Bloomberg Línea — Os movimentos recentes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) com aliados seguem a lógica do grupo de tentar manter a hegemonia sobre a commodity e ditar os preços em um mundo cada vez mais preocupado com a descarbonização. Nesse contexto, o plano de corte de produção anunciado pelo cartel deve ser um teste para a nova política de preços da Petrobras (PETR3, PETR4), que ainda não foi, de fato, colocada à prova, de acordo com analistas ouvidos pela Bloomberg Línea.
Membros da Opep+, grupo que inclui a Rússia e outros países aliados, se reuniram no domingo (4) para discutir e aprovar a extensão dos cortes de produção que estão em vigor até 2024. A Arábia Saudita se comprometeu a fazer um corte voluntário adicional de um milhão de barris por dia (bpd), em uma medida que, inicialmente, deve durar um mês a partir de julho, mas que pode ser estendida.
Com isso, a redução total de oferta pelo bloco é de mais de quatro milhões de bpd, considerando cortes anunciados em outubro de 2022 e abril deste ano.
Para o analista de petróleo e gás da Tendências Consultoria, Walter de Vitto, as medidas anunciadas pela Opep não foram uma surpresa. “O anúncio veio para reforçar que vai haver, de fato, um enxugamento da oferta pelo bloco.”
Na segunda-feira (5), o Brent fechou em alta de 0,7% depois de ter ganhos em torno de 2% a 3% durante o dia, numa demonstração de que os mercados ainda estão avaliando os reais efeitos das medidas anunciadas pelo cartel, embora o impacto tenha sido positivo para as petroleiras. As ações da Petrobras (PETR3; PETR4) subiram 0,62% (ON) e 1,07% (PN).
Apesar do desejo de cortar oferta, alguns países do grupo, principalmente da África, vêm apresentando dificuldades para atingir as cotas de redução da produção, o que levanta dúvidas sobre a efetividade das medidas anunciadas.
Na visão do analista de research da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, os efeitos das medidas dependem da demanda global, que segue enfraquecida diante da desaceleração da atividade de grandes consumidores como os Estados Unidos.
Neste contexto, é cedo para avaliar se haverá uma disparada dos preços, destaca. “É difícil afirmar que os preços [do Brent] vão explodir agora, não é o caso”, diz o analista. Ele esclarece que o cartel trabalha para que os preços do petróleo não cheguem ao piso de US$ 70.
A Tendências estima preço médio do Brent, em 2023, de US$ 84,8, ante US$ 99,8 no ano passado. Sem os cortes anunciados nos últimos meses, ressalta, a média para este ano seria ainda menor.
O Goldman Sachs afirma em relatório que a reunião da Opep compensa, parcialmente, os riscos de queda dos preços do petróleo neste ano. O banco projeta US$ 95 para o Brent em dezembro, sendo que a redução de oferta extra proposta pela Arábia Saudita pode conferir entre US$ 1 e US$ 6 adicionais por barril, dependendo da duração dos cortes pelo reino saudita.
No entanto, Vitto alerta que as políticas de juros globais tendem a frear a demanda de petróleo. Outro fator que deve limitar o consumo são os problemas enfrentados pelo mercado financeiro, notadamente nos Estados Unidos, com a avalanche desencadeada pela quebra do banco SVB.
“A indústria de óleo e gás é intrinsecamente ligada ao mercado financeiro, qualquer problema acaba respingando no petróleo”, avalia o especialista. “O anúncio da Opep vem para contrabalancear os pesos, é a queda de braço do ano”, acrescenta.
Arbetman observa que a manutenção dos cortes para 2024 mostra que a Opep vai continuar concentrada em maximizar as receitas de seus integrantes ao longo do ano que vem. “Por outro lado, há um ambiente de preocupação em relação à continuidade da demanda fraca para além deste ano.”
Prova de fogo
A expectativa é que a nova política de preços anunciada pela Petrobras em maio seja colocada à prova, caso os preços do petróleo de fato subam nos próximos meses.
“A nova política [da estatal] ainda não foi testada. Não há dúvidas de que existe uma preocupação no mercado se haverá uma discricionariedade maior por parte da Petrobras quando o preço do petróleo subir”, diz Arbetman.
O CEO da estatal, Jean Paul Prates, vem sendo enfático sobre a estratégia de garantir participação de mercado frente aos concorrentes.
“Nós vamos continuar seguindo a referência internacional e a competitividade interna em cada mercado que nós participamos, não vamos perder venda, não vamos deixar de ter um preço mais atrativo para os nosso clientes”, disse Prates em coletiva de imprensa no mês passado.
A nova estratégia comercial da petroleira usa referências de mercado como o “custo alternativo do cliente” como valor a ser priorizado na precificação e “valor marginal para a Petrobras”.
A companhia foi criticada por agentes do mercado, que cobraram mais transparência em relação à estratégia.
Vitto lembra que a nova política de preços foi anunciada de forma genérica, sem muitos detalhes. “Os possíveis aumentos de preços do petróleo vão servir para o mercado descobrir como a Petrobras vai atuar. É a hora da verdade”, avalia.
Ele ressalta, porém, que é cedo para saber qual será o padrão de atuação da Petrobras – se é que haverá um padrão – e se deve ser próximo ou não à gestão mais intervencionista do governo de Dilma Rousseff.
“Ainda não temos uma pista, mas essa mudança no mercado talvez ajude a enxergarmos. É uma boa oportunidade para o mercado saber qual será a política da Petrobras.”
Os analistas alertam ainda para a mudança do ICMS e o retorno da incidência de impostos federais sobre combustíveis. “A questão dos impostos para a Petrobras também vai mostrar ao mercado como a companhia vai atuar, já que os preços dos combustíveis devem subir na bomba”, diz Vitto.
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