De Carrefour a Renner: safra de balanços expõe sinais de fraqueza do varejo

Gigantes do setor desaceleram crescimento com aumento de despesas e redução de margens, enquanto resultados dimensionam fechamento de lojas e dívidas

Carrefour reportou seu primeiro prejuízo trimestral no Brasil desde o IPO dessa operação em 2017
05 de Maio, 2023 | 04:45 AM

Bloomberg Línea — A safra de balanços do primeiro trimestre de 2023 começou a dar uma dimensão mais clara e a quantificar as dificuldades financeiras crescentes de algumas companhias ligadas ao consumo de um cenário econômico desafiador de crédito caro e restrito e de poder aquisitivo da população limitado por inflação e inadimplência. Varejistas com atuação relevante no Brasil estão reportando até prejuízos.

Tal desempenho se reflete nas ações negociadas na B3: o ICON, índice de empresas que reúne 71 ações afetadas pela dinâmica do consumo, acumulava queda de 13,22% neste ano até o fechamento da última quarta-feira (4), acima do Ibovespa (-7,23%), benchmark da bolsa brasileira.

A divulgação de resultados financeiros do varejo brasileiro nas últimas semanas tem sido permeada por anúncios frequentes de reestruturações e renegociações de dívidas, além de fechamentos de lojas, redução de folha de pagamento, pedidos de recuperação judicial e até de falências.

Nomes tradicionais e conhecidos da maioria dos consumidores brasileiros passaram a reportar balanços decepcionantes nesta semana, indicando uma mudança de tom nas apresentações dos resultados financeiros pelos seus principais executivos aos analistas, que acabam rebaixando suas recomendações para os papéis dessas companhias e revisando seu preço-alvo.

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O Grupo Pão de Açúcar - ou GPA (PCAR3) -, um dos maiores grupos varejistas alimentares da América do Sul, controlada pelo grupo francês Casino, divulgou, na noite da última quarta-feira (3) um prejuízo de R$ 248 milhões no primeiro trimestre, com margens ainda pressionadas pela inflação.

Principal concorrente do Grupo Pão de Açúcar, o Carrefour Brasil (CRFB3), já havia, na véspera, anunciado seu primeiro prejuízo (R$ 113 milhões) desde a abertura de capital em 2017, o que fez sua ação fechar em forte queda (9,38%) na quarta-feira, na B3.

O grupo varejista, dono do Atacadão, sofreu com o aumento dos atrasos dos clientes. O Carrefour atribuiu seu resultado negativo de geração de caixa no primeiro trimestre (queda de 16,8% para R$ 1 bilhão) a “pressões relacionadas à inadimplência do Banco Carrefour”.

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A margem Ebitda do grupo supermercadista caiu de 6,6% para 4,3% em 12 meses. Pesaram ainda no trimestre as despesas com as conversões das 124 lojas adquiridas do Grupo BIG, um processo que deve ser concluído no final deste semestre.

“O Carrefour Brasil reportou uma série de resultados fracos no primeiro trimestre, mais uma vez com números piores do que esperávamos. Assim, sentimos que não conseguimos avaliar adequadamente os desafios em curso e optamos por rebaixar nossa recomendação para CRFB3 de ‘compra’ para neutra”, escreveu o analista Thiago Macruz, do Itaú BBA, em nota, fixando o novo preço-alvo de R$ 13,50. Ontem, o papel fechou a R$ 9,46.

Já Via (VIIA3), dona das marcas Casas Bahia, Ponto e Bartira, colheu um prejuízo de R$ 297 milhões entre janeiro e março, período em que fechou quatro lojas, incluindo o Prédio do Mappin, como é conhecido o Edifício João Brícola, no centro histórico de São Paulo. O portfólio terminou março em 1.129 lojas.

A varejista tem ainda o banQi, seu braço financeiro. A Via aumentou a provisão para devedores duvidosos do crediário. “Entendemos o momento de inadimplência no mercado e, consequentemente, seguimos seletivos”, informou a varejista, em material à imprensa.

Alto custo do capital

Por sua vez, a Lojas Quero Quero (LJQQ3), que atua no segmento de casa e construção, mais que dobrou (+117,8%) o seu prejuízo (-R$ 22,4 milhões) em 12 meses (-R$ 10,264 milhões). A rede tem 535 lojas em 445 cidades, distribuídas pelos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e São Paulo.

“O desempenho reportado pela Lojas Quero-Quero foi fraco. A companhia ainda enfrenta um cenário de vendas moroso, com pressão também sobre a rentabilidade dos serviços financeiros prestados, diante da alta do custo de capital e inadimplência de volta aos patamares históricos, o que implicou em mais um trimestre de prejuízo e consumo de caixa livre”, avaliou relatório do BB Investimentos, que manteve a recomendação “neutra” para o papel com preço-alvo para o final de 2023 em R$ 4,40.

A analista Georgia Jorge considerou que a companhia tem feito a “lição de casa”, com controle das despesas e forte disciplina na execução do plano de expansão, mas essas medidas não permitem que a Lojas Quero-Quero passe ilesa ao cenário macro doméstico atual.

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“Os papéis da Lojas Quero-Quero acumulam queda de 3,8% desde o início do ano, em um movimento de lateralização em meio às incertezas que pairam sobre a retomada do consumo nos próximos trimestres. Tão logo haja uma melhora da propensão de consumo, a companhia colherá bons frutos”, apostou a especialista do BB Investimentos.

Dívida e juros

Desde março, o Brasil é apontado como dono do maior juro real do mundo (taxa básica da economia descontada da inflação projetada para os próximos 12 meses), de 6,82%, à frente do México (6,13%), Colômbia (5,13%) e Chile (4,89%), segundo ranking da gestora de fundos de investimentos Infinity.

Na última quarta-feira (3), a taxa Selic foi mantida em 13,75% ao ano pelo Banco Central, apesar das pressões políticas por uma sinalização do início de um ciclo de alívio monetário.

Relevante fornecedora do varejo de medicamentos, a farmacêutica Hypera Pharma (HYPE3), dona das marcas Neosaldina, Buscopan, Benegrip, Dramin, Engov, Neosaldina e Rinosoro, lucrou R$ 339 milhões no primeiro trimestre, uma redução de 2,9% em 12 meses.

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O resultado foi prejudicado pela alavancagem. O lucro líquido foi pressionado por despesas financeiras líquidas de R$ 266 milhões (vs. R$ 174 milhões no primeiro trimestre de 2022), que por sua vez foram originados de uma dívida líquida de R$ 7,7 bilhões, combinada com altas taxas de juros”, comentaram os analistas Rafael Barros e Raphael Elage, da XP.

A RaiaDrogasil (RADL3), maior rede de drogarias do país, divulgou um lucro trimestral de R$ 206 milhões, alta de 34% na comparação anual, com impostos menores mais que compensando as despesas financeiras mais altas relacionadas às opções de pagamento de M&A.

Em termos de rentabilidade, a margem bruta foi o ponto negativo, com queda de 0,3 ponto percentual ano contra ano e 0,5 ponto percentual abaixo das nossas projeções devido ao mix de vendas (maior penetração da 4Bio e RX)”, avaliou relatório da XP.

A corretora manteve recomendação de venda para a ação da RD com preço-alvo de R$ 22. O papel fechou, ontem, cotado a R$ 26,39, acumulando valorização de 11,26% no ano.

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“Interessante notar que: i) a empresa continua a ganhar participação de mercado em todas as regiões, com destaque para Norte (+2 p.p), Centro-Oeste (+2 p.p) e São Paulo (+1,7 p.p.); ii) o prazo médio de pagamento aumentou aproximadamente 12 dias em relação ao ano anterior, mais que compensando os maiores estoques e contas a receber e levando o ciclo de caixa a reduzir em aproximadamente 4 dias; e iii) a empresa espera abrir novos CDs [Centro de Distribuição) em Belém e Manaus nos próximos meses, o que deverá contribuir para a redução dos custos logísticos”, resumiu.

Arezzo e Iguatemi

Já a Arezzo (ARZZ3), um dos principais grupos varejistas de moda do país, destoou do tom negativo de seus pares do varejo, conseguindo fechar o trimestre com alta de 27% no lucro líquido (R$ 73,1 milhões), na comparação anual. A margem Ebitda foi de 16%, leve alta de 0,1 ponto percentual em 12 meses.

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Apesar de uma pressão na margem bruta (esperada), os esforços da companhia para racionalizar despesas renderam frutos no trimestre, gerando uma margem Ebitda (rentabilidade operacinonal) estável e um lucro maior do que o esperado”, observou o analista do Itaú BBA.

Já o balanço do Iguatemi (IGTI3), um das maiores administadoras de shoppings do Brasil foi afetado pelo calote do grupo varejista Americanas (AMER3), que entrou em recuperação judicial em janeiro, deixando quase 10 mil credores sem receber cerca de R$ 45 bilhões, incluindo os cinco maiores bancos do país, que fecharam as torneiras do crédito para companhias com nível elevado de endividamento e notas baixas de crédito, a fim de controlar a inadimplência.

“A taxa de inadimplência reportada pelo Iguatemi de 4,4% no primeiro trimestre foi impactada em 0,4 ponto percentual pela inadimplência da Americanas”, destacou relatório do JPMorgan sobre o resultado.

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A Americanas deve R$ 1,6 milhão ao Shopping Iguatemi Esplanada e R$ 741 mil ao Shopping Iguatemi de São Paulo. A CEO do Iguatemi, Cristina Betts, e o CFO, Guido Oliveira, tentaram tranquilizar analistas, durante teleconferência, sobre os desafios do cenário macroeconômico, citando como foco do ano o aumento da eficiência dos atuais ativos do grupo. Eles mantiveram uma visão otimista, com o reajuste dos valores dos aluguéis, a redução da vacância e a melhora da lotação dos cinemas.

Risco da alavancagem

Além da Americanas, o Grupo Petrópolis (capital fechado), dono das marcas de cerveja Itaipava e Petra, também entrou em recuperação judicial no primeiro trimestre.

Não foram os únicos casos. Em março, os pedidos de recuperação judicial registraram alta de 6,8% em comparação com o mesmo mês de 2022, segundo o Indicador de Falências e Recuperação Judicial da Serasa Experian.

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A consultoria constatou que o total foi de 94 requerimentos, com destaque para micro e pequenas empresas como responsáveis pela maior parte (60).

A maior demanda por proteção judicial mobiliza escritórios de advocacia especializados em RJ e falência.

“O varejo é um setor muito afeito ao contexto macroeconômico. A alta da inflação acaba forçando uma desaceleração na demanda e aumentando a inadimplência, especialmente no varejo de baixa e média renda”, analisa o advogado Fabio Pimentel, sócio do escritório Pimentel e Aniceto Advogados, especialista em varejo.

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Ele diz que existe uma alavancagem financeira expressiva e, com os juros altos, que são o custo do dinheiro, o lucro líquido das empresas tende a diminuir.

“Muito embora, historicamente, o primeiro trimestre do ano seja de performances fracas, será hora de ajustar os custos operacionais para que esses esforços se reflitam em melhores resultados para o próximo período”, observa Pimentel.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.