Bloomberg — Warren Buffett vai deixar o cargo de diretor-presidente (CEO) da Berkshire Hathaway, a empresa que construiu ao lado de seu falecido parceiro Charlie Munger ao longo das últimas seis décadas. É um gesto final de humildade de um homem que muitos consideram o maior investidor de todos os tempos.
Atuando em uma era repleta de supostos videntes de Wall Street, o Buffett de 94 anos sempre rejeitou a ideia de que alguém — nem mesmo ele — pudesse prever o futuro.
Apelidado de Oráculo de Omaha (talvez um nome impróprio), ele atribuía seu sucesso à paciência e à insistência em comprar apenas os negócios que compreendia.
Desde os primeiros anos da Berkshire, esses incluíam uma fábrica têxtil, a seguradora Geico, o jornal Buffalo News e a confeitaria See’s Candies.
Leia mais: Fim de uma era: Warren Buffett diz que deixará o comando da Berkshire no fim do ano
Após entregar um ganho anual composto de 20% entre 1964 e 2024 — cerca do dobro do índice S&P 500 —, o negócio agora é um gigante avaliado em mais de US$ 1,16 trilhão, com mais de 390 mil funcionários e um caixa que totaliza US$ 347,7 bilhões.
Buffett deu crédito às pessoas ao seu redor, incluindo o vice-presidente responsável pelas operações fora do setor de seguros, Greg Abel — seu sucessor escolhido — e, é claro, Munger, um advogado de formação e jogador de pôquer.
Com a influência de Munger, Buffett foi aos poucos se afastando da filosofia de comprar investimentos tipo “bituca de charuto” — como havia aprendido com seu mentor Ben Graham — para um estilo de investimento que talvez hoje seja melhor caracterizado como “qualidade”: comprar grandes empresas pelo preço certo.
O exemplo-chave dessa visão de mundo no portfólio da Berkshire passou a ser a Apple. “Tenho vergonha de dizer que Tim Cook fez mais dinheiro para a Berkshire do que eu jamais fiz, então o crédito deve ser dado a ele”, disse Buffett no sábado (3), com o CEO da Apple, Cook, presente na plateia.
A lenda de Buffett cresceu durante a crise financeira global de 2008, quando ele aproveitou a oportunidade para fazer investimentos no Goldman Sachs, na General Electric e na Dow Chemical.
Ele conseguiu isso porque havia acumulado caixa antes da crise — como também fez nos últimos anos.
Leia mais: De discípulo a CEO: quem é Greg Abel, o sucessor de Buffett no comando da Berkshire
No entanto ele sempre rejeitou a noção de que tivesse algum tipo de clarividência ou que alguém no setor de investimentos tivesse tal capacidade — um tema ao qual retornou no sábado, ao ser questionado sobre o estado atual dos mercados financeiros e os riscos econômicos do momento.
Segundo Buffett, ele sempre apenas esperou as oportunidades certas aparecerem e ignorava qualquer coisa que estivesse aquém disso.
De certa forma, a humildade era a marca de Buffett.
Embora tenha trabalhado brevemente em Nova York no início de sua carreira, Buffett acabou voltando para construir a Berkshire em Omaha, Nebraska, onde nasceu e onde vive até hoje na casa que comprou em 1958 por US$ 31.500.
Sempre insistiu em tratar os acionistas da Berkshire como co-proprietários da empresa, uma filosofia que sempre se manifestava em sua extensa reunião anual de acionistas em Omaha, apelidada de Woodstock do Capitalismo, na qual Buffett ficava horas respondendo perguntas da plateia.
Apesar da trajetória incrível da Berkshire, as tendências conservadoras de Buffett talvez também tenham contribuído para o desempenho mais fraco da empresa nos últimos anos — uma era em que dinheiro barato e fácil frequentemente impulsionava os valuations para níveis extraordinários.
Desde a crise financeira, a Berkshire tem apenas acompanhado o desempenho do S&P 500, um índice que qualquer investidor pode replicar por meio de cotas de um fundo negociado em bolsa (ETF).
Parte disso pode refletir as mudanças na indústria de investimentos, que se tornou mais democratizada — mas também mais difícil de superar, mesmo para os investidores mais talentosos.
Outros diriam que os valores das ações estão altos demais em relação aos níveis históricos e prestes a sofrer uma correção, e que a Berkshire, com seu caixa robusto, pode acabar saindo por cima.
Quanto à fortuna pessoal de Buffett, de US$ 168,6 bilhões, ele deve pelo menos parte dela à sua longa carreira e vida, e à mágica dos juros compostos, como frequentemente admitiu.
Embora o anúncio de Buffett neste sábado tenha sido inesperado, Abel, de 62 anos, há muito vinha sendo preparado como o sucessor do Oráculo.
Buffett, começando a soar como os 94 anos que tem, disse que recomendaria ao conselho de administração que Abel se tornasse o novo diretor-presidente.
Mais cedo naquele dia, Buffett — com seu característico humor caipira — rejeitou a ideia de que a grande reserva de caixa da Berkshire fosse um presente para Abel, para fazê-lo parecer bem.
“Eu jamais faria algo tão nobre quanto deixar de investir só para o Greg parecer bem”, disse ele.
E não estava brincando totalmente. Por mais que Buffett valorizasse os relacionamentos, sua lealdade número um nos negócios sempre foi para com os acionistas da Berkshire — algo que demonstrou mais uma vez ao preparar o terreno para o início de sua sucessão.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Jonathan Levin é um colunista com foco nos mercados e na economia dos EUA. Anteriormente, trabalhou como jornalista da Bloomberg nos EUA, no Brasil e no México. É analista financeiro com certificação CFA.
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
Buffett dá lições sobre o que realmente faz os EUA serem um grande país
Por que Bill Ackman pode suceder Warren Buffett como oráculo do mercado