Como um calote da Odebrecht impactou o primeiro balanço da nova gestão do BB

Perdas por imparidade chegaram a R$ 3,2 bilhões, em novo caso de impacto de ativos de empresas sobre grandes bancos

A nova CEO do BB, Tarciana Medeiros, apresentou os resultados do banco relativos aos primeiros três meses de 2023
16 de Maio, 2023 | 08:27 PM

Bloomberg — A nova administração do Banco do Brasil (BBAS3) apresentou nesta terça-feira (16) o primeiro balanço trimestral de sua gestão, enquanto a CEO Tarciana Medeiros negou que haja risco de interferência política nas atividades de concessão de crédito em conversa com analistas.

O resultado foi marcado por uma alta expressiva nas perdas por imparidade, que totalizaram R$ 3,2 bilhões, ante os R$ 100 milhões em igual período de 2022. A perda por imparidade é uma redução no valor dos ativos registrados no balanço, nesse caso ocorrida por inadimplência de devedores.

Os resultados trimestrais dos maiores bancos do país, em maior ou menor grau, têm sido impactados desde o fim de 2022 por eventos como recuperações judiciais de grandes empresas como a Americanas (AMER3).

“O principal motivo que originou o aumento das perdas foi o impacto da baixa contábil de um título de uma grande empresa do setor do agronegócio que o banco assumiu como perda total. Por esse motivo, o PCLD [Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa] por imparidade aumentou significativamente, embora não tenha causado grandes impactos na PCLD Ampliada [inclui títulos e valores mobiliários e garantias prestadas]”, avaliou o analista especializado em setor bancário José Eduardo Daronco, da Suno Research.

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O analista fez referência à Atvos, braço sucroalcooleiro que era do grupo Odebrecht e que entrou em RJ (Recuperação Judicial) em maio de 2019 com dívida superior a R$ 15 bilhões em especial com 15 credores, entre eles o BB. A Odebrecht (hoje Novonor), por sua vez, teve seu plano de recuperação judicial aprovado em agosto de 2020, em reestruturação de passivos superiores a R$ 60 bilhões.

Procurada pela Bloomberg Línea, a Novonor (novo nome da Odebrecht) não havia sido localizada na terça-feira (16). Nesta quarta no fim da tarde, disse que não tem qualquer relação com o caso dado que o controle da Atvos foi transferido para outro investidor no começo de 2021.

‘Evento isolado’, diz o BB

O primeiro balanço de Medeiros evitou nomear a Atvos. Como ocorreu com a RJ da Americanas, os bancos justificam a ausência de uma menção direta por respeito ao sigilo bancário dos clientes.

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“O índice de cobertura [relação entre o saldo de provisões e o saldo de operações vencidas há mais de 90 dias] foi de 202,7%, impactado pelo reperfilamento de dívida de cliente específico, em recuperação judicial desde 2019. Desconsiderando esse efeito, a cobertura do período seria de 213,3%″, limitou-se a mencionar o BB em seu balanço.

Durante a entrevista coletiva da nova diretoria do BB para apresentar o balanço, nesta terça em São Paulo, coube ao vice-presidente de controles internos e gestão de riscos, Felipe Prince, comentar, a pedido da CEO, o aumento de cerca de 2.500% nas perdas por imparidade na base anual.

“É um movimento completamente único e isolado. Não é simplesmente uma troca de valores entre carteiras. Há uma renegociação por trás, inclusive com alteração de controle societário que muda completamente o perfil dessa dívida junto ao BB e traz uma perspectiva de recebimento dos capitais alocados bastante alvissareira”, respondeu Prince a uma questão de Bloomberg Línea sobre a possibilidade de renegociações de dívida de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato.

Sem nomear a Atvos, que, desde o início de 2023, passou a ser controlada pelo fundo Mubadala Capital, de Abu Dhabi, o VP do BB disse que o banco optou por manter a integralidade das provisões no caso específico de inadimplência e que essa decisão não deve ser vista de forma negativa.

“É um movimento responsável, conservador, até que o banco observe a execução da estratégia por esse novo controlador da empresa. Nós optamos por manter a integralidades das provisões só que aplicadas a títulos por meio de imparidade até que a empresa com esse novo investidor tracione. Obviamente temos a expectativa de que ela comece a fazer frente ao pagamento da dívida”, afirmou.

Ele acrescentou que essa dívida oferece “um horizonte muito mais favorável” do que o banco tinha até então.

“É um fato isolado. Não deve ocorrer em outros trimestres. Obviamente grandes clientes emissores estão sempre sendo monitorados [...] não há perspectiva nenhuma de aumento de aplicação de perda permanente para outros papéis”, reforçou o VP de gestão de riscos.

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Após a resposta de Prince, o CFO do BB, Geovanne Tobias, fez questão de reforçar o posicionamento do banco sobre o assunto.

“Não houve aumento de provisionamento por causa dessa operação em particular. Já estava 100% provisionado. O resultado dessa negociação permitiu a troca, o recebimento de títulos. Não teve favorecimento nem penalização do resultado por causa da operação específica”, disse Tobias.

Na teleconferência com analistas, a CEO do BB voltou a dizer que a instituição segue critérios técnicos com as melhores práticas de governança na tomada de decisões. Em resposta a uma pergunta sobre o risco de interferências políticas, ela afirmou que “não há nenhuma pressão e direcionamento” do governo para que o banco “atue com linhas de negócios que não tragam resultados adequados”.

“Não vemos espaço para atuar com política de crédito sem amparo técnico, que vai de encontro à política de crédito do Banco do Brasil. Estamos muito seguros na autonomia em gerir o BB”, disse.

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A ação do BB fechou em queda de 2,88% nesta terça-feira, cotada a R$ 43,16, enquanto o Ibovespa encerrou em queda de 0,77%, aos 108.193 pontos.

Redução do índice de cobertura

Em relação ao índice de cobertura do BB, a tendência de redução do indicador começou pelo fato de que, no início da pandemia, o BB estimava uma inadimplência muito maior do que aquela que foi materializada.

“Estimamos que a maior parte da redução da cobertura já ocorreu, de modo que nos próximos trimestres ela deve ficar estável. Muito embora tenha havido um crescimento na inadimplência do banco, ela continua muito saudável e inferior à registrada pelos pares privados, principalmente o Bradesco. É natural que não haja a necessidade de grandes provisões adicionais”, disse o analista da Suno.

Já Rodrigo Caetano, analista da Toro Investimentos, viu impacto no lucro líquido de R$ 8,5 bilhões, que mesmo assim teve alta de 28,9% na comparação anual.

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“No trimestre, o PCLD teve um avanço expressivo na comparação ao primeiro trimestre de 2022 devido ao evento comentado pelo banco, em um dos seus clientes Large Corporate [...] Tal evento teve impacto sobre as linhas de PCLD de perdas por imparidade e risco de crédito. Esse evento beneficiou o aumento da PCLD reportada no trimestre, o que aumenta a dedução sobre os resultados da margem financeira bruta do banco, impactando o lucro líquido reportado”, avaliou Caetano.

Sobre a queda observada nos índices de cobertura, o analista da Toro lembrou que o evento citado teve impacto sobre o índice divulgado, que excluindo este evento seria de 213,3%.

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“A queda observada no índice já vem sendo observada nos últimos trimestres e é reflexo de um avanço dos índices de inadimplência, que atinge não somente o Banco do Brasil, mas a todo o setor no momento. Porém, é importante destacar que, mesmo com as reduções recentes, o índice reportado pelo banco segue acima da média do setor financeiro nacional”, ressalvou Caetano.

A Atvos, conhecida por ser a segunda maior produtora de etanol do país, se chamava Odebrecht Agroindustrial até 2017 e pediu RJ após a gestora de fundos norte-americana Lone Star ter obtido uma ordem judicial de bloqueio do caixa da companhia. Foi a primeira empresa da Odebrecht a pedir RJ. O grupo baiano acabou propondo a entrega de controle da Atvos a credores em troca de uma redução de dívida.

A Lava Jato investigou denúncias de corrupção na Petrobras e diversas empreiteiras do país, que passaram a enfrentar dificuldades financeiras. Recente relatório da agência de classificação de risco Fitch Ratings sobre a OEC, uma das maiores empreiteiras da América Latina, pertencente ao Grupo Novonor, apontou que a empresa obteve progressos desde as investigações da Lava Jato, iniciadas em 2014.

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- Matéria atualizada às 11h10 de quarta-feira (17 de maio) com a nota enviada pela Novonor (ex-Odebrecht). Na véspera, a empresa não foi localizada pela reportagem da Bloomberg Línea. A matéria também incluiu a informação de que, desde o início de 2023, a Atvos é controlada pelo Mubadala.

- Matéria atualizada às 18h27 de quarta-feira (17 de maio) com a Novonor (ex-Odebrecht) dizendo que não comentará o caso porque não tem mais relação com os passivos da Atvos.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.