Fraude da Americanas era combinada no WhatsApp da diretoria, diz CEO

Leonardo Coelho Pereira detalhou a deputados na CPI no Congresso como as manobras contábeis teriam sido acertadas; executivos citados não foram localizados

O CEO da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, falou nesta terça-feira (13) o fato relevante que admitiu a alegada ocorrência de fraude na contabilidade da companhia
13 de Junho, 2023 | 06:42 PM

Bloomberg — A troca de mensagens entre membros da antiga diretoria da Americanas (AMER3) em um grupo de WhatsApp, combinando a maquiagem de dados do balanço, foi um dos principais indícios da fraude na contabilidade. Essas conversas foram citadas pelo atual CEO da varejista, Leonardo Coelho Pereira, em esclarecimentos aos deputados integrantes de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) instalada para investigar a crise da companhia.

Mais cedo, pela manhã, um fato relevante divulgado pela Americanas admitiu pela primeira vez que as “inconsistências contábeis”, expressão usada pela companhia em alerta ao mercado no último dia 11 de janeiro, podem ter se tratado de uma fraude.

A conclusão preliminar foi divulgada depois que o conselho de administração analisou, ontem (12), um relatório preliminar elaborado por assessores jurídicos. O documento forneceu sete nomes de executivos, incluindo o ex-CEO Miguel Gutierrez, que comandou a empresa por 20 anos. E não mencionou o trio de bilionários que são os principais acionistas da companhia, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.

“Os documentos não mostram envolvimento de conselho de administração nem de acionistas. Se tiver, e a investigação ainda está em andamento, vamos responsabilizá-los”, disse Pereira aos parlamentares.

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O CEO acrescentou que, no total, 30 pessoas são suspeitas de terem envolvimento na fraude e que começaram hoje a ser demitidas. “Vou tomar medidas adicionais correlatas a essa fraude”, afirmou Pereira, que negou um plano de demissão em massa na Americanas.

Segundo o CEO, em maio, o quadro de funcionários somava 40.300 pessoas, ante 40.500 no mesmo mês do ano passado. Ele disse que demissões que ocorreram no começo do ano devem ser atribuídas à sazonalidade típica do varejo, após a época de vendas de Black Friday e do Natal.

Coelho Pereira assumiu o comando da companhia em 15 de fevereiro e disse que não conheceu Gutierrez, que trabalhou na Americanas por 30 anos. O CEO afirmou que o objetivo é aprovar o plano de recuperação e que esses esforços mobilizam credores financeiros, fornecedores e acionistas.

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Veja como o CEO da Americanas apresentou indícios da fraude:

WhatsApp

O CEO da Americanas mostrou trechos extraídos do relatório apresentado ontem ao conselho de administração pelos assessores jurídicos, como informava o fato relevante mais cedo.

“Uma troca de mensagem dentro de um grupo de WhatsApp dos diretores dizendo que ‘não podemos mostrar ao conselho de administração nem ao mercado que nada acima de 3,3-3,5′, o que diz respeito à alavancagem da empresa [dívida líquida/Ebitda]. ‘Será morte súbita’, o reconhecimento explícito da diretoria que a demonstração ao mercado de um número de alavancagem maior do que 3,5 seria morte súbita”, disse Pereira, mostrando os trechos no telão da audiência pública.

Os então diretores da Americanas negavam aos comitê de auditoria a existência de operações de “risco sacado” (antecipação de recebíveis).

“A fraude da Americanas é uma fraude de resultados. O risco sacado foi o instrumento para criar lucro artificial e reduzir o custo de aquisição de mercadorias”, resumiu o CEO.

O executivo relatou que a antiga diretoria, que ficou em sua maioria no cargo até o começo deste ano, apurava um prejuízo operacional (Ebitda) de R$ 733 milhões em um relatório intitulado “visão interna” e transformava em outro chamado de “visão conselho” em um lucro artificial de R$ 2,9 bilhões.

“Pode-se criar lucro a partir de uma planilha, mas não se cria caixa. Para fazer isso, precisa-se de empréstimo bancário. Aqui entra o risco sacado que era negado pela diretoria aos auditores e contabilizado na conta fornecedores”, detalhou o CEO.

A troca de mensagens do grupo da antiga diretoria da Americanas no WhatsApp revelou executivos discutindo como negar a existência de risco sacado aos auditores, pois se admitissem essa operação típica do varejo isso significaria aumentar o endividamento da companhia, evitando um resultado financeiro com lucro.

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Pereira afirmou que as descobertas apontadas no relatório vão ser compartilhadas com as autoridades, citando a CPI, a Polícia Federal, o Ministério Público e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), colaborando com as investigações.

O executivo foi questionado por parlamentares sobre as responsabilidades e as consequências da fraude, o envolvimento de conselheiros e acionistas e o impacto da RJ para o mercado de trabalho. O CEO disse que não há indícios de envolvimento de integrantes do conselho de administração nem de acionistas e que a companhia tem compromisso de manter empregos e suas operações.

A Bloomberg Línea enviou ao longo do dia mensagens, via LinkedIn, aos diretores e executivos que foram citados no fato relevante, solicitando comentários sobre as menções de seus nomes no caso, mas ainda não obteve resposta.

As ações da Americanas fecharam em alta de 6,03%, cotadas a R$ 1,23, após chegarem a disparar mais de 11% pela manhã. Operadores comentaram, em grupos privados, que a divulgação do fato relevante admitindo a ocorrência de fraude não trouxe novidades sobre o que o mercado já sabia e que a valorização se devia às expectativas de anúncio de um acordo com bancos credores.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.