Um pico parece muito provável; e até mesmo uma pequena queda pode se materializar se os preços continuarem deprimidos.

Mas nada sugere que os EUA estejam prestes a ver uma repetição do grande declínio em 2020, quando a produção média anual caiu quase 650.000 barris por dia em relação a 2019.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Javier Blas é colunista da Bloomberg Opinion e cobre energia e commodities. É coautor de “The World for Sale: Money, Power, and the Traders Who Barter the Earth’s Resources”.

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