Mobius, guru de emergentes, diz por que zerou posição na Americanas há 2 anos

Investidor há 35 anos em empresas de países como o Brasil apontou em entrevista à Bloomberg Línea quais setores apresentam as melhores oportunidades

Considerado um guru dos mercados emergentes, ele conversou com a Bloomberg Línea em São Paulo, onde se encontra com investidores e executivos de empresas
01 de Março, 2023 | 04:45 AM

Bloomberg Línea — Conhecer os números de uma empresa e seu retorno sobre o capital é fundamental, mas entender a operação por trás dela e saber mais dos executivos é igualmente importante antes de qualquer investimento. E duvidar o tempo todo e fazer as perguntas necessárias.

É com essa filosofia que Mark Mobius escolhe as ações que compõem seu portfólio de emergentes e foi por essa razão que, depois de uma visita ao Brasil há dois anos, na qual encontrou executivos da Americanas (AMER3), o gestor veterano contou que decidiu se desfazer dos papéis.

“Há cerca de dois anos compramos ações da Americanas para o nosso portfólio e, quando vim para o Brasil e fui visitá-los, conversei com os executivos e tive a sensação de que estavam escondendo algo. Senti que eles não estavam me contando tudo e, quando voltamos de viagem, decidimos vender os papéis”, contou Mobius, sócio-fundador da gestora Mobius Capital Partners, em entrevista à Bloomberg Línea, em São Paulo.

“Isso é um sinal de alerta. Se eles não estão dispostos a falar, isso é um sinal de alerta. Se eles não estão dispostos a deixar você ver suas operações, isso é outro sinal. Tudo isso merece atenção e você precisa duvidar o tempo todo”, disse o investidor de longa data em empresas de emergentes.

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Segundo dados da Bloomberg, Mobius zerou a posição entre 2021 e 2022.

Mobius, 86 anos, que mora em Dubai atualmente, está em visita a São Paulo nesta semana para se encontrar com investidores e com executivos de empresas brasileiras. Ele já passou pelo Rio de Janeiro e daqui volta para Dubai, onde segue para Bangkok, Vietnã, Phuket e, depois, Singapura.

O gestor é considerado um guru dos mercados emergentes por causa do pioneirismo e de sua extensa experiência de cerca de 35 anos como investidor na região e pela carreira no Franklin Templeton Emerging Market Group, em que ficou por mais de 30 anos. Foi chairman e aposentou em 2018.

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Mobius comandou um dos primeiros fundos dedicados a emergentes disponíveis nos Estados Unidos e lançou em 1994 o livro “O Guia do Investidor para Mercados Emergentes”.

Na conversa com a Bloomberg Línea, Mobius comentou ainda sobre a visão do investidor estrangeiro a respeito do Brasil neste momento, sobre os principais desafios do governo Lula e destacou o que considera as principais oportunidades hoje entre os mercados emergentes.

Atualmente, o Brasil ocupa a quarta maior fatia do fundo, com cerca de 10% nos portfólios e destaque para os setores de tecnologia e educação, caso da Totvs (TOTS3). As maiores posições são ocupadas por empresas de Taiwan e Índia, que somam juntas 30% da carteira.

A Bloomberg Línea procurou a Americanas, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista com Mark Mobius, que foi editada para fins de maior clareza.

Quais os principais desafios que o presidente Lula enfrenta hoje e o que os investidores estrangeiros esperam de seu governo?

O principal desafio agora é como assegurar a estabilidade da economia garantindo que o banco central fique independente. Em segundo lugar, que o BNDES e as estatais sejam realmente geridos em termos comerciais, sem o controle público.

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Como o investidor estrangeiro vê o Brasil atualmente?

O investimento no Brasil está atrativo, até porque é preciso lembrar que o país está fora dos pontos de turbulência. Então, de forma geral, o Brasil está bem posicionado, assim como a América Latina.

Mas a questão é: quais empresas parecem boas e quais vão conseguir aumentar seus lucros e não serem compradas pelo governo? Isso é muito importante. Na América Latina, sempre houve uma tendência de aquisições de empresas pelos governos, como o que está acontecendo na Venezuela – o que é negativo.

E quais as oportunidades no mercado acionário brasileiro?

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Acho que a grande oportunidade hoje está na tecnologia – não só no Brasil mas globalmente. E não estou falando especificamente de empresas de tecnologia mas também daquelas de software e até varejo, que utilizam a tecnologia para se tornarem mais eficientes e melhorarem seus balanços e lucratividade.

No Brasil, gostamos dos setores de educação, da Totvs (TOTS3) e de saúde. Também estamos olhando para outras empresas que utilizam tecnologia para aprimorar suas operações.

O senhor citou o varejo. Como a crise da Americanas (AMER3) impacta o setor e a confiança dos investidores no Brasil?

É um caso muito interessante, porque há cerca de um, dois anos compramos ações da Americanas para o nosso portfólio e, quando vim para o Brasil e fui visitá-los, conversei com os executivos e tive a sensação de que eles estavam escondendo algo.

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É por isso que eu viajo tanto e sempre tento visitar as empresas. Porque foi em uma visita dessas que senti que os executivos não estavam me contando tudo. Aí quando voltamos de viagem decidimos vender os papéis.

Então tivemos sorte. Não descobrimos os problemas de contabilidade, mas foi um call apenas baseado em nosso palpite, que estava certo.

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Por que houve essa sensação estranha?

Em primeiro lugar, era difícil conseguir marcar as reuniões. Quando conseguimos, foi em um galpão logístico onde eles tinham muitas de suas operações. Havia entre três e quatro executivos na sala, que me fizeram uma série de perguntas sobre a empresa, como se suspeitassem algo de mim, como se eu estivesse tentando descobrir algo.

Então, depois dessa reunião, fiquei bastante desconfortável. E foi aí que voltei e disse ao meu sócio que seria melhor repensarmos a posição.

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Como o senhor vê esses escândalos e como isso afeta a forma como devem ser analisadas as companhias?

A governança corporativa é um problema global. Muitos investidores americanos e europeus desprezam os mercados emergentes por afirmarem que a governança corporativa não é boa, mas veja todos os escândalos na Europa.

Esses problemas de governança existem em todos os lugares, não apenas nos mercados emergentes. E parte do problema é que os auditores não são totalmente responsáveis. Nos EUA, por exemplo, foi aprovada uma lei que diz que o conselho de administração é diretamente responsável por quaisquer problemas, mas não os auditores.

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No caso da Americanas, a empresa tinha duas empresas de auditoria famosas que não perceberam nada. Por isso é preciso ter cuidado.

Como o investidor pode tentar se “blindar” nesses casos? O que é preciso ficar atento antes de investir em uma companhia?

A primeira coisa a ser feita é observar os números, além do retorno sobre o capital, que é muito, muito importante. Número dois, você tem que olhar para o histórico de gestão e qual é a sua especialização, qual é a sua história etc. E, em terceiro lugar, você tem que olhar para a atitude deles em relação aos investidores.

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No caso da Americanas, eu tive a sensação de que eles estavam escondendo algo naquela época. Isso é um sinal de alerta. Se eles não estão dispostos a falar, isso é um sinal de alerta. Se eles não estão dispostos a deixar você ver suas operações, isso é outro sinal. Tudo isso merece atenção e você precisa duvidar o tempo todo.

E um outro sinal de alerta provavelmente seria alavancagem, evitar aquelas empresas altamente alavancadas.

Qual o tamanho do Brasil no portfólio hoje? E o que faria aumentar a posição?

O Brasil representa hoje apenas 10% do portfólio, ocupando a quarta posição. Para aumentarmos o tamanho precisaríamos encontrar as empresas certas com as características que comentamos: bom retorno sobre o capital e bom crescimento dos lucros.

Quais as maiores posições hoje na carteira dos fundos?

As maiores posições são Taiwan e Índia, que somam juntas uma fatia de cerca de 30%. Taiwan, por causa das empresas que projetam os chips, os semicondutores, que são empresas muito lucrativas. E a Índia, por causa de software e por ter uma população gigantesca e jovem. Além disso, é um dos países que mais crescem no mundo.

Por que não há outros países da América Latina na carteira?

O maior desafio na região é a rentabilidade e o retorno sobre o capital. É difícil achar empresas com alto ROIC. Não sei exatamente o porquê, mas é o que acontece. Além disso, somos um pouco enviesados contra monopólios de mineração, porque não queremos nos envolver em problemas ambientais, por isso não costumamos comprar ações de mineradoras.

Muito aconteceu desde a pandemia e há outros riscos que pressionam os mercados: guerra na Ucrânia, alta dos juros e da inflação . Qual sua visão sobre o cenário macroeconômico?

Há dois grandes problemas geopolíticos: um deles é a guerra na Ucrânia, que teve um impacto gigantesco. Além da possibilidade de uma guerra mais ampla na Europa, a invasão fez com que muitos dos países emergentes passassem a comprar petróleo mais barato da Rússia, caso de China e Índia.

O outro grande problema macro está relacionado à Ásia: a tensão entre China e Taiwan – o que cria atrito com outras potências, como os Estados Unidos.

Algo interessante é que, por causa do conflito entre EUA e China e das restrições de compra de produtos chineses e de tecnologia, muitas das indústrias estão mudando para outros países, como Índia, Vietnã, Tailândia, Malásia, Indonésia e México.

Como a alta dos juros e da inflação em países desenvolvidos impacta os mercados emergentes?

Temos uma situação interessante em que nos EUA o Federal Reserve está considerando elevar novamente os juros, ao passo que, nos emergentes, [os bancos centrais] estão considerando cortar [as taxas]. É o caso do Brasil, do México e de outros países – o que é benéfico. Por isso começamos a ver os emergentes se beneficiando e até superando outros mercados, como o americano, em particular.

Em meio à alta nos preços das commodities, alguns analistas defendem que essa é a década para os mercados emergentes. O senhor concorda com isso?

É um cenário misto. De forma geral, temos visto os preços das commodities subirem e, embora tenham se acomodado, seguem em níveis elevados. Acredito que as commodities devem se ajustar à inflação.

Se você olhar o preço do petróleo e a taxa de inflação, por exemplo, eles estão bem alinhados. Portanto, os preços das commodities serão mais altos, mas não muito altos, apenas para limitar o crescimento desses mercados.

Ainda há espaço para se beneficiar com isso?

Ainda há espaço para ganhar, mas há algumas exceções. O carvão, por exemplo, já disparou porque a demanda por energia pós-covid ficou muito alta, principalmente em países emergentes. Não recomendamos, contudo, comprar commodities diretamente, mas de forma indireta, via ações de empresas que atuam no setor.

Fizemos um levantamento com base em critérios como retorno sobre o capital, baixo endividamento e grande crescimento de lucros e descobrimos que, no Brasil, de oito empresas das quais gostamos, cinco eram do setor de mineração e siderurgia.

E quais são as preferidas? Petrobras (PETR3; PETR4), por exemplo, é uma empresa com grande atenção global, mas alguns investidores estrangeiros têm mais cautela por causa do risco político. Qual a sua avaliação?

Ainda não escolhi nenhuma. Sobre a Petrobras, acho que é uma empresa melhor do que já foi, porque tivemos eventos como a [Operação] Lava Jato no passado. Então eu diria que é uma empresa boa, mas que no momento depende do que o presidente Lula irá fazer. Se ele decidir reverter a privatização, por exemplo, aí não seria positivo.

- Com a colaboração de Ana Carolina Siedschlag.

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.