Bloomberg Línea — Uma das maiores seguradoras do país, a Porto (PSSA3) enfrenta, a exemplo de outras empresas do setor financeiro, o desafio de equilibrar custo de capital mais alto e a necessidade de reprecificação de seus produtos a ponto de não afetar a demanda. O CEO da Porto, Roberto Santos, descartou em entrevista à Bloomberg Línea a possibilidade de redução dos preços dos seguros de automóvel e de saúde, projetou a continuidade da tendência de alta da inadimplência na Porto Bank, negócio de soluções financeiras do grupo, e revelou que vai reduzir a aposta no Carro Fácil, serviço de assinatura de automóveis.
No final de 2021, a companhia chegou a anunciar um acordo para a criação de uma joint venture (JV) com a Cosan (CSAN3) para explorar o modelo de locação de veículos, mas o grupo controlado pelo bilionário Rubens Ometto desistiu do negócio e atualmente a Porto estuda a busca por outro sócio.
“Estávamos prestes a assinar [o contrato da JV], a Cosan desistiu. Decidimos tirar o pé do acelerador, pois o custo de captação está muito elevado. Não podemos queimar capital dessa forma.”
“Temos de ser responsáveis com clientes, corretores e acionistas. Estamos estudando diferentes oportunidades do negócio, como um parceiro que compre os carros. Com 13,75% ao ano de taxa de juro como custo financeiro, a conta não fecha”, explicou o CEO da Porto.
Outra joint venture da Porto considerada promissora é com a ConectCar, uma sociedade com o Itaú Unibanco (ITUB4) que disponibiliza tag para carros e funciona como uma empresa de meio de pagamento automático de mobilidade em rodovias com pedágios e estacionamentos.
“Nossa JV com o Itaú vai bem e cresce. É uma operação tranversal com outros negócios da companhia. O segurado renova a apóplice e tem direito a ter uma tag sem custo”, disse Santos.
Inadimplência na Porto
No primeiro trimestre, a inadimplência acima de 90 dias das operações de crédito aumentou 0,4 ponto percentual em comparação ao trimestre anterior, para 7,5%, afetando esse resultado bruto. Mas, ainda assim, a vertical de serviços financeiros teve avanço da receita de 11,1% em 12 meses, impulsionada pela expansão de 23,5% nas receitas de consórcio e para o aumento de 240 mil negócios.
Com taxas de juros elevadas no país e a Selic em 13,75% ao ano desde agosto de 2022, o custo de captação de recursos aumentou, o que pressiona a rentabilidade de seguradoras, que precisam de capital para financiar operações e investimentos. Por outro lado, empresas do setor geralmente aplicam suas reservas técnicas em títulos de renda fixa de baixo risco, como os do governo. O retorno sobre esses investimentos também subiu, levando a melhores resultados financeiros.
“Não estamos vendo um cenário de redução da inadimplência no país nos próximos meses. A ventania vai continuar forte. A tempestade não vai passar no curto prazo”, disse o executivo.
Na financeira do grupo, a ordem é evitar o chamado “mar aberto” (estratégia de capturar clientes novos, sem vínculo anterior nem histórico de operações), a fim de reduzir o risco de calote, a exemplo do que o setor bancário tem feito desde 2021, quando se deu o início do aperto monetário. A Porto Bank mira principalmente o time de corretores, que precisam levantar recursos para investimentos.
“Na Porto Bank, paramos de vender no ‘oceano aberto’ e viemos para o aquário. Estamos mais criteriosos na concessão de crédito e reduzimos a velocidade na emissão de cartões de crédito. Nosso over 90 [atrasos acima de 90 dias] está um pouco acima de 7%, superior a nosso número histórico de 5%, mas menor do que a média do mercado, que está rodando em 9%”, disse Santos.
Reprecificação para seguro auto
Vender seguro de proteção para veículos, que fez a sua fama e segue como maior linha de negócios da Porto, mobiliza uma base de 35 mil corretores, além do canal digital da companhia (pelo aplicativo). O CEO indica que o tíquete médio não deve apresentar redução de valor no curto prazo.
“Não vemos espaço para redução do seguro do automóvel, pois a tabela Fipe [fonte de consulta dos preços médios dos veículos no país e indexador para o mercado de seguros] teve uma disparada. Montadoras deram férias coletivas e não vislumbramos um retorno aos preços anteriores a julho de 2021″, disse o executivo em alusão ao período de gargalos logísticos mo início da pandemia.
No primeiro trimestre, a Porto Seguro, vertical que responde pelos produtos e serviços relacionados, ampliou em 24% as receitas em 12 meses, com impulso de 25,5% de aumento nos prêmios emitidos em seguro auto em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Reajustes em seguro saúde
Já vertical Porto Saúde elevou em 32,7% a receita do trimestre na base anual, alavancada pela alta de 35,4% nos prêmios do seguro saúde, cuja carteira adicionou 58 mil vidas ante o mesmo período de 2022, alcançando 427 mil vidas. Foi o maior lucro histórico da vertical (+19% em 12 meses).
“No seguro saúde, estamos trabalhando com aumentos de preços. Não vemos a possibilidade de redução do VCMH [Variação de Custo Médico Hospitalar, inflação do setor] nos próximos trimestres. Todo o cenário de saúde suplementar e pública é muito impactado pelos custos. Recentemente anunciamos reajuste para os planos de nossa carteira de pool de pequenas e médias empresas com até 100 vidas. Foi um impacto de 24%, não muito diferente da média do mercado”, afirmou Santos.
Ele disse que a sinistralidade do segmento de seguro saúde (78,7%) está sob controle, após a saída da pandemia. O índice mensura os sinistros pagos em relação aos prêmios ganhos. “Temos uma operação rentável nessa vertical graças ao trabalho de crescimento da nossa carteira nos últimos três anos. Nossa sinistralidade apresenta um nível abaixo de outras seguradoras”, disse Santos.
Análises
O lucro líquido reportado para janeiro a março deste ano (R$ 332,8 milhões, alta anual de 90,1%, valor recorde para um primeiro trimestre) veio levemente acima do estimado por analistas da Genial Investimentos (R$ 330 milhões). No período, o grupo teve uma rentabilidade sobre o patrimônio de 12,4%, aumento de 4,9 pontos percentuais na comparação anual. Com isso, o ROAE ajustado (retorno sobre o patrimônio médio), excluindo os efeitos dos ativos intangíveis, foi de 13,4%.
“Para o ano fechado de 2023, estimamos um lucro de R$ 1,85 bilhão para a Porto, crescimento de 70% ano contra ano com um aumento de ROE em 5,2 pontos percentuais para 16,2%, voltando a patamares mais normalizados de rentabilidade depois de sucessivos ajustes de preços para consertar o difícil ano de 2022, que sofreu com a aguda inflação automotiva devido à escassez de veículos e autopeças”, apontou a Genial em relatório elaborado pela equipe liderada por Eduardo Nishio.
Em geral no setor, os primeiros trimestres são tipicamente mais fracos por causa de chuvas ou roubos de automóveis. Segundo os dados da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), órgão regulador, a sinistralidade de seguro auto da Porto foi de 61,6% no primeiro trimestre, puxada principalmente pelo mês de fevereiro com 64,8% por causa do sinistro das chuvas em São Paulo.
“Temos uma carteira concentrada em São Paulo. Havia muitos carros no litoral norte no feriado de Carnaval e houve uma quantidade significativa de sinistros, mas o impacto foi absorvido pelo tamanho de nossa carteira. Foi algo inusitado, não recorrente. A sinistralidade seria menor e o nosso resultado seria maior? Sim, mas nada que mudasse o jogo”, disse o CEO, segundo o qual os modelos atuariais da companhia incorporam riscos de eventos climáticos sazonais e extremos.
As ações da Porto acumulam queda de 2,64% em 2023 (até a última sexta, dia 12), mas uma valorização da ordem de 12% em 12 meses, enquanto o Ibovespa caiu 1,16% neste ano e opera quase estável em 12 meses. A Genial tem recomendação de compra para os papéis do grupo com preço-alvo de R$ 33,40 - um potencial upside de 48% em relação à cotação da última sexta-feira (R$ 22,54).
Perspectivas
Além da Porto (sexta maior do país), a competição no mercado brasileiro de seguros conta com gigantes como Bradesco Seguros (1º), BB Seguridade (2º), Caixa Seguridade (3º), SulAmérica (4º) e a Zurich (5º), segundo um ranking elaborado pela CNSeg (Confederação Nacional das Seguradoras) referente à receita no primeiro semestre do ano passado (último dado disponível para todas).
“Seguimos positivos quanto ao setor de seguros, fundamentados em: i) bom desempenho operacional, ii) índices de sinistralidade em normalização e iii) alto patamar das taxas de juros, que devem beneficiar o resultado financeiro das empresas”, escreveu Luan Calimério, analista do BB Investimentos, em recente relatório, sem recomendação disponível para a ação da Porto.
No primeiro trimestre, a Porto reportou um retorno sobre as aplicações financeiras (ex-previdência) de R$ 293,6 milhões, o que representa uma rentabilidade equivalente a 79% do CDI (referência de rentabilidade para o mercado de renda fixa). A rentabilidade do trimestre da Porto foi impactada principalmente pelo desempenho das suas alocações em renda variável. Ainda assim, no comparativo anual, o resultado financeiro avançou 35,9% e atingiu R$ 162,8 milhões.
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