Fim do ‘tax free’ para offshore? Advogados explicam nova tributação de ativos

Segundo especialista, alguns investimentos no exterior podem se tornar menos eficientes fiscalmente do que equivalentes realizados no Brasil com as novas regras

O presidente da República, Luiz Inacio Lula da Silva, em evento no 1 de maio: aumento da tributação para investimentos no exterior compensa perda de receitas com limite maior de isenção para o IR de pessoas físicas (Tuane Fernandes/Bloomberg)
01 de Maio, 2023 | 07:55 PM

Bloomberg Línea — A medida provisória (MP) editada pelo governo Lula no domingo (30) que prevê a tributação de rendimentos de aplicações financeiras recebidos no exterior por brasileiros, bem como de entidades controladas, trusts e fundos que administram quantias de terceiros nas mesmas condições, vai atingir em cheio um perfil de investidor que até hoje estava de certa forma “blindado” da cobrança aplicada aos demais.

A tributação atinge em particular brasileiros que mantêm empresas no exterior para administrar investimentos ou que têm patrimônio aplicado fora do país, segundo advogados e especialistas em planejamento financeiro consultados pela Bloomberg Línea nesta segunda-feira (1 de maio).

São pessoas que em certos casos investem no exterior como pessoa jurídica e não declaram essa renda no Brasil; tampouco são tributados nos EUA, por exemplo, uma vez que não são residentes no país.

As novas regras significam, segundo Frederico Bastos, sócio do BVZ Advogados, que “todo brasileiro que tem uma sociedade no exterior vai ter que apurar um balanço anualmente, verificar se teve lucro, e, ainda que o lucro não tenha sido distribuído ao sócio, para fins da legislação tributária brasileira, vai ser necessário reportá-los e recolher impostos sobre ele”.

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“A legislação muda com a medida provisória e, portanto, qualquer tipo de estrutura que o brasileiro tenha no exterior, se ele tiver uma offshore ou um fundo, desde que seja controlado pelo contribuinte ou por membros de sua família, vai estar sujeito a tributação periódica”, explicou Bastos.

“Além disso, pela medida provisória, é como se o trust fosse uma medida transparente e todos os ativos que estão dentro dessa estrutura deveriam ser declarados individualmente pelo instituidor do trust.”

Hermano Barbosa, sócio de Direito Tributário do BMA Advogados, afirmou que a assimetria entre a tributação de investimentos financeiros no Brasil e no exterior é uma das razões de críticas à nova MP.

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“É possível ainda que, pelo menos do ponto de vista apenas tributário, alguns investimentos no exterior se tornem menos eficientes fiscalmente do que investimentos equivalentes realizados no Brasil”, afirmou.

“Investimentos diretos em ativos financeiros no exterior teriam um aumento expressivo de tributação. No caso de investimentos via sociedades, os lucros obtidos teriam uma redução pequena na alíquota de tributação, mas seriam afetados pela regra de tributação automática, independentemente de distribuição, que pode ter efeitos bastante injustos e mesmo questionáveis”, disse o advogado.

Barbosa também disse acreditar que a medida provisória tem mérito positivo, “sobretudo porque muda muito pouco do que já vinha sendo a praxe do mercado”, mas que peca por ser “um tanto simplista”, exatamente ao regular o trust.

Segundo o advogado do BMA, a tributação do trust já é citada em dois projetos de lei em fase avançada no Congresso Nacional.

“O primeiro trata, com detalhamento, da regulação dos efeitos civis dos trusts, admitindo inclusive sua criação no Brasil. Já o segundo regularia especificamente a tributação de trusts, de forma bastante analítica. Ambos vêm sendo objeto de ampla discussão pública com a sociedade, com apresentação de considerações técnicas por especialistas. Agora, eles seriam atropelados e substituídos pela MP 1171″, afirmou.

O que diz a MP

A MP afirma que duas faixas de cobrança serão adotadas. Uma delas será de 15% sobre a parcela anual dos rendimentos que exceder a R$ 6.000 e não ultrapassar R$ 50.000.

A outra será de 22,5% sobre a parcela anual dos rendimentos que ultrapassar R$ 50.000. Rendimentos abaixo de R$ 6.000 não serão tributados.

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A nova tributação entrará em vigor em 1º de janeiro de 2024, de acordo com o texto da MP, e os rendimentos terão de ser declarado no Imposto de Renda a partir do ano que vem.

Para Ariane Benedito, economista e especialista em mercados de capitais, a nova taxação em investimentos no exterior é uma forma de “recompor a base de arrecadação” e “diminuir o impacto” causado pela diminuição da isenção do Imposto de Renda para Pessoa Física, estimado em torno de R$ 3,25 bilhões, segundo o governo federal.

Para 2024 e 2025, a atualização dos valores da tabela mensal do IRPF (Imposto de Renda para Pessoa Física) deve gerar uma perda de receitas de R$ 5,88 bilhões e R$ 6,27 bilhões, respectivamente.

A MP 1.171/2023 determina o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para pessoas que ganham até R$ 2.640 por mês. A tributação de rendimentos no exterior busca, portanto, compensar as perdas com o aumento da faixa de isenção do IR. O texto ainda precisa ser aprovado pelo Congresso.

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Tamires Vitorio

Jornalista formada pela FAPCOM, com experiência em mercados, economia, negócios e tecnologia. Foi repórter da EXAME e CNN e editora no Money Times.