Opinión - Bloomberg

Como a IA pode aumentar ainda mais o abismo digital da América Latina

A exclusão digital na região é bastante acentuada, e o advento da IA pode aumentar essa diferença, deixando a América Latina ainda mais defasada

Baixo investimento em tecnologia e altos custos de financiamento privado atrasarão desenvolvimento da IA na América Latina (Foto: Chona Kasinger/Bloomberg)
Tempo de leitura: 3 minutos

Bloomberg Opinion — Na Costa Rica, os legisladores elaboraram um projeto de lei usando o ChatGPT. Na Colômbia, um juiz utilizou a mesma ferramenta para pedir orientação sobre um caso que estava julgando. No México, um âncora de telejornal desenvolvido por inteligência artificial (IA) comenta notícias ao vivo.

Assim como no resto do mundo, tanto as maravilhas quanto os absurdos da inteligência artificial estão cada vez mais visíveis na América Latina. A diferença é que a região está entre as mais desiguais do mundo quando se trata não apenas de renda, mas também de tecnologia. A questão para as empresas e os órgãos reguladores é como usar a ascensão da IA para reduzir esse abismo.

Embora a adoção de smartphones na região seja apenas um pouco menor do que nos países mais ricos, cerca de 40% dos lares latino-americanos ainda não têm internet banda larga fixa, de acordo com um estudo de 2022, limitando a disponibilidade de conexões necessárias para estudar, trabalhar ou fazer transações on-line. O abismo digital fica especialmente acentuado entre as áreas urbanas e rurais, e, embora a disparidade seja antiga, a preocupação é que a irrupção explosiva da IA o amplie rapidamente.

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“Estamos diante de uma revolução, e aqueles que fizerem parte dela decolarão, enquanto os que não fizerem correm o risco de ficar muito para trás”, diz Ángel Melguizo, economista que assessora a Unesco em inteligência artificial e sócio da empresa de consultoria Argia, com sede em Madri. Se nada for feito, “essas lacunas devem aumentar”.

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O desafio é elaborar políticas públicas para lidar com o crescimento da IA em países pobres, muitas vezes assolados por uma liderança política instável.

A região precisa promover uma adoção digital mais ampla e inclusiva, diz Luis Adrián Salazar, consultor internacional e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Telecomunicações da Costa Rica. Ele propõe fundos especiais, criados pelos governos, para financiar o retreinamento para empregos que serão afetados pela IA. Ele também sugere uma reunião de cúpula de chefes de estado para discutir uma abordagem unificada para a IA.

Se os líderes não conseguirem lidar com a exclusão digital, diz ele, outras diferenças – de patrimônio e na política, por exemplo – poderão se agravar ainda mais, levando a “um aumento de outras violações sociais, inclusive a violência”, diz ele.

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Alguns governos fizeram progressos na elaboração de uma estratégia para IA e, mesmo com disparidades claras, há uma conscientização cada vez maior sobre a oportunidade. No entanto, em geral, os países latino-americanos não se saíram bem em um índice criado pela Oxford Insights, uma consultoria com sede no Reino Unido, para medir a prontidão para a IA.

Lista de países mais prontos para o advento da inteligência artificial na América Latina comparado com a média mundial (em branco). Fonte: Oxford Insights, Índice de Prontidão para a IA dos Governos em 2022 via Bloomberg

Um investimento público geralmente baixo em ciência e tecnologia, combinado com o alto custo do financiamento privado, vai dificultar a jornada da América Latina para ser líder em IA. Além disso, dada a tendência da região de ser uma compradora de alta tecnologia em vez de desenvolvê-la, há o risco de a adoção digital se transformar em outro local para a competição entre os EUA e a China na América Latina.

Há um cenário mais otimista. Apesar das oscilações políticas e de várias crises econômicas, o setor de tecnologia da região continuou crescendo em ritmo acelerado. Havia 34 empresas de tecnologia com valor superior a US$ 1 bilhão no ano passado na América Latina, em comparação com zero no início do século. E alguns governos estão abertos a fazer experiências com tecnologia, como por exemplo a adoção do Bitcoin como moeda oficial de El Salvador.

Ainda assim, não há dúvidas: os governos, as empresas e a sociedade civil da América Latina precisam de uma estratégia – e logo – se quiserem enfrentar o desafio da IA.

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Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo da América Latina.

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