Promessa de ‘churrasco e cerveja’ de Lula fica em xeque com economia fraca

Dois meses depois de assumir a presidência, Lula tem que lidar com herança na economia que está encurtando a lua-de-mel com a população

Luiz Inácio Lula da Silva busca manter popularidade diante de perspectivas de crescimento mais fraco neste ano (Arthur Menescal/Bloomberg)
Por Andrew Rosati
03 de Março, 2023 | 05:18 PM

Bloomberg — O presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu trazer a prosperidade de volta – “churrasco e cerveja” para todos – se voltasse ao cargo máximo do Brasil. Dois meses depois de assumir a presidência, a economia que ele herdou está encurtando sua lua-de-mel e o apressa para conter os danos potenciais.

Dados oficiais divulgados na última quinta-feira (2 de março) mostraram que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil encolheu 0,2% no trimestre final de 2022, quebrando cinco períodos consecutivos de crescimento. A desaceleração é amplamente esperada para continuar neste ano.

Se as previsões dos analistas se confirmarem, os ambiciosos planos de Lula para combater a fome e a profunda divisão política no maior país da América Latina estão ameaçados.

Ele venceu a eleição evocando nostalgia dos tempos de prosperidade de seus dois mandatos anteriores, entre 2003 e 2010, quando a pobreza caiu e o Brasil subiu ao centro do cenário mundial.

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Seu discurso era: “As pessoas precisam poder fazer churrasco novamente”.

Mas, desde que assumiu o cargo em 1º de janeiro, Lula parece estar lutando para se reconciliar com a dura realidade econômica. Ele entrou em conflito com investidores e seu próprio chefe do banco central, Roberto Campos Neto, atacando mercados e defensores de orçamentos controlados, que se preocupam com altos níveis de dívida e espaço limitado para mais gastos - que resultam em juros mais altos.

“O fato é que Lula está realmente preocupado com uma recessão”, disse Thomas Traumann, colunista e consultor político. “Ele está apertando todos os botões que tem disponíveis, mas percebe que não há muito que possa fazer.”

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Demanda reprimida

No ano inteiro de 2022, o Brasil registrou crescimento de 2,9%, puxado principalmente pelo setor de serviços, com o fim das restrições da covid-19, e por ganhos na indústria, de acordo com o instituto nacional de estatísticas, o IBGE. Por outro lado, a agricultura perdeu produtividade.

Agora, as condições financeiras apertadas e a inflação acima da meta estão afetando a demanda. Ao mesmo tempo, os efeitos de um estímulo multibilionário introduzido no ano passado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro estão desaparecendo, enquanto a economia global parece prestes a cair.

O resultado é que os analistas veem o Produto Interno Bruto crescendo menos de 1% em 2023. Embora isso possa mudar, a maioria concorda que os riscos estão aumentando.

O que diz a Bloomberg Economics:

“As altas taxas de juros estão prejudicando a economia brasileira e prejudicando as perspectivas de crescimento para o primeiro ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em vez de brigar com o Banco Central, Lula poderia fomentar o crescimento esclarecendo suas políticas econômicas e revisando os impostos sobre o consumo para aumentar a produtividade.”

— Adriana Dupita, economista do Brasil e Argentina

A verdade é que Lula não teve nada a ver com os dados de quinta-feira (2), relativos ao período de outubro a dezembro.

A economia foi inicialmente atingida pela pandemia e depois sustentada temporariamente por cortes de impostos e doações feitas por seu antecessor de olho na eleição do ano passado.

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Ainda assim, agora é um país muito diferente daquele que Lula liderou de 2003 a 2010. Naquela época, ele contou a favor uma bonança de preços de commodities que alimentou o crescimento do país e os programas de bem-estar que levaram milhões de brasileiros às fileiras da classe média.

E depois de vencer Bolsonaro, por uma das margens mais estreitas da história moderna do Brasil – uma vitória que seu oponente não reconheceu formalmente –, o presidente de 77 anos é pressionado a mostrar aos apoiadores que ele fala sério sobre trazer a nação sul-americana de volta à sua glória.

Preocupações sobre o que mais quatro anos de Bolsonaro significariam para a jovem democracia brasileira uniram aliados e ex-críticos de Lula. No entanto, “para muitos eleitores, Lula é ‘churrasco e cerveja’”, disse Traumann. “É o fator de bem-estar.”

A pressão sobre Lula para entregar resultados aumentou apenas alguns dias em sua nova administração, quando milhares de apoiadores de Bolsonaro se revoltaram na capital, Brasília, saqueando algumas das instituições democráticas mais sagradas do país e alegando fraude eleitoral. As turbas foram rapidamente reprimidas, mas a oposição ferrenha permanece.

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Retórica preparada

Lula tem buscado medidas para amenizar o golpe da inflação e agitar a economia. O principal deles foi garantir a aprovação para aumentar as despesas em cerca de US$ 32 bilhões neste ano fora do teto de gastos, principalmente para ajudar os pobres.

O líder de esquerda está se comprometendo a introduzir uma nova estrutura fiscal nas próximas semanas. Mas com a expectativa de que o governo tenha um déficit primário este ano, os investidores estão se perguntando ansiosamente como e quando?

“Essa incerteza é o problema”, disse Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, gestora de ativos em São Paulo. “Neste ano tudo depende do lado fiscal.”

De sua parte, o Banco Central está alertando que manterá a Selic em 13,75% ao ano, a maior taxa em seis anos, para conter as expectativas de inflação crescentes - e fazer a economia funcionar menos aquecida por mais tempo. A postura levou Lula a descarregar suas frustrações no chefe do banco, Campos Neto, criticando-o pela política monetária que ele diz ser muito restritiva.

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A briga não ajudou: os traders estão reduzindo as apostas nos cortes de juros neste ano. No entanto pode permitir que Lula compartilhe a culpa se a queda econômica continuar.

“Lula entende que precisa primeiro demonstrar como a casa estava bagunçada quando ele chegou”, disse Thiago de Aragão, chefe de estratégia da consultoria Arko Advice. “E, segundo, preparar seus seguidores e apoiadores para um ambiente em que ele não poderá fazer milagres.”

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