Peso argentino, com dias contados com Milei, ganha força com medidas do governo

Moeda argentina, que deixará de circular se promessa de dolarização for cumprida, subiu 25% contra o dólar no mercado paralelo em três meses, o maior ganho entre 148 moedas, segundo a Bloomberg

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Por Ignacio Olivera Doll
27 de Abril, 2024 | 01:18 PM

Bloomberg — Depois de quatro meses no cargo, o presidente da Argentina, Javier Milei, parece ter alcançado quase um milagre: estabilizou a moeda do país.

A ironia é que essa recuperação do peso tenha ocorrido em seu governo. Durante sua campanha presidencial, Milei havia chamado o peso de “excremento” e prometeu eliminá-lo completamente, com a sua substituição pelo dólar americano como uma de suas principais bandeiras.

No entanto o peso não apenas parou de despencar dia após dia como também, em um dos muitos e complexos mercados cambiais da Argentina, se recuperou com força.

A moeda argentina disparou 25% contra o dólar no mercado paralelo nos últimos três meses, o maior ganho entre as 148 moedas monitoradas pela Bloomberg.

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Esse é um dado surpreendente para um país em que a moeda local parecia sofrer uma queda livre interminável (a menor desvalorização anual na última década foi de 15%).

Isso é resultado dos grandes esforços de Milei para reduzir o gasto público, restringir a demanda na economia (inclusive por dólares) e controlar uma inflação que havia disparado para quase 300% ao ano.

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Milei usa sua retórica para descrever o ajuste fiscal como “o maior da história da humanidade”. Pode ser um exagero, mas não tanto: os cortes representam quase 4% do Produto Interno Bruto do país. O ajuste é tão agressivo que funcionários do banco central estimaram que ele seria maior do que 90% de todos os realizados no mundo nas últimas décadas.

Peso argentino tem melhor desempenho versus o dólar nos últimos três meses entre principais moedas no mundo |dfd
Peso argentino fue la mejor moneda del mundo en tres meses |dfd

O peso valorizado de Milei, porém, acende alguns alertas.

Por um lado, os cortes nos gastos afundaram a economia em uma profunda recessão. Analistas alertam que, à medida que o desemprego aumentar, a pressão política para que Milei suavize os cortes de gastos também aumentará.

Além disso, o presidente teve que recorrer a medidas provisórias para cortar o orçamento porque seu pacote de reformas enfrentou resistência no Congresso. Isso é um sinal do pouco apoio político ao seu plano econômico.

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“A grande novidade na Argentina é que a pessoa no comando não está preocupada em pagar o custo político da austeridade, e isso é incomum”, disse Javier Casabal, chefe de pesquisa do AdCap Grupo Financiero em Buenos Aires. “O objetivo do governo continuará sendo quebrar a espinha dorsal da inflação.”

Isso leva a outro grande risco: que a inflação não caia tão rápido quanto a equipe de Milei prevê. Isso não apenas alimentaria o descontentamento dos argentinos mas também aumentaria ainda mais o valor da moeda em termos reais.

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Desde que começou a estabilizar-se em janeiro, o peso se fortaleceu 72% considerando a inflação. Os investidores argentinos acompanham de perto as mudanças no poder de compra real da moeda.

O fortalecimento da moeda é um sinal positivo para um país, mas apenas até começar a desencorajar exportações e afastar turistas. E já há quem especule que isso esteja começando a acontecer.

“Quando os exportadores param de vender, o peso paralelo enfraquece”, alertou Melina Eidner, economista da PPI, uma corretora em Buenos Aires.

Por ora, porém, a moeda se recupera. Em alguns dias, ela se fortaleceu até 4%.

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Mesmo no mercado oficial, em que ocorre a maioria das grandes transações de importação e exportação, o peso permanece quase estável. As autoridades o fazem cair ligeiramente a cada dia - cerca de 0,05% - em um sistema fortemente regulado projetado para suavizar as oscilações.

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A estabilidade do peso é tanta que até o banco central pôde comprar dólares diariamente no mercado para acumular suas magras reservas internacionais.

Isso mostra o quanto a Argentina está desconectada dos mercados globais: a maioria dos bancos centrais no mundo está fazendo, ou considera fazer, exatamente o contrário para apoiar suas moedas em relação ao dólar, que passou a se fortalecer diante da mudança de expectativas sobre o início do corte de juros pelo Fed nos Estados Unidos.

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Críticos dizem que essas dinâmicas de mercado se devem ao fato de que Milei manteve as restrições cambiais herdadas. Mas isso não explica completamente por que essas regras não foram suficientes para impedir a queda do peso no mercado paralelo antes de Milei assumir o poder.

A diferença é que os argentinos, pelo menos por agora, mostram mais confiança no peso, o que reduz a demanda por dólares como refúgio. E que, após o ajuste fiscal, o banco central não precisa mais emitir dinheiro para financiar o gasto público, interrompendo uma fonte constante de pressão sobre a moeda.

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“Com este governo, a política econômica começa a ser racional”, afirmou Carlos Pérez, diretor da consultora Fundación Capital.

Mas ele também apontou que muitas pessoas que converteram dinheiro excedente para dólares agora precisam vender a moeda americana para pagar itens do dia a dia após o aumento da inflação. “Seus salários não são suficientes”, disse ele.

Milei desencadeou esse aumento da inflação em dezembro ao tomar medidas dolorosas, mas, em sua opinião, necessárias para liberar a economia.

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Ele eliminou alguns dos controles de preços que mantinham a inflação artificialmente baixa e permitiu que a taxa de câmbio oficial enfraquecesse para se aproximar do dólar paralelo.

A dúvida é por quanto tempo essa nova estabilidade durará.

Para Casabal, do AdCap, a situação deve continuar pelo menos até julho. Depois disso, ele não está tão seguro. Ele se preocupa com a política e a pressão a qual Milei pode ser submetido.

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“A fragilidade política na Argentina”, disse Casabal, “pode te desconectar dos fundamentos e gerar um salto cambial.”

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