Lounge vip no aeroporto de Changi em Singapura: um dos benefícios mais valorizados por quem usa cartão de crédito (Foto: Bryan van der Beek/Bloomberg)
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Bloomberg Opinion — Brian Kelly é pioneiro no setor que ajuda os usuários de cartão de crédito a aproveitar ao máximo as milhas aéreas e outras recompensas. Ele começou a trabalhar com isso quando jovem, devido à determinação de sempre voar na classe executiva. Sua motivação? “Tenho 1,80 metro de altura!”, disse.

Infelizmente, para os obcecados por pontos como Kelly, os programas de recompensas estão ameaçados. Trata-se de um negócio multibilionário nos Estados Unidos e também em países como o Brasil, com base em taxas de utilização que os críticos dizem que prejudica as pequenas lojas e aumenta os preços para os consumidores.

À frente da campanha está o senador pelo estado de Illinois, Dick Durbin, que conseguiu reduzir os custos de processamento de cartões de débito há mais de uma década e, no ano passado, apresentou uma Lei de Concorrência de Cartões de Crédito.

Nada disso é simples.

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Forçar a redução das taxas que financiam esses programas prejudicará os lucros dos bancos e das companhias aéreas, mas isso não significa que eles serão os maiores beneficiados. Na verdade, os maiores vencedores podem ser quem gasta mais e não sabe administrar seu dinheiro.

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As recompensas de cartões de crédito são um fenômeno fascinante e peculiar, lançado no início da década de 1980.

No fundo, elas são um truque clássico que permite que as pessoas pensem que estão recebendo algo de graça, enquanto os custos reais estão ocultos. Os pontos são financiados pelas chamadas taxas de intercâmbio (o interchange), que são definidas por bandeiras como Visa ou Mastercard e são pagas ao banco que emite seu cartão de crédito com base no preço do item que você está comprando.

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Os prêmios são muito lucrativos para as empresas que administram programas de fidelidade: eles incentivam os clientes a gastar mais e a voltar para as mesmas marcas.

De muitas maneiras, os consumidores estão sendo guiados pelo nariz e, ainda assim, todos acham que estão fazendo um ótimo negócio. “Eles agregam um valor enorme aos consumidores”, insiste Kelly. “Demora um pouco para entendê-los, mas as pessoas estão ficando cada vez melhores em usá-los”.

A diferença entre as taxas cobradas em cima da utilização e o custo dos prêmios vale até US$ 20 bilhões por ano somente para os dois maiores emissores de cartões dos Estados Unidos, a American Express (AXP) e o JPMorgan Chase (JPM).

Esse não é um lucro puro: há outros custos e nem todas essas taxas são provenientes do uso do cartão de recompensa. Também é um grande negócio para as companhias aéreas.

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A AmEx pagou à Delta Airlines US$ 6,8 bilhões no ano passado, principalmente por seu programa de milhas SkyMiles, um aumento em relação aos US$ 5,5 bilhões do ano anterior. Algumas dessas milhas nunca são usadas, mas a maioria ajuda a Delta a preencher assentos em voos menos populares, ou são gastas em franquias de bagagem ou acesso a lounges.

A concorrência está cada vez mais acirrada, e o custo dos programas de recompensas cresce mais rápido do que a receita das taxas de utilização no JPMorgan e na AmEx há anos, especialmente desde 2021.

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As taxas de utilização dos cartões não são a única fonte de financiamento. Os consumidores estão cada vez mais dispostos a pagar pelo acesso a prêmios mais sofisticados. É por isso que eles se inscrevem em programas como o cartão AmEx Platinum de US$ 695 por ano, por exemplo, de acordo com Andrew Davidson, diretor de insights da Mintel, um grupo de pesquisa de mercado.

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Os aspectos econômicos ficam claros quando se pensa nisso. Tomemos como exemplo os cartões de cashback, usados por cerca de 70% dos americanos, disse Davidson. Deveria ser bastante óbvio que, se o seu banco lhe dá US$ 0,02 de volta para cada dólar gasto, é porque ele está cobrando mais do que isso em taxas de utilização, que normalmente variam de 1,5% a 3%.

E é isso que incomoda o senador Durbin e os varejistas que acreditam que a tarifa de intercâmbio é muito alta. Os comerciantes têm pouca escolha quanto à forma de pagamento (no Brasil, é uma das razões para o crescimento do uso do Pix) e têm que arcar com o custo se você usar um cartão. Portanto, o argumento é que ou o valor está embutido em todos os preços e as pessoas que usam dinheiro ou cartões de débito estão pagando a mais, ou os varejistas são prejudicados ao aceitar cartões de crédito.

Entretanto limitar as taxas de intercâmbio não significa necessariamente preços mais baixos; isso pode apenas aumentar os lucros dos varejistas. “Não se engane: esse projeto de lei foi redigido especificamente para proporcionar um grande pagamento para os grandes varejistas e grandes supermercados”, escreveu um grupo de lobby bancário em uma carta ao Congresso americano em setembro de 2023.

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As evidências sobre o que acontece quando as tarifas de utilização dos cartões são cortadas são variadas.

Na Europa e no Reino Unido, os órgãos reguladores limitaram as taxas de intercâmbio a uma fração de 1% para cartões de débito e crédito em 2015. Os emissores de cartões perderam muita receita, mas compensaram parcialmente ajustando outras taxas de processamento.

No final das contas, menos da metade da economia obtida com o intercâmbio chegou aos comerciantes e cerca de dois terços desse valor foi repassado aos consumidores por meio de preços mais baixos, de acordo com um estudo de 2020 financiado pela Comissão Europeia.

Nos EUA, o cenário é mais sombrio.

As taxas de cartão de débito foram limitadas em 2011 depois que o senador Durbin anexou uma emenda à legislação. Isso praticamente acabou com as recompensas de débito, mas aparentemente não ajudou em nada os consumidores.

De acordo com um estudo de 2014 do Federal Reserve Bank de Richmond, dois terços dos comerciantes não observaram uma mudança perceptível nas taxas de processamento, enquanto 25% observaram um aumento nas taxas de utilização, principalmente em itens de pequeno valor.

Isso pode ter ocorrido porque a limitação das tarifas para pagamentos de alto custo incentivou os bancos a aplicar uma tarifa mínima nominal em compras pequenas. Mesmo entre os comerciantes que viram os custos caírem, muito poucos reduziram os preços como resultado.

A principal esperança de Durbin de ajudar os consumidores comuns a lidar com o aumento do custo de vida provavelmente está equivocada.

Mas também acredito que as recompensas, por mais que os consumidores gostem delas, provavelmente são um mau negócio para a maioria das pessoas. As pessoas que obtêm o melhor resultado são as que têm renda alta, com alta pontuação de crédito e que usam muito seus cartões, mas quitam o saldo todo mês e, portanto, pagam juros mínimos, de acordo com a análise de dois economistas do Fed e outros publicada no final de 2022.

As pessoas que obtêm o pior negócio também são as que ganham muito, gastam muito, mas têm baixo crédito, obtêm menos prêmios e, consequentemente, pagam muitos juros sobre saldos não compensados.

Mas, provavelmente, o mais interessante de tudo é que, ao contabilizar o custo dos prêmios e das dívidas incobráveis em comparação com a receita das tarifas de utilização e dos juros auferidos, os bancos ganham mais dinheiro com cartões atrelados a prêmios em todo o espectro de crédito do que com os cartões de crédito clássicos, de acordo com o mesmo estudo.

No final, é um pouco como um jogo de azar: a casa sempre ganha.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Paul J. Davies é colunista da Bloomberg Opinion e cobre bancos e finanças. Foi repórter do Wall Street Journal e do Financial Times.

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