O recado de Buffett que remete à Americanas e à relação com CEOs e diretores

Bilionário investidor, sócio de Lemann, critica manipulações contábeis, que classifica como ‘vergonha do capitalismo’ para qual basta o ‘profundo desejo de enganar’

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Bloomberg Línea — Em carta anual aos investidores da Berkshire Hathaway, divulgada neste sábado (25), o bilionário investidor Warren Buffett fez críticas à manipulação de resultados, sem citar um caso específico. As declarações no documento, no entanto, remetem ao episódio do colapso da Americanas (AMER3), ainda que o Oráculo de Omaha, como é conhecido, não tenha nenhuma participação na empresa brasileira de varejo.

“Um importante aviso: mesmos os lucros operacionais dos quais somos a favor podem ser facilmente manipulados por administradores que queiram fazê-lo. Tamanha adulteração é pensada como algo sofisticado por CEOs, diretores e seus assessores. Repórteres e analistas abraçam sua existência. Bater as expectativas [de mercado] é anunciado como um triunfo de gestão”, escreveu Buffett.

“Essa prática é nojenta. Manipular os números não requer talento. Só é necessário o profundo desejo de enganar. ‘Contabilidade criativa ousada’, como um CEO certa vez descreveu a enganação para mim, tornou-se uma das vergonhas do capitalismo”, concluiu o bilionário a esse respeito.

Buffett dedica parte da carta para explicar as duas modalidades mais comuns de sua holding de investimentos, a Berkshire: comprando o controle e até 100% de uma empresa ou adquirindo ações em bolsa, de modo que se tornam acionistas de forma passiva. “Não temos palavra na gestão.”

Ao se referir ao primeiro caso, ele destaca a importância da confiança com administradores que são contratados.

“A Berkshire direciona a alocação de capital nessas subsidiárias e seleciona os CEOs que tomam as decisões operacionais do dia-a-dia”, escreveu o bilionário investidor.

“Quando grandes empresas estão sendo gerenciadas, tanto a confiança quanto as regras são essenciais. A Berkshire enfatiza o primeiro em um grau incomum – alguns diriam extremo. As decepções são inevitáveis. Entendemos que aconteçam erros de negócios; [mas] nossa tolerância para má conduta pessoal é zero.”

“Nosso objetivo em ambas as formas de propriedade é fazer investimentos significativos em negócios com características econômicas favoráveis duradouras e gestores confiáveis”, concluiu.

Buffett tem negócios com a 3G Capital, de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, há dez anos, desde 2013, quando arquitetaram a formação de uma gigante global de alimentos, a Kraft Heinz (KHC). Mas os dois bilionários, Buffett e Lemann, se conhecem desde o fim da década de 1990, quando ambos eram conselheiros da Gillette.

Lemann, Telles e Sicupira, por sua vez, foram os acionistas controladores da Americanas por quatro décadas e permanecem como os sócios com maior posição na empresa, que revelou no dia 11 de janeiro deste ano um rombo contábil da ordem de R$ 20 bilhões. A companhia entrou em recuperação judicial em 19 de janeiro, o que suspendeu o pagamento de todas as dívidas.

Desde então, o trio tem sido acusado de fraude por parte de acionistas minoritários e credores, especialmente bancos, que acumulam dívida a receber que passa de R$ 20 bilhões. A Americanas trava uma disputa na Justiça para tentar reter valores para a sua operação, ao mesmo tempo em que bancos como o Bradesco (BBDC4) miram os bens pessoais dos três para cobrir suas perdas.

Em sua única manifestação pública até o momento, por meio de comunicado em 22 de janeiro, Lemann, Telles e Sicupira dizem que também foram enganados.

“Jamais tivemos conhecimento e nunca admitiríamos quaisquer manobras ou dissimulações contábeis na companhia”, escreveram os três, citando que auditorias e bancos credores não foram igualmente capazes de detectar qualquer anormalidade nos anos passados em que analisaram os balanços.

Miguel Gutierrez, que foi CEO da Americanas por 20 anos até o fim de 2022, não se pronunciou desde a revelação das “inconsistências contábeis”, apesar de procurado pela Bloomberg Línea nas últimas semanas.

No início de fevereiro, o conselho de administração da Americanas decidiu afastar os diretores Anna Saicali (CEO da Ame Digital, a fintech da empresa), Timotheo de Barros (vice-presidente de Lojas Físicas, Logística e Tecnologia e que foi CFO até o ano passado) e Márcio Cruz (VP de Digital, Consumo e Marketing), entre outros executivos, citando o objetivo de preservar as investigações.

Na ocasião, a Americanas destacou que o afastamento não representava “qualquer antecipação de juízo”.

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