Startups e fundos aquecem mercado secundário com disputa sobre desconto

Baixa liquidez para rodadas primárias e necessidade crescente de caixa das empresas levam fundadores a recorrer mais a ofertas secundárias para se capitalizar

Região da Faria Lima, em São Paulo, que concentra escritórios de gestoras: ofertas secundárias de startups crescem com fundadores de late stage da América Latina e investidores à procura de liquidez (Foto: Victor Moriyama/Bloomberg)
25 de Junho, 2023 | 02:02 PM

Bloomberg Línea — Há mais de um ano, o mercado de startups enfrenta uma redução no financiamento global de capital de risco, com fundos reduzindo o passo de investimentos. Ao mesmo tempo em que estão mais seletivos, aguardam melhores condições de negociação na medida em startups ficam sem dinheiro para operar.

A queda das ofertas primárias levou ao aumento do número de secundárias porque muitos investidores - especialmente os institucionais - se perceberam sobrealocados para ativos de venture capital e precisam reduzir sua exposição, de acordo com Alex Zaytse, CEO e cofundador do fundo pré-IPO europeu Raison Asset Management, que investiu em oferta secundária da Rappi em janeiro de 2022.

“Empresas que eram muito procuradas há poucos anos hoje estão sendo vendidas com desconto nas secundárias. Mas não é uma situação que vai durar anos”, disse Zaytse.

O mercado secundário cresceu nos últimos anos no mundo, o que melhorou as condições de liquidez de venture capital e de private equity no Brasil. Hoje, investidores afirmam que veem ainda mais liquidez, principalmente por causa do ambiente ainda difícil para IPOs (ofertas públicas iniciais), pois estão em busca de saída para o capital alocado, enquanto funcionários querem exercer suas opções em ações.

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Renato Abissamra, managing partner da Spectra Investimentos, disse à Bloomberg Línea que tem visto acordos de secundárias para fundadores de startups late stage da América Latina com ativos negociados com 30% a 50% de desconto em relação a rodadas anteriores.

A Spectra é uma gestora com atuação que vai de private equity a ativos estressados e é especializada em comprar cotas de fundos que desejam desinvestir. Abissamra afirmou que tem visto um aumento de oportunidades de secundária para compras de participações de fundadores.

“[Antes] os fundadores viam uma perspectiva de monetizar suas ações com maior clareza. Dado que entramos em um momento de de diminuição de preços e de desaquecimento do mercado de VC, eles perceberam que talvez não teriam essa liquidez tão cedo”, disse o investidor.

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Vendedores vs compradores

Zaytse, da Raison, disse que o fundo considerou tentar investir na rodada pré-IPO do Nubank, mas resolveu não participar por causa dos termos para a oferta secundária, que considerou “muito puxados”. “Não cabia para nós”, disse.

“Se no início de 2021 o mercado secundário era o ‘mercado dos vendedores’, hoje é o ‘mercado dos compradores’”, definiu Zaytse. Para o SoftBank Latin America Fund, por exemplo, secundárias responderam por 60,3% do número de transações entre 2019 e 2021, segundo um relatório do PitchBook.

“Empresas muito boas estão sendo vendidas com valuations muito bons [baratos], o que é uma rara oportunidade de aprimorar um portfólio e obter um grande potencial de valorização”, disse Zaytse.

Como funciona uma oferta secundária

Na oferta primária, uma empresa emite ações que são adquiridas por investidores que podem ou não já estar na base de acionistas, e os recursos vão para o caixa. Na oferta secundária, essa ação, que está em posse de um investidor ou de fundadores, é negociada, e o dinheiro vai para quem vendeu.

Em uma startup de capital fechado, a venda por meio de secundárias objetiva dar liquidez aos fundadores, a um valuation, ou um preço por ação, um pouco abaixo do que na oferta primária.

A oferta secundária, também chamada de “tender offer”, é um evento de liquidez que geralmente acontece após a Série B para fazer o equity ter valor monetizável ou até para comprovar para o funcionário que o equity pool dele tem valor, conforme Leonardo Teixeira, sócio da Iporanga Ventures, disse à Bloomberg Línea.

“É importante ter alguma liquidez para fundadores e funcionários. O valuation de uma secundária é menor do que o de uma primária mesmo em uma empresa super demandada. O desconto segue menos uma lógica de desvalorização do ativo e mais a da liquidez para um ativo que é ilíquido”, disse.

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Há cenários de secundária para investidores que entraram cedo e isso garante a eles liquidez. As ações compradas em secundárias tipicamente têm direitos inferiores às ações de emissão primária vendidas em uma rodada (por exemplo, podem ser ações comuns sem preferências de retorno).

Mercado de primárias em queda

De acordo com um relatório da Crunchbase, o financiamento global de capital de risco (VC) caiu 53% no primeiro trimestre de 2023 em relação aos US$ 162 bilhões do mesmo trimestre do ano passado. O primeiro trimestre de 2023 teve US$ 76 bilhões levantados por startups apoiadas por VC.

No Brasil, os aportes caíram 86% no primeiro trimestre de 2023 quando comparados ao mesmo período do ano passado, segundo pesquisa divulgada pela plataforma Distrito.

“Essas secundárias aconteciam com frequência porque havia rodadas primárias”, disse Abissamra. Enquanto havia uma disputa de fundos de VC nas negociações, o poder estava na mão dos fundadores. Muitas vezes, com ofertas primárias oversubscribed, ou seja, com mais dinheiro de fundos do que a rodada poderia receber, optavam por extrapolar até 20% do investimento para uma secundária.

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A Cora, por exemplo, quando recebeu uma rodada primária, fez também uma secundária ao mesmo valuation para os fundadores e os colaboradores que estavam desde o início da empresa, dando oportunidade para quem tinha ação livre exercer a liquidez da fatia do banco digital que possuíam.

A fintech recebeu US$ 116 milhões em uma Série B com a Greenoaks Capital em agosto de 2021. “Em todas as rodadas tivemos demanda maior do que o que estávamos dispostos a abrir. Tivemos a condição de fazer a secundária ao mesmo valuation da primeira”, disse Igor Senra, CEO da Cora, à Bloomberg Línea.

Segundo Abissamra, até meados do ano passado, as transações secundárias respondiam a essa dinâmica aquecida de investimentos de VCs: mais além do objetivo de proporcionar liquidez para os fundadores, tais ofertas permitiam que fundos comprassem participações em startups que vinham crescendo dentro do contexto de que havia muito dinheiro no sistema e isso precisava ser alocado.

Negociações mais duras

O managing partner da Spectra disse que começa a ver ofertas a preços bem mais baixos do que os estabelecidos em rodadas prévias “porque muitos fundadores estão precisando de liquidez”.

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“Os fundadores em geral diminuíram muito a queima de caixa das empresas, muitas vezes diminuíram a própria retirada em termos de salário para garantir a sobrevida do negócio e levantar caixa. Mas agora a solução que eles têm eventualmente é vender uma participação”, disse Abissamra.

Ele relatou que oportunidades de secundárias estão começando a aparecer e devem aumentar até o final deste ano, coincidindo com o momento em que os fundos que estão segurando o caixa vão estar dispostos a voltar para a mesa e fazer novos aportes. Mas, agora, com desconto.

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Para Abissamra, as negociações de secundárias a partir do segundo semestre serão “mais duras”.

Diante da perspectiva de abrir espaço para novos investidores, os fundos terão uma melhor posição de negociação para garantir a sobrevida do negócio.

“O fundador tinha o poder de barganha e topava cheques com a condição de saída em secundárias para fazer alguma liquidez, fechando as transações nesses termos. Não vai ser o caso no daqui para frente.”

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Segundo ele, as novas condições devem refletir uma realidade com pouca semelhança ao que se viu há dois anos. “Os preços estavam puxados demais, comprava-se um negócio a 15 vezes a receita. É muito mais desafiador do que você comprar a 5, 6 vezes a receita. Ainda assim só faz sentido na medida em que seja uma empresa que cresce substancialmente. Tem crescer 70%, 80% ao ano para justificar esse valor.”

O preço que um investidor está disposto a pagar por uma participação está diretamente ligado ao retorno que ele espera ter naquele investimento. Abissamra ressalta que existe o preço real, que considera a mudança na métrica do valuation, e o preço de oportunidade do fundador que está com o caixa apertado e precisa de dinheiro.

A Spectra investe em venture capital junto com outros gestores, como Kaszek, monashees, Astella, Valor Capital, Big Bets e Mountain Nazca.

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IPOs podem não ser a melhor opção

Zaytse, do fundo pré-IPO Raison Asset Management, disse que, embora a Rappi seja a única da América Latina em seu portfólio, concentrado em empresas dos Estados Unidos e da Europa, a gestora continua monitorando oportunidades na região, que vê como um grande mercado promissor.

Ele citou a grande população (para startups em mercados domésticos, como a Rappi), a taxa de penetração comparativamente baixa de alguns serviços que permitem crescimento rápido, o custo comparativamente baixo de construir startups globais (o custo de desenvolvimento de TI, por exemplo) e o número de fundadores talentosos como motivos pelos quais a Raison é otimista com a região.

“Hoje muitos fundos de risco e pré-IPO americanos e europeus estão em busca de oportunidades na América Latina, especialmente após o sucesso do IPO do Nubank”, disse Zaytse.

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Já a Spectra prefere investir em negócios com potencialmente maior liquidez considerando vendas para empresas estratégicas, já que em um IPO existe em geral um lockup (período em que a venda de ações não é permitida) de 12 a 18 meses em que o fundo fica exposto ao risco da bolsa.

Para Abissamra, que investe em VC desde 2014, essa virada no mercado mostrou que o modelo de investimento dos anos recentes na América Latina, à espera de empresas que sejam avaliadas a US$ 10 bilhões - repetindo o que foi feito nos EUA e na Europa -, pode não ser o melhor.

“Os preços aqui estavam muito parecidos com os praticados lá fora. Só que as empresas aqui tem uma perspectiva de tamanho muito diferente do que as lá de fora”, disse.

“Se você produz um decacórnio [com avaliação de US$ 10 bilhões] no Brasil, por exemplo, qual é a sua opção de saída? Há poucos players estratégicos capazes de comprar um negócio tão grande em termos de Brasil, então a perspectiva era fazer um IPO lá fora. Mas aí seria uma empresa que, para os parâmetros internacionais, seria pequena demais”, disse.

Segundo Abissamra, empresas de tech latino-americanas que optaram por abrir capital na Nasdaq, por exemplo, ficaram reféns de uma participação em ações listadas com baixa liquidez, “o que em geral acaba pressionando os preços para baixo”.

Para ele, pode fazer mais sentido que os VCs busquem ganhar cinco, dez vezes o capital investido, e não 100 vezes, sendo mais seletivo com as empresas escolhidas.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups