Foto do letreiro do aplicativo Flip no prédio da Nasdaq
Tempo de leitura: 6 minutos

Bloomberg Opinion — O conceito de social commerce, que já tem ampla presença na Ásia, busca aproveitar o que antes era o papel de influenciadores sorridentes e levá-lo para praticamente todo mundo. Compre um produto, faça um vídeo convencendo seus amigos a fazer o mesmo e ganhe dinheiro. Pessoalmente, não gosto do modelo, mas, segundo analistas, esse será um mercado de US$ 100 bilhões até 2025.

Nos Estados Unidos, diz-se que capturar essa oportunidade é uma batalha entre dois gigantes existentes, em que cada oponente tem o que o outro quer. A Amazon (AMZN) tem as compras, mas não conta com uma plataforma social atraente. O TikTok tem o modelo viciante, mas fez apenas incursões limitadas em vendas. Ambas trabalham arduamente para tentar resolver suas deficiências.

Mas um novo oponente surgiu: o Flip. Um novato ousado, cofundado pelo refugiado iraquiano Noor Agha, de 37 anos, aplicativo até agora recebeu pouca atenção do grande público, mas em certos círculos cria um burburinho diferente de qualquer outro aplicativo que encontrei há algum tempo.

Por não ter um negócio existente para proteger, o aplicativo Flip está tentando corrigir algumas frustrações com o e-commerce. E também pode ser um caso de teste interessante: em um momento de escrutínio sobre o poder das grandes plataformas de tecnologia, será que um novato com novas ideias pode realmente competir com as empresas estabelecidas com grandes recursos?

PUBLICIDADE

O Flip funciona de forma muito parecida com o TikTok. O usuário assiste a um vídeo na vertical e navega deslizando de um clipe para o outro. Todas as postagens são sobre produtos que podem ser comprados diretamente por meio de um botão “adicionar ao carrinho” no vídeo. Um contador no canto superior direito exibe um valor em dólares que aumenta em alguns centavos a cada vídeo assistido – o valor pode ser aplicado como um desconto.

A tração do Flip vem graças a um recente e agressivo programa de indicações virais, cujos detalhes ainda são mantidos em segredo por Agha, com quem conversei recentemente.

“Esse é um mecanismo viral que superará todos os mecanismos virais da história”, afirmou ele, sem entrar em detalhes. Ele disse que teme que alguma outra empresa possa roubar o conceito. De fora, parece ser uma combinação de coleta consensual de catálogos de endereços telefônicos e descontos pesados tanto para os usuários quanto para as pessoas que eles convencem a participar. Alguns disseram que se assemelha ao marketing multinível.

PUBLICIDADE

Com a exuberância de um homem que ainda não fez muitas divulgações na imprensa, Agha disse que seu plano viral fez com que a receita aumentasse “50 vezes” no último mês – mas ele não deu valores concretos. Dito isso, dados independentes da SensorTower de fato sugerem um aumento: a empresa de pesquisa diz que o aplicativo Flip foi baixado 3,6 milhões de vezes em todo o mundo, com um pico em outubro, coincidindo com o impulso viral e a expansão da empresa para além da categoria de beleza. O Data.ai, outro grupo de análise, disse que em outubro o Flip foi o segundo aplicativo de compras que mais cresceu tanto no iOS quanto no Android.

LEIA +
O desafio do TikTok para concorrer com a Amazon com seu próprio marketplace

O Flip continua sendo um peixe pequeno em comparação com a Amazon e o TikTok. Mas o aplicativo de Agha pode encontrar uma oportunidade ao aproveitar os pontos fracos inerentes a esses concorrentes maiores. A experiência do usuário da Amazon se deteriorou, tendo passado os últimos anos se inclinando fortemente para expandir sua seleção com vendedores estrangeiros e oferecendo uma grande quantidade de listagens patrocinadas não confiáveis.

A propriedade chinesa do TikTok, enquanto isso, é uma questão persistente e, em um nível mais prático, o aplicativo tem o desafio de injetar funções de compras em uma plataforma conhecida por sua dança e comédia. Os consumidores da geração Z, que cresceram na era dos influenciadores, são experientes o suficiente para reconhecer endossos não autênticos.

As coisas são planejadas de forma um pouco diferente no Flip. “Eu diria que não inventamos nada”, disse Agha. “Apenas juntamos as melhores peças que as pessoas querem.” Ao contrário dos vendedores terceirizados da Amazon, o Flip permite que apenas marcas verificadas vendam diretamente. Agha diz que são cerca de mil, mas ele espera que esse número chegue a cerca de 7.000 até o final deste ano. Somente as marcas que enviam produtos de dentro dos EUA são elegíveis.

PUBLICIDADE

É importante ressaltar que, diferentemente das lucrativas “parcerias de marca” que financiam o setor de influenciadores, as marcas são estritamente proibidas de entrar em contato diretamente com os usuários do Flip para tentar fazer com que eles avaliem seus itens. Os endossos devem ser feitos para produtos que os próprios usuários tenham comprado, e o aplicativo inclui um mecanismo para denunciar marcas que ultrapassem os limites – cerca de “quatro ou cinco” foram banidas da plataforma até o momento, disse Agha, mas novamente ele não quis entrar em detalhes.

Quando os usuários fazem uma venda, eles recebem uma comissão variável, dependendo do produto. Mas os usuários também recebem pagamentos por engajamento, o que torna tão lucrativo, em teoria, publicar uma avaliação negativa quanto uma positiva. Em média, diz Agha, 70 centavos de cada dólar pago aos usuários estavam relacionados ao engajamento, não às vendas. Ainda assim, é bastante claro que a plataforma está repleta de avaliações extremamente positivas. Embora o aplicativo tenha aspirações amplas – as categorias atuais incluem mantimentos e produtos para pets – há uma forte tendência de itens particularmente adequados ao formato imediatista.

Isso chega ao cerne de minhas dúvidas sobre o social commerce em geral. Tenho a sensação de que os usuários estão comprando itens não porque queriam ou precisavam, mas porque sabiam que seriam rápidos e fáceis de vender em suas recomendações. Isso é ótimo para bugigangas de baixa margem de lucro, mas talvez não seja o ideal para categorias potencialmente mais lucrativas.

PUBLICIDADE

Outro desafio será a logística. A maioria das marcas se encarrega do envio, embora o Flip tenha (até o momento) dois armazéns próprios para enviar mais rapidamente os itens mais populares. Para fazer um teste, fiz um pedido de um conjunto de quatro tigelas no Flip. A encomenda levou oito dias para chegar. Não é muito tempo, mas não se compara aos prazos do Amazon Prime. Agha insiste que as entregas se tornarão mais rápidas.

LEIA +
Geração Z consome mais marcas de luxo com impulso de TikTok e outras redes

A questão é quanto capital de risco estará disponível para enfrentar o desafio. O Flip tem US$ 94,7 milhões arrecadados em um valuation de US$ 500 milhões, de acordo com o Pitchbook. Agha disse que está levantando uma rodada muito maior, que, segundo ele, teria um valuation muito maior. Mas, como observou o jornal The Information, os possíveis investidores podem se preocupar com o fato de o Flip estar destinado a seguir o caminho dos aplicativos de entrega rápida que perderam clientes rapidamente quando os descontos generosos acabaram.

Isso também preocupa as marcas. Entrei em contato com Chris Meade, cofundador de uma pequena empresa de equipamentos esportivos, a Crossnet. Um de seus produtos mais recentes, uma raquete de pickle ball que custa US$ 59,99, foi um sucesso no Flip – tanto que “estamos pegando nossas raquetes que estavam em estoque na Amazon e enviando-as de volta ao nosso depósito para nossos clientes do Flip”. Meade disse que a participação do Flip na venda, em torno de 4% a 6%, foi muito mais fácil de aceitar do que a da Amazon – cerca de 15%. Ainda assim, ele está cauteloso quanto a desviar muito estoque por enquanto: “eu ficaria muito curioso para ver qual porcentagem de clientes estava pagando com seu próprio dinheiro”.

No passado, eu diria que a Flip estava pronta para ser adquirida. Mas, com o atual escrutínio dos grandes negócios de tecnologia, parece mais provável que o aplicativo tenha que se virar sozinho. Uma tarefa difícil, especialmente quando se considera o calibre da concorrência.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Dave Lee é colunista da Bloomberg Opinion e cobre a área de tecnologia dos EUA. Foi correspondente para o Financial Times e a BBC News.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Empresas chinesas avançam no Brasil e já têm 30% do mercado de elétricos