Esta cidade brasileira revolucionou a gestão da riqueza que vem do petróleo

Recursos da exploração do pré-sal proporciona a cidades como Maricá um problema invejável: muito dinheiro para gastar e grandes decisões de alocação a serem tomadas

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Bloomberg Opinion — Na América Latina, não é todo dia que se vê uma cidade recebendo tanta receita do governo que gastá-la se torna uma dor de cabeça. Bem-vindo a Maricá, um município de quase 200 mil habitantes a 60 quilômetros da costa do Rio de Janeiro.

Graças à sua proximidade com os empreendimentos petrolíferos no pré-sal que transformaram o Brasil em um grande produtor de petróleo, Maricá é o maior beneficiário de royalties da produção de hidrocarbonetos do país, recebendo efetivamente bilhões de reais dos diferentes acordos legais que distribuem a riqueza das commodities do país.

Os recursos financiam um programa inovador de renda básica que oferece transferências incondicionais a cerca de um quarto da população de Maricá. O programa também incluiu o lançamento de um banco de desenvolvimento comunitário e uma moeda digital local, a mumbuca, para incentivar o gasto dos recursos extras na cidade.

Mas o que sobrou é tão significativo que, em 2017, a cidade decidiu, de forma inteligente, criar um veículo para guardar parte das novas riquezas: atualmente, seu fundo de riqueza tem R$ 1,53 bilhão sob gestão, ante apenas R$ 285 milhões no início de 2020. O fundo deve continuar crescendo porque está recebendo entre 5% e 15% das transferências regulares de royalties que o governo local recebe, além de gerar seus próprios retornos.

Marcus Moura, funcionário que supervisiona o fundo, observa que atualmente ele está retornando 13% ao ano, próximo à taxa de juros básica do páis, a Selic. “O objetivo é ter o fundo não apenas como uma ferramenta de poupança intergeracional, mas também como um catalisador do desenvolvimento regional”, diz ele.

Os indicadores sociais recentes de Maricá refletem o impacto da riqueza do petróleo: o PIB per capita mais do que quintuplicou entre 2016 e 2020, chegando a quase R$ 217 mil, de acordo com o IBGE. Isso é mais de quatro vezes a renda média dos moradores do Rio de Janeiro, a capital do estado, o que coloca Maricá entre os 25 municípios mais ricos do Brasil. A população cresceu 55% desde 2010, impulsionada por novos empregos e oportunidades.

A estratégia de Maricá de guardar os lucros das commodities para o futuro não é única. Com o Brasil produzindo mais de 4 milhões de barris de petróleo e gás natural equivalente por dia este ano, os fundos de riqueza locais estão crescendo rapidamente: a cidade vizinha de Niterói, a paulista Ilhabela e o estado do Espírito Santo têm fundos semelhantes que administram mais de R$ 4 bilhões no total.

O estado do Rio e seu município de Saquarema, no leste de Maricá, também aprovaram legislação no ano passado para criar fundos semelhantes. Outros estão seguindo o exemplo, inclusive usando royalties de mineração como fonte para gerar economias de longo prazo.

As riquezas do petróleo são limitadas. Nossa geração precisa fazer um compromisso ético com as gerações futuras para economizar esses recursos”, diz Ricardo Ferraço, vice-governador do Espírito Santo e presidente do fundo.

O estado, que já recebeu quase R$ 3,9 bilhões em royalties de petróleo desde 2018 e espera que mais venham à medida que a produtora estatal Petrobras (PETR3, PETR4) aumenta a produção, já está tentando diversificar os investimentos do fundo em opções mais sofisticadas. Recentemente, contratou um gestor de ativos privados para supervisionar a aplicação de R$ 250 milhões para financiar startups “disruptivas” que criariam empregos e projetos de alta tecnologia. O governo também está lançando um investimento separado de R$ 250 milhões para apoiar projetos de ESG.

Como esses fundos são respaldados por leis locais e têm suas próprias regras de governança corporativa, provavelmente irão gerar o apoio popular de que precisam para se manter. Com a volatilidade da política local do Brasil e seus altos e baixos econômicos, momento em que a tentação de esgotar a poupança será maior, isso será fundamental para sua sobrevivência.

“A consolidação desses fundos depende de que a sociedade os considere fundamentais para o futuro, pois é a sociedade que define a agenda dos políticos”, diz Ferraço.

É claro que esses números ainda são pequenos se comparados aos trilhões de dólares geridos pelos fundos soberanos da Noruega, Cingapura ou Arábia Saudita. Mas para um país – e uma região – acostumado a gastar o que não tem, a ideia de economizar parte da riqueza e investi-la para obter retornos futuros mais altos quando a transição energética chegar é revolucionária.

De fato, com políticas consistentes e compliance, uma abordagem de investimento profissional e o aumento esperado na produção de hidrocarbonetos, esses fundos têm o potencial de aumentar na próxima década, promovendo empresas locais e aprofundando os mercados de capital do país.

O Brasil, que também está reformulando suas regras fiscais e tributárias, deve reconsiderar os méritos de restabelecer um fundo de riqueza soberana para gerenciar sua riqueza de commodities (e pegada ambiental) ao longo do tempo, depois que uma tentativa anterior terminou em um fracasso em 2019. Uma iniciativa nacional bem-sucedida também forneceria diretrizes para os fundos subnacionais.

O país descobriu alguns dos maiores depósitos de petróleo do mundo neste século, nas profundezas do Oceano Atlântico. Depois de muito esforço, investimento e corrupção, esses campos estão finalmente gerando muito dinheiro para o Brasil, sendo este o momento certo para guardar parte dessa riqueza para um futuro em que o petróleo talvez não seja mais necessário.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é editor-chefe de economia e governo da Bloomberg News na América Latina.

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